O tilintar das correntes pesadas ecoavam como um lamento através das ruas, misturando-se ao som de tambores rítmicos que usavam geralmente para marchas e procissões. O céu daquela manhã estava cinza, sem vida, desbotado como todas as cores daqueles últimos dias. Em uma caminhada vexatória, ele mancava por aquele corredor de pessoas, suportando as centenas de olhares curiosos de todos aqueles pobres rostwoodianos.
Suas vestes, mais trapos do que tecido, estavam manchadas com seu próprio sangue. Cada passo descalço sobre o chão frio encurtava sua distância até o patíbulo sombrio posicionado à sua espera. A corda da forca já laçada pendia suavemente, movida pelo vento que soprava melancólico por entre as silenciosas veredas.
O vilarejo inteiro parecia ter parado para testemunhar os últimos suspiros do ex-chefe da guarda, James Jordan. Seu crime? Tentar salvar o vilarejo de um destino nefasto que, gradualmente, se aproximava.
Acima daquela multidão, com um sorriso vitorioso nos lábios, Robert Winston, o ex-diretor destituído, o observava com deleite, posicionado entre os membros do Conselho de Líderes, ainda desfrutando de privilégios que o prisioneiro julgava serem bem injustos.
— Vamos logo com isso! — bradou o oficial impaciente atrás do homem, empurrando-o adiante com brutalidade.
James sentia-se desorientado, quase caíra com aquilo. Seus olhos ainda ardiam devido ao contato com a luz, depois de tantos dias acomodado naquelas escuras masmorras.
Após caminhar mais alguns metros naquele desfile sem fim, suas correntes foram puxadas e ele pausou o avanço bem diante dos degraus que levariam à plataforma da morte.
Ao menos, pensava ele, sua última visão seria dos rostos daqueles que tentara proteger, dos poucos sobreviventes que ali restavam. Algum dia seu nome seria lembrado, assim esperava, assim desejava.
Sobre o patíbulo, um pregoeiro de vestes elegantes se aproximou do público e desdobrou um pergaminho com solenidade.
— Excelentíssimas autoridades, nobres cidadãos e respeitados membros da academia — começou —, hoje, a vontade de Ébano se fará diante de nós. Por ordem do Conselho de Líderes, representantes devidamente nomeados de Sua Majestade, o rei Ruberfott, sobre esse patíbulo serão cumpridos os destinos de pessoas que ousaram desafiar as leis expressas no Estatuto da Academia.
“James Jordan, condenado pelos crimes de conspiração, perjúrio e traição, sofrerá nesta manhã a penitência dos deuses pelas mãos dos homens, pagando devidamente pelos seus atos com a sua vida.”
O pregoeiro pausou, olhando para o pergaminho como se buscasse confirmação antes de continuar.
James passara os últimos dias aguardando solitariamente sua sentença, se perguntando se seria rápido, se sentiria dor e, acima de tudo, sobre o que viria depois. Mesmo que tivesse aceitado de vez o seu triste fim, agora que estava tão perto de fechar seus olhos para sempre, sentia medo.
— Paralelo a isto, — continuou o pregoeiro com seu infindável discurso —, condenado por sua conivência aos atos do Sr. Jordan, por seu constante desprezo aos ideais da academia, por participar ativamente deste ato de conspiração desde o princípio, infringindo uma série de regras da Academia, Artur Jay Allen, ex-aluno de nossa instituição, enfrentará o mesmo castigo nesta manhã, ao lado do seu mentor.
— QUÊ?! — exclamou James, incrédulo, interrompendo todo o fluxo dos seus pensamentos, todo o martírio que preparara para si, antes de subir aquelas escadas.
Inusitadamente, uma mão o puxou para o lado, afastando-o do acesso ao patíbulo. Acabara dando passagem para outra condução, tomada por carcereiros broncos, cujos elmos eram incapazes de ocultar os sorrisos perversos que os consumiam. No centro da condução havia um familiar menino de cabelos castanhos e desgrenhados que, com seu uniforme desgastado e com sua cabeça abaixada, murmurou, com a voz vacilante:
— Me perdoe… mestre!
Coercitivamente, o jovem subiu os degraus ruidosos da plataforma, em direção ao seu laço de forca. Desesperado com a situação, James arregalou os olhos e começou a se contorcer para ir até o menino, esticando todas as correntes que o prendiam naquele lugar.
— O QUE ESTÃO FAZENDO? — gritou. — NÃO FAÇAM ISSO! NÃO! AH! — acrescentou, ao levar um forte golpe na boca do estômago. — Ele… ele é só um menino!
Mesmo diante da morte iminente, a única consolação que restava a James era a esperança de que seu discípulo estivesse a milhas de distância daquela ilha, fora do alcance daquela gente. Essa esperança, porém, estava sendo arrancada dele ali, naquele instante, sem qualquer piedade.
— PAAAREM!
Embora o menino aparentasse seguir com garra aquela sina terrível, sem pausar os passos ou oferecer qualquer resistência, seu rosto estava embebido de lágrimas que brilhavam sob o céu cinzento. O garoto foi posicionado e o laço foi colocado em torno do seu pescoço, forçando-o a erguer o rosto e revelar finalmente seus olhos que, sofridos, voltavam-se para o seu mestre.
