A figura que surgia era de um jovem adulto loiro de pele pálida, mas a sensação que passava era que aquilo não era um humano. Apesar de estar na parte sombria do consultório, onde os raios de luz não perfuravam, ele não parecia se mesclar com as sombras. A cor de seus olhos era de um vermelho profundo, que parecia cortar a alma de Dr Breno ao encará-lo.
– Quem é você!? – Gritou Dr Breno com toda a coragem que tinha.
– Eu sou o seu Salvador – Proclamou entrando na sala e gentilmente fechando a porta enquanto continuava a fitá-lo.
Ao ouvir aquelas palavras que beiravam a insanidade, Breno pensou que poderia se tratar de um psicopata maluco, ou pelo menos, era oque ele queria que fosse, de fato, ele desejou do fundo de seu coração que aquilo parado em sua frente, olhando diretamente nos seus olhos sem piscar, era apenas um homem insano.
– Mas que besteira ridícula! Oque você fez com a minha secretária? Você não quer que eu chame os seguranças quer?
– Porque está forçando esse teatro ridículo? Em seu coração você já aceitou que eu não sou um homem insano.
– C-como você…
– Eu vim porque você me chamou. Dentro do seu coração você gritou para que alguém o salva-se desse inferno. E quem atendeu o seu chamado fui eu.
O homem loiro vestido de amarelo começa a andar e vai em direção a janela. Seu corpo finalmente começa a se mesclar com a escuridão e ali fica parando fitando Breno que o acompanhava com os olhos.
– Um Salvador é? Eu não lembro de ter pedido em nenhum momento para ser salvo, alias, eu não quero ser salvo. Não tenho tempo para lidar com loucos com complexos messiânicos então é melhor ir embora daqui antes que a coisa fique feia para você.
O homem de amarelo novamente se movimenta, seus movimentos são suaves porém rápidos. Por um momento Dr Breno pensou que seria atacado mas então o homem se Deita na poltrona aonde os pacientes se sentam e pela primeira vez averte os olhos para o teto. Por algum motivo, não ser encarado por aqueles olhos vermelhos causou um extremo alívio em Breno.
–Complexo de Messias? Interessante conceito, você acha que isso se aplica a mim?
Ofegante, o psiquiatra então decide jogar o jogo e fazer o seu papel
– Clamar ser um Salvador e que irá me salvar é algo de alguém com a mente instável, provavelmente fruto de um lar caótico onde a pessoa foi forçada a amadurecer mais cedo ou algum trauma de não ter conseguido salvar alguém. Talvez até mesmo revele uma baixa autoestima.
–Bom, eu de fato talvez tenha uma baixa autoestima comparada com um certo alguém, mas tive um bom lar com uma família acolhedora. Você nunca teve isso, Doutor Breno?
–Oque está tentando dizer, que eu tenho um Complexo de Messias? Não seja ridículo!
–Porque continua a mentir para mim? Eu vejo tudo, Senhor Breno Silva Dias, diante de meus olhos, você não pode mentir. – Disse o homem novamente voltando a olhar fixamente eu seus olhos.
–Novamente um sentimento de pavor toma conta de seu corpo e então responde:
–Oque você quer de mim? A-Apenas me deixe em paz. –Sua voz já estava trêmula, sua mente parecia que colapsaria se ficasse mais tempo perto daquele homem, que parecia drenar suas forças. Ele queria fugir, gritar, reagir, mas não conseguia, tudo oque sua mente permitia era responder as questões do homem de amarelo.
– Paz? Continua mentindo para si mesmo? Você nunca teve paz. O motivo de você estar nesse hospital é porque você achou que com seus estudos e novos métodos, você conseguiria salvar pelo menos uma pessoa e assim ter paz, não é mesmo?
Breno começa a tremer, como se as palavras fossem facas perfurando seu corpo. Então ele se levanta rapidamente, Seu medo parece ter sumido e dado lugar a raiva, sua vitalidade novamente voltou como que em um passe de mágica e então grita:
– Você não sabe nada sobre mim! E se souber foda-se também você jamais entenderia! Eu não passo de um sujo cínico como todos os outros desse inferno de hospital. Eu não preciso de sua redenção, perdão ou sei lá oque, apenas SUMA SUMA SUMA! – Colapsando no chão e em lágrimas, o jovem psiquiatra cai de joelhos no chão.
O homem de amarelo sorri de forma extremamente sinistra, como se estivesse esperando aquela reação, lenta da poltrona e fica em pé em frente ao Doutor.
– Você tem usado tantas máscaras por tanto tempo, que até perdeu sua verdadeira identidade em meio a um mar de mentiras, mas seu sonho ainda se mantêm vivo como uma pequena faísca quase se extinguindo. Eu não quero que esse fogo se apague, eu não quero que você se torne como os outros.
