Em algum ponto próximo à seção de sociologia, os policiais são recebidos por um grupo de jovens dispostos ao longo de uma extensa mesa. Suas expressões demonstram variados níveis de nervosismo. Alguns parecem apreensivos, outros estão apenas incomodados. Uma menina enrola freneticamente uma mecha de cabelo, enquanto a colega ao lado está largada na cadeira, fuzilando os dois com o olhar. À cabeça da mesa está uma mulher alta, cujo cabelo enrola-se abaixo das orelhas, tão curto que nem chega a tocar os ombros. Os brincos de argola que usa estão sob risco de se enroscar nos fios loiros. A maquiagem é bastante leve, quase não se percebe. Veste uma calça bem-acinturada e uma camisa de botão um ou dois números maior do que o necessário, aberta, com as pontas enfiadas dentro da calça, mostrando uma segunda pele preta. Quando entraram, ela estava debruçada sobre uma das cadeiras, conversando com os alunos mais próximos.
Pela idade e pela pose, só pode ser a tal orientadora.
— Professora Villeneuve, bom dia. — Gustave cumprimenta, andando até ela e oferecendo um aperto de mão.
— Capitão Martin. É um prazer te conhecer pessoalmente. — Ela aceita com dedos firmes e olhar contido.
Pessoalmente?
— A Major falou que você viria.
Isso não responde muita coisa, mas não é algo relevante o suficiente para matutar nesse exato momento.
— Já estão todos aqui? — A contar pelas cabeças, são nove alunos. Contando com o desaparecido, parece um pouco grande demais para um grupo de pesquisa. A universidade está financiando essa galera toda? Que tópico é esse que precisa de tanta gente envolvida para analisar?
O grupo é dividido ao meio; Bouchard se joga numa das cadeiras disponíveis, puxando seu bloquinho do bolso e perguntando quem gostaria de ir primeiro. Gustave, pelo outro lado, aponta a esmo para um trio de alunos e pede que o acompanhem até o corredor seguinte. A professora segue junto deste grupo menor, atraindo um olhar curioso do policial.
— Ela pediu para eu falar diretamente com você.
“Ela” só pode ser a Lisa, é claro. Seria legal ter sido informado de todos esses combinados antes de chegar aqui, para que ele não pareça tão paspalho. Ou vai ver essa foi a intenção, conclui, cerrando os olhos e desacelerando o passo, permitindo-se ser ultrapassado. A loirinha não é feia, mas não é o tipo de mulher que ele costumava considerar como possíveis namoradas. Boa postura, roupas bem-passadas. Apesar do jeito meio selvagem do cabelo, é possível ver que o estilo é calculado, totalmente intencional. Ela separa uma mecha dos tais brincos, colocando-a atrás da orelha. Nenhum anel no dedo.
Será que é esse o tipo da Major?
O pensamento traz um leve riso irônico aos lábios de Gustave, rapidamente suprimido — afinal, não é a hora nem o local para isso. Entretanto, com certeza é algo para se atentar mais tarde.
Francamente, os três moleques foram meio inúteis. Um deles nunca falou mais de duas palavras com o sumido, e nem com o próprio Gustave. Muito mal olhou na cara dele e só resmungou que não sabia de nada — nem um pouco suspeito, obviamente. Ganhou uma anotação extra debaixo do nome dele à toa, por mais que ele saiba que isso seja só birra de adolescente. O segundo aluno foi mais meigo, pelo menos: confessou que entrou no grupo há menos de dois meses e até se desculpou por não poder ajudar muito, mas nem teve a chance de conhecer o desaparecido direito. Bem legal da parte dele, mas poderia economizar a parte onde ele passou dez minutos numa tangente, sem permitir que fosse interrompido. A terceira, finalmente, conseguiu alegar que o vê muito frequentemente em festas e bares ao redor do campus. Nem sempre com a namorada, diga-se de passagem, mas também nunca o viu com nenhuma outra mulher. Mikael Prater geralmente andava e bebia sozinho, sem se engajar muito caso alguém viesse puxar papo com ele.