Com um sorriso de despedida, Artur continuou a encarar James, que, enlouquecido, estava a ponto de quebrar as correntes que o envolviam com os dentes para impedir tamanha catástrofe. A voz do pregoeiro ecoava, entoando uma rápida prece, mas, para James, as palavras eram apenas murmúrios distantes, abafados pela urgência da situação e, ao mesmo tempo, pela sua aflição em não poder fazer nada.
Estava em pânico, suava, lutava desesperadamente contra os guardas que tentavam contê-lo, seus gritos de desespero pareciam inaudíveis a todos ao seu redor.
Como ninguém mais se incomodava em ter que assistir um aluno tão jovem da academia ser enforcado até a morte? Um menino inocente! Que somente cometera a tolice de seguir os devaneios de um homem como ele.
Quando menos esperava, um sujeito corpulento e mascarado subiu na plataforma pelo outro lado. Com um aceno de autorização, ele caminhou até a alavanca ao lado do laço, tremendo toda a estrutura com os seus passos firmes.
E então, com uma frieza assustadora e inimaginável, o homem puxou a alavanca. O alçapão sob os pés de Artur se abriu e o corpo do garoto despencou, tracionando o laço que envolvia seu pescoço e enforcando-o.
Com o choque, James finalmente despertou daquele pesadelo.
Seu corpo estava banhado em suor frio, seu coração tremulava, seu peito arfava em busca de fôlego.
Ainda estava no sufocante confinamento de sua cela, envolto por aquela penumbra solitária e agourenta das masmorras. Os corredores sombrios eram preenchidos pelo eco dos passos pesados dos carcereiros, cujos coturnos ressoavam contra o chão de pedra desgastado. O tilintar estridente do molho de chaves, pendurado à cintura, penetrava também o silêncio opressivo que permeava o ambiente. A luz débil das tochas, espalhadas de forma irregular ao longo dos corredores, projetava sombras grotescas nas paredes de pedra úmida.
James buscou se acalmar por um momento, repousando suas costas na parede de pedra dos fundos. Seu coração aos poucos desacelerava.
O som do alçapão se abrindo ainda ressoava em sua mente, a imagem de seu discípulo pendurado, com os olhos vidrados e a vida se esvaindo, permanecia vívida em sua mente.
Não somente os carcereiros, mas aparentemente seu subconsciente estava bem-preparado ali para torturá-lo. Sua sanidade já estava por um fio.
Mergulhado na tênue luz que adentrava por entre aquelas barras enferrujadas que o prendiam, com a discrição de quem conhecia cada sombra e cada rato que perambulava pelas redondezas, ele se ajustou sobre o chão fétido e, com um suspiro pesado, pegou uma pequena lasca de pedra entre as demais que o atingiram em um torturante apedrejamento que sofrera há poucas horas por seus antigos subalternos naquele mesmo lugar.
Com mãos trêmulas e esfoladas, o homem retirou um pequeno fragmento de pergaminho que guardara enrolado em seu bolso e um tinteiro, ambos conseguidos por um guarda amigo. Ele mergulhou a ponta daquela lasca levemente na tinta e começou a rabiscar palavras no fragmento.
“Prezado leitor,
Se esta carta chegou até você, é provável que eu já esteja morto e, assim, me encontro em um lugar onde a luz já não pode alcançar.”
As letras, traçadas com uma caligrafia rústica, ecoavam as profundezas de sua alma atormentada, revelando apenas uma fração da tormenta que o assolava. Com um último olhar para os corredores vazios e para os guardas distantes, ele prosseguiu, deixando que suas palavras carregassem o peso de seus arrependimentos não ditos.
“Durante toda vida, trilhei caminhos obscuros e cometi atos que me envergonham até o último suspiro. Embora a escuridão tenha sido minha fiel companheira, agora reconheço a futilidade de meus feitos e me curvo perante a inevitabilidade do destino que me aguarda.”
Cada palavra escrita era como um fardo a mais sobre seus ombros já curvados pelo peso da culpa e pelo cansaço, mas James persistia, determinado a confessar suas falhas, mesmo que apenas para as sombras que o cercavam.
“Não há desculpas que possam absolver meus pecados, mas, neste último ato de lucidez, sinto-me compelido a pedir perdão àqueles que feri com minhas ações. Em especial, Artur, o menino cujo sonho eu destruí, por um almejo pessoal.
Mas acima de tudo, não posso me esquecer daquele cujo nome carrega o peso de minha maior e mais longínqua culpa. Ah, que estas palavras encontrem o caminho até você e tragam consigo ao menos uma parcela mínima de alívio para a dor que tanto te causei, Eric.
A verdade é que você nunca morreu para mim. Vive todos os dias fervilhando em minha consciência.
James Jordan”
Ao finalizar a carta, o homem fechou os olhos por um momento, permitindo que o peso de toda aquela culpa maldita se assentasse sobre ele como uma sentença final. Com um último suspiro resignado, ele dobrou o pergaminho com cuidado, depositando-o de baixo de um bloco solto das pedras robustas que compunham o chão.
Que um dia aquele fragmento fosse encontrado pelas mãos certas.
(CONTINUA)

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