Seus olhos vermelhos estavam fixos nos de Breno. As palavras que dissera não pareciam suas, mas algo arrancado da alma de Breno, como se ele tivesse sido desnudado por dentro. Breno já estava completamente cativado por aquele homem — alguém que parecia enxergar até as partes mais escuras do seu coração.
– N– Não há mais esperanças para mim, eu já estou tão sujo quanto eles.
– Ainda há esperança, é por isso que eu estou aqui.
A luz do consultório voltou a sua intensidade e cor normal, o homem de amarelo parecia muito menos ameaçador que antes, e a luz do sol que batia atrás dele parecia o dar um caráter sereno e divino. Lagrimas saiam do rosto de Breno ao olhar aquela figura, como se ele estivesse vendo sua própria alma refletida.
– Eu sei, eu sei o quanto você quer salvar todo mundo, eu sei do seu sonho de ser um cirurgião, eu sei de tudo. É por isso que eu vim aqui lhe oferecer uma escolha.
–...Escolha?
– Eu posso te dar o poder que o permitirá realizar o seu sonho impossível, mas em troca, você se tornará o próprio inferno. Não haverá paz, mas também não haverá arrependimentos.
Contendo as lágrimas, Breno fechou os olhos por alguns segundos, ao abrir, teve certeza de que tudo aquilo era real.
– ……...Qual o seu nome?
– Tenho muitos, mas pode me chamar de, Gabriel.
*********************
Não
havia palavras que pudessem sair da minha boca. Eu estava paralisado,
vendo aquela imagem milagrosa diante dos meus olhos. Yamagishi estava
tão atordoado quanto eu, encarando fixamente Shely, de pé diante de
nós, com um grande sorriso em frente ao portão da faculdade.
Será
mesmo que é ela? Será que não é outra pessoa?
Não apenas
estava de pé, seu rosto, sua pele, tudo transbordava uma vitalidade
como se nunca tivesse estado doente por tanto tempo.
Antes mesmo
que conseguíssemos concluir qualquer coisa, ela correu na nossa
direção e nos deu um grande abraço.
– Hahahaha! Eu finalmente posso fazer isso depois de tanto tempo!
– Shely? É você mesmo? É você mesmo? – Yamagishi tremia enquanto ainda tentava entender oque estava acontecendo
– V-Você está, você parece...Bem? – Disse eu também tentando entender oque estava acontecendo
– Mas é claro que sou eu! Quem mais seria?
– Mas, você…
– Eu sei, eu sei, aparecer andando assim é algo anormal demais não é mesmo? Mas eu juro que tem uma explicação.
Eu estava totalmente incrédulo e ao mesmo tempo fascinado para saber como ela teve uma recuperação milagrosa do dia para a noite. Foi um milagre? Foi fruto da ciência? Pensei em indagar mais mas fui interrompido por Yamagishi com lágrimas nos olhos.
– Cara, a nossa amiga está aqui de pé e com saúde e você fica ai pensando em como e por quê? Dane-se o porque isso não importa! Oque importa é que agora ela está bem!
Ela pareceu ter ficado envergonhada com essas palavras mas logo depois começou a brincar com a situação
– Nossa, Yuuyuu, não sabia que você podia ser tão sensível assim hehe
– Sensível?? Não sou sensível, apenas estou agindo como alguém normal agiria ao ver alguém que ele ama bem! – Disse ele com o rosto todo corado
– AAA Para com isso para – Shely gritou com o rosto ainda mais vermelho.
Ambos
rimos muito e decidimos matar aula para passear pela cidade. Afinal,
aquele era um dia especial, quase como um sonho lúcido. Conversamos
sobre diversas coisas: séries, jogos, sonhos, sobre nossa infância
e momentos felizes.
Passamos pelo arcade e nos divertimos
muito lá. Ela sempre quis jogar Dance Revolution, e, naquele dia,
dançou como eu jamais tinha visto alguém dançar — como se fosse
uma profissional naquele jogo.
Por fim, resolvemos
encerrar o dia comendo um hambúrguer num desses fast-foods baratos e
jogando conversa fora. O dia foi perfeito. Mais uma vez: como se
fosse um sonho lúcido. Ainda não consigo acreditar que tudo isso é
verdade.
Será que eu estou sendo amargo demais? Yamagishi
e Shely estão se divertindo bastante e não parecem se importar...
Então, por que só eu? Será que, inconscientemente, estou
decepcionado por não ter sido eu quem resolveu o problema? Será que
sou alguém tão ruim assim?
Não. Acho que eu
simplesmente tenho medo de acordar e descobrir que tudo isso não
passou de um sonho. Preferiria nunca ter vivido esse dia se soubesse
que ele era apenas uma ilusão da minha cabeça.
– Terra para Rafael, terra para Rafael, oque está fazendo no mundo da lua? – Shely no seu usual tom animado me perguntou curiosamente.
– Ah? Ah nada eu estava só pensando naquela vez que você conheceu o Yamagishi pela primeira vez, você foi até ele e falou “Watashi no namae wa Shely desu. Hajimemashite.”