Em teoria, a professora não deveria ficar observando as conversas, mas ela se senta, novamente, à ponta da mesa — perto demais para os protocolos, longe o suficiente para questionar se ela realmente consegue ouvir algo. Gustave tenta não olhar muito na direção dela, e quando o faz, é de maneira disfarçada (ou ao menos, com tal intenção). Ela permanece com a mesma expressão rígida, costas apoiadas no encosto da cadeira. Até que lembra um pouco a Major, agora que ele parou para pensar. Os alunos esperam seus turnos sentados próximos dela, e retornam ao seu lado após terminarem. Quando a última entrevistada se levanta, ele finalmente se permite levantar o rosto na direção dela, chamando:
— Professora Villeneuve, também preciso perguntar umas coisas para a senhora.
— Claro.
— Nós já estamos liberados? — Um dos alunos os interrompe, mão levantada. Ela se vira para Gustave, esperando que ele responda.
— Estão sim. — Ele acena em direção à saída. — Obrigado pela ajuda.
Uma vez que o grupo desaparece entre as estantes, o rosto da professora deixa de lado os tons de afeto que usava com eles. Sua expressão ainda é firme, mas é possível ver o peito dela levantando com o ar que inspira profundamente. Há algo próximo de apreensão nos olhos dela.
— Professora Adele Villeneuve. — Gustave começa a anotar. — Quando foi a última vez que viu Mikael Prater?
— Na reunião do grupo de estudos, sexta-feira à tarde.
Obviamente. Mas ele precisa perguntar mesmo assim.
— A senhora percebeu algo estranho nele durante a reunião?
— Sim. — Ela abaixa a cabeça, mãos subindo aos fios desgrenhados. — O Mikael… Ele é meu aluno, fui eu que convidei ele para o projeto. A gente costuma conversar bastante, até porque eu falo alemão, sabe? Acho que ele gosta de ter por perto alguém que fale a língua dele. Ele também se sentia muito mais à vontade para comentar os tópicos da discussão depois…
Ignorando o comentário completamente humilde da professora sobre suas capacidades poliglotas, Gustave vira uma folha do bloquinho antes de prosseguir:
— E como ele estava na sexta? Ele te falou algo?
— Nada em particular. Ele estava bem cabisbaixo, mais que o normal.
— Mais que o normal?
— Ele é bem tímido. Sempre foi bastante retraído desde que chegou, é dele mesmo. Só que sexta ele estava bem amuado. Perguntei se tinha acontecido algo, ele falou que tinha brigado com a namorada na véspera.
As palavras saem direto da boca da professora para o caderninho dele. Se o relacionamento deles estava indo mal, isso explica porque os dois não estavam mais sendo vistos juntos tão frequentemente.
— Algum detalhe sobre a briga?
— Não, e eu também não perguntei. Só falei para ele tomar cuidado para não ser babaca com ela. Ele só deu de ombros e trocou de assunto.
— Começou a falar sobre o quê?
— Perguntou onde estava o pessoal que ainda não tinha chego. Depois disso, um outro aluno veio falar comigo sobre uma prova, e aí todo mundo já estava no local, então começamos a reunião.
Talvez seja um bom momento para sanar as curiosidades dele.
— A Major Gauthier me falou que esteve em contato diretamente com você para arranjar essa reunião com o grupo. Já houve algum problema anterior entre os alunos? Peço perdão pela pergunta, mas cheguei recentemente no distrito…
— Não, pode deixar, estou ciente. Houve um problema ano passado, mas não foi entre os alunos, foi uma questão generalizada no campus. Foi tudo resolvido bem rápido com a ajuda da Major, mas ela tem o meu número pessoal desde essa época. Ela deve ter visto na ficha do Mikael que ele é aluno de História, então de fato seria bem mais rápido só falar logo comigo. Ele nem estudava aqui na época, não tem nada a ver com isso.
Interessante.
— Então vamos voltar para o comportamento geral do Prater. A senhora afirmou que ele tem andado diferente recentemente.
— Sim, ele anda mais nervoso. As notas dele sofreram uma queda brusca agora no último trimestre, e eu tentei conversar com ele sobre isso, já que as provas finais estão chegando e a bolsa dele pode ser suspensa se isso ocorrer novamente.
— E caso a bolsa dele for suspensa, o que acontece? Ele tem que voltar para a Alemanha?
— Exatamente. Com o detalhe de que não vão ajudar com a passagem de volta.
É. Uma passagem de avião para a Europa não é um trocadinho que um mané qualquer tem no bolso. Gustave não surtaria tão forte assim numa situação dessas — afinal, é só focar nos estudos, porra — mas também não é uma surpresa imaginar como alguém com a cabeça mais fraca poderia reagir a essa notícia.
