Embora eu não tivesse cometido nenhum crime, sob o olhar de Lux eu me senti encarando um promotor furioso. Como réu, quis me declarar culpado de imediato tentando pleitear um acordo. Quem sabe assim sairia pagando apenas uma multa…?
Não foi bem assim que imaginei que seria o meu primeiro encontro com Lux. Como estou no corpo de Spes, imaginei algo mais…. romântico? Mesmo que isso aqui seja uma tragédia, ainda é um Boys Love! Então imaginei que seria algum tipo de clichê onde eu caía em cima dele, ou que ele fosse me salvar de algum monstro que apareceu de repente, ou até mesmo ele chegasse a me flagrar me masturbando em um local impróprio.
Eu estaria bem com qualquer um desses clichês! Nem quando eu era invocado para minha novel favorita, a sorte me sorria! Lux me viu em uma posição um tanto quanto constrangedora com o pai dele, e deixou bem claro que interpretou tudo errado!
Não consegui tirar a expressão de Lux da cabeça. Ele se retirou antes que eu pudesse explicar qualquer coisa, mas seria bizarro um completo estranho explicando “não é o que você está pensando”. Não era como se Spes tivesse qualquer tipo de relação com Lux. Eles eram completos desconhecidos.
Claro que, na minha cabeça, sorrir para Sentinela Castrum parecia uma traição, só que eu não conseguia evitar. Tinha algo naquele homem que me deixava relaxado e suscetível aos flertes dele. Admito que pessoas gentis sempre foram meu fraco. Se uma pessoa me tratasse bem, eu me sentiria atraído mais por suas atitudes do que por sua beleza.
Fiquei tão envergonhado que corri para o banheiro para me arrumar para a cerimônia fúnebre. No espelho, vi o