Yamagishi cuspiu o refrigerante que estava bebendo e Shely envergonhada disse:
–Aaarh porque você foi lembrar disso? Eu vou morrer...Morrer de vergonha.
–Hey Gabriel isso não é justo! Você não deve falar mau do jeito que as pessoas confessam o seu amor. Você por exemplo esqueceu aquela vez que você escreveu um lindo poema para a garota que você gostava e ela achou que você era gay?
–E-Ei isso era para ser um segredo! AAAArh
–Pff AHAHAHAHAHA Ei Yuuyuu me conta mais sobre isso
–N-não diga mais nada!
–Claro
que conto, eu até decorei o poema “ Tu és, a rosa mais rubra do
jardim escondido,
e eu o orvalho que repousa sobre tuas
pétalas…”
–C-Chega nem mais uma palavra!
–“Mas o eterno sol me extingue de você, e tudo oque resta é o momento que tenho antes do amanhacer…”
Me atirando sobre o pescoço de Yamagishi, tentei fazê-lo parar de recitar aqueles embaraçosos versos que um dia um eu mais puro e ingenuo proferiu e teve seu coração dilacerado. No fim, todos nós acabamos rindo de nossos momentos vergonhosos.
–Alias, Shely, onde estão seus pais? –Eu Indaguei.
–Ora como assim? Estão em casa a essa hora.
–Isso eu sei, mas, sua mãe, por exemplo, nunca te deixou sozinha por um minuto, então achei estranho ela não estar junto com você.
Houve um momento de silêncio e então Shely respondeu:
–Ela estava porque antes eu precisava dela, eu estava em uma cadeira de rodas e quase não tinha forças nem para abrir um pote de biscoito. Não sei porque você está tão preocupado assim.
Antes de eu poder responder alguma coisa, Shely simplesmente se levantou e disse que estava atrasada e que precisava ir. Foi tão repentinamente que eu e Yusuke ficamos sem entender muito bem.
– O Yamagishi, será que eu fui muito-
–Não, eu também estou com a mesma sensação que você – Yusuke respondeu de uma forma totalmente séria.
Parece que não era apenas eu que sentia que algo estava errado, que aquilo não era normal, esse dia está estranhamente perfeito, perfeito demais eu diria, talvez porque nós criaturas miseráveis não conseguimos compreender oque é viver sem o sentimento de que estamos sofrendo nem que seja por um segundo. De qualquer jeito, dizem que milagres existem não para desafiar as leis naturais mas para provar que elas existem e Deus é a causa delas. Honestamente não acredito que estamos vivenciando um milagre, mas outra coisa.
–Olha, parece que Shely-ly esqueceu seu celular em cima da mesa. Melhor irmos entregar para ela.
Uma conveniência quase que divina apareceu para nós justamente na melhor hora. Queríamos poder ir na casa dela falar com os seus pais e saber mais sobre como tudo aconteceu, mas não queríamos ser um incomodo logo agora, mas agora temos uma desculpa perfeita.
**********
Durante o percurso não falamos absolutamente nada, ainda estávamos tentando entender oque aconteceu, como se estivéssemos pouco a pouco acordando para a realidade. Era uma casa bonita de dois andares, ao chegarmos no portão da residência, logo sentimos um cheiro forte e horrível vindo de um contêiner de lixo próximo a casa dela, não parecia ter ninguém em casa, estava tudo fechado. Yamagishi então puxa o portão e nota que ele estava aberto, e ao chegar na porta de casa, nota que ela também está aberta e decide entrar.
–Ei oque você está fazendo? Não devemos bater primeiro?
–Relaxa, eu só vou deixar ele em cima da mesa e sair, alias, eles de casa me conhecem e eu vivo entrando e saindo dessa casa sem nem pedir permissão.
Eu acharia esse comportamento estranho, mas lembrei que na casa de meu avô isso era extremamente normal de acontecer. Não que eu ache isso certo, para mim isso é coisa de maluco, mas considerando o quão bem ele se dá com a família de Shely talvez ele realmente tenha essa permissão. Mas eu conheço o amigo que eu tenho, mesmo se ele tivesse ele não faria tal coisa. Ele provavelmente está tão confuso quanto eu, talvez ele até mesmo esteja tentando ou acordar desse sonho ou tentando achar uma prova de que isso tudo é real.
Um minuto havia se passado e aquele cheiro parecia mais forte. Tanto o senhor e a senhora Siminski eram pessoas fissuradas em limpeza, eram até meio paranoicos com isso, então porque eles deixariam algo tão fedido em frente a casa deles? Em uma curiosidade mórbida, decidi dar uma olhada dentro do contêiner, segurei bem minha respiração e abri rapidamente o contêiner.
….
.………!!
.…………………………….!!????
–S-Senhor e Senhora Siminski ????????????

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