— Ele mencionou alguma dificuldade financeira, ou essa passagem é algo com o qual a família dele conseguiria arcar?
Villeneuve cruza os braços, mantendo-se em silêncio por alguns instantes.
— Não sei dizer. Ele quase nunca fala da família. Eu também prefiro não me intrometer muito, então nunca perguntei…
Bem, é uma distância razoável para ser mantida. Ele já acha surpreendente alguém conversar com a professora sobre uma briga com a namorada, vá dizer contar sobre a história toda da família.
— Com licença.
Uma voz irrompe detrás dele, quase fazendo-o saltar da cadeira.
— Ah, Anette. A gente já está saindo, pode deixar.
— Sinto muito, — sussurrou a bibliotecária. Ou pelo menos a mulher que ele presume que seja a bibliotecária, visto que ela estava sentada na entrada quando chegaram. — Mas estamos fechando às 11h para o almoço esse mês, a menina do turno da tarde está de férias...
Pelo olhar assustado da moça, a diretoria não informou direito sobre o que está se passando. Estamos no estágio do sigilo, então? Gustave assente e repete as palavras da professora, confirmando que já terminaram. Não tem muito mais para futucar nela mesmo. E se realmente precisarem, sabe que Lisa pode chamá-la a qualquer momento para ajudar.
Bouchard o espera em frente às portas de mogno, encostado ao lado do estande com as regras de uso da biblioteca. Sua expressão se mantém impassível enquanto a professora passa junto dele, mas uma vez que ele está fora do campo de vista dela, cumprimenta Gustave com um polegar levantado. Ele só acena de volta com a cabeça.
— Tudo bem, Martin?
— Tudo em ordem, Tenente. Acho que já podemos ir ver aquela outra coisa que a Major nos pediu.
Verdade seja dita: desde o final da terceira entrevista, um cheirinho de comida estava subindo até a biblioteca, provavelmente vindo de umas barraquinhas próximas da rua principal. Ele não chegou a se atentar a elas quando passou na ida, mas seja lá o que estavam preparando, começou a ser uma certa tortura depois de alguns minutos.
— Ah, desculpa. — Villeneuve para e se vira de volta para os policiais, pegando o celular. — Na verdade, tem mais uma pessoa que estava conosco na sexta, mas não pôde chegar a tempo. A gente não sabia da mudança no horário de funcionamento, então ele só ia vir um pouco mais tarde, mas…
Ninguém nessa faculdade se comunica, não? Que bagunça.
— Sem problema, eu vou até lá. — Se for sozinho, com certeza Gustave conseguirá resolver tudo mais rápido. — É só falar onde devo ir.
— Desculpa pelo inconveniente, capitão. É o outro orientador do nosso grupo, o professor Levesque, estava em aula até agora. O escritório dele fica aqui nesse mesmo prédio, no terceiro andar. Ele disse que já está a caminho, mas que você pode ficar esperando ele lá dentro. Quer que eu te leve?
— A gente vai junto?
— Não precisa, obrigado. — Responde aos dois, lembrando-se no último instante de pelo menos fazer a rejeição soar educada. — Em qualquer caso, entro em contato novamente, professora. Tenente, pode comprar nosso almoço enquanto isso?
Felizmente, ambos aceitam sem mais delongas. Se tudo der certo, será o mesmo com essa testemunha atrasada. Não que faça muito sentido ele querer ficar logo livre disso tudo, né? Pra quê? Ele vai ter que voltar para a delegacia depois, de qualquer jeito — para sua escrivaninha e sua marmita de picadinho de carne, sem mencionar o café requentado e os favores idiotas que seus colegas o pedem. Mesmo que faça o tempo passar mais rápido para dar logo a hora de ir para casa, que bem isso vai lhe fazer? Tá, ele de fato gosta bastante de sair para passear com o cachorro, mas é mais pelo bicho do que por qualquer outra coisa — o que mais ele faz além de observar as vitrines no caminho e comprar cerveja? Porque é claro, sempre é bom ter uma geladinha para acompanhar os filmes que assiste antes de dormir. Mas não pode ser um filme longo, porque amanhã ele tem que acordar cedo para ir malhar antes de voltar para o trabalho, e tudo isso acontecer de novo. Pelo menos com esse caso do gringo desaparecido, a semana ainda deve render mais algo de interessante, mas puta merda, não é à toa que ele deve estar em crise.
Que vida de merda, hein? E ainda é segunda-feira.

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