4. Erevan
Depois do jantar, Erevan vai até a sala indicada. Como prometido, a senhora estava sentada em frente a lareira, em uma pequena mesa de costura. Uma máquina presa ao tampo da mesa se movia rapidamente, seguindo o ritmo de um pedal mecânico ligado à máquina por uma corda. Conforme a senhora acionava o pedal, a corda fazia uma roda girar, e a roda, por sua vez, movia todo o mecanismo de fios e agulha. Sem dúvida, o trabalho de um artesão muito talentoso.
– Ah, que ótimo te ver novamente, rapazinho! – Sua voz ficava um pouco abafada com o barulho da máquina de costura, mas algo na junção do barulho repetitivo das engrenagens com o crepitar do fogo era convidativo e aconchegante – Venha, sente-se e pegue uma xícara de chá. Está quente, acabei de passar.
– Obrigado. – O chá esquenta por dentro, com um calor muito bem vindo. A falta de vegetação na região fazia as noites serem muito frias, e os dias muito quentes. – Do que é?
– É língua-de-pedra. São a planta mais comum da região, tem muita crescendo nas frestas das pedras. É amarga demais pra comer, mas faz um chá gostoso. – Erevan observa a planta dentro da chaleira, analisando o formato das folhas. Já tinha lido sobre ela no catálogo de seu avô, mas nunca tinha visto pessoalmente – Os vapores também são bons. Fervemos na água quando as crianças estão com tosse. Ajuda a limpar os pulmões de toda essa poeira. Você gosta de estudar sobre essas coisas, rapazinho?
– Gosto. Aprendi tudo que sei com meu avô.
– Ele também era um druida?
– Uhum – Erevan concorda com a cabeça e toca uma das tatuagens.
– É para ele que tem a tatuagem no seu braço? Se minha memória não me falha, é uma tatuagem de luto, não é? Uma linha para representar o nascimento, outra linha para representar a partida.
– É. Fazem sete luas.
– Sinto muito por sua perda.
Os dois bebericam o chá por um momento, olhando a distância.
– Como a senhora sabe sobre os símbolos das tatuagens?
– Meu primeiro namorado foi um druida da floresta do Norte. Saímos por um tempo, mas sabíamos que não daria certo. Foi uma decisão minha, mas ele concordou. Ele era dríade, e eu uma humana, e ele já tinha até netos quando nos conhecemos. Ainda trocamos cartas por um tempo, me pergunto como ele está hoje em dia. A última notícia que tive dele é que sua neta tinha brotado, depois disso tudo que falava era de como estava feliz de ensiná-la. Talvez você a conheça, como era o nome dela…? A neta de Erevaldo…
– Eren.
– Isso! Vocês se conhecem?
– Sou eu. Erevaldo era meu avô.
– Oh mas que coincidência! Você cresceu para se tornar um rapazinho tão lindo, e soltou as raízes também! Erevaldo deve estar muito… Oh. – Ela pausa por um momento, observando novamente a tatuagem no braço do garoto – Oh. Entendo…
– Sinto muito.
– Não se desculpe, não fez nada de errado. – ela para de costurar e olha para o garoto – Seu avô tinha muito orgulho de você, pequeno.
Erevan sorri, lembrando do brilho nos olhos do avô falando sobre as espécies que encontrou e as poções que fez. E o mesmo brilho ao ouvir Erevan contando sobre o que aprendeu.
– Eu sei. – Falar sobre o avô deixa seu coração quentinho como o chá.
A senhora volta a costurar, e os dois passam boa parte da noite assim, bebendo chá e trocando histórias sobre seu avô. Era muito bom ouvir histórias de alguém que conheceu um outro lado de Erevaldo, algo diferente do grande druida, famoso pesquisador e líder sério. O lado brincalhão, curioso, e inconsequente - aquele que soltou as próprias raízes para poder viajar o mundo. Até então, Erevan acreditava que apenas ele, Cali e Senhor Barbatimão tinham conhecido esse lado, mas pelo jeito sua fama ia para além do vilarejo.
– Quando vocês se conheceram, meu avô veio aqui para Pedregulho?
– Não, eu saía do reino para encontrá-lo em segredo – a senhora esconde uma risadinha – Naquele tempo, a magia era proibida no reino, e conjuradores não podiam entrar. A lei não durou muito tempo, mas infelizmente a cabeça das pessoas não mudou muito, como você deve ter percebido.
– Um reino sem magia?
– Pois é! O reino quase entrou em colapso por causa disso, então tiveram que voltar atrás. São todos tolos, sentem-se donos até do que não entendem. Principalmente aquele duque. – O rosto da senhora se contorce em uma expressão de desgosto.
– Ouvi algumas histórias sobre ele, de viajantes que passaram no vilarejo. Pretendo ficar o mais longe possível do castelo dele. Vim até aqui apenas por causa de uma lenda.
– Se fala da lenda da árvore Iporavã, tenho más notícias pra você, rapazinho.
– Essa mesma! O que aconteceu com a árvore?
A senhora se levanta e pega um pergaminho da estante. Desdobrando, o pergaminho revelava um mapa detalhado da região, com o rio, a ponte que conectava a Cidade Alta à Pedregulho, as casas, e o grande palácio do duque, no centro da cidade.
– Está vendo aqui o palácio? – A senhora aponta bem para o centro das grandes muralhas, onde uma árvore estava desenhada – Iporavã está aqui.
– Não vai ser fácil.
– Não. Mas eu conheço alguns atalhos. – a senhora abre um sorriso – Acho que eu e você podemos chegar em um acordo, rapazinho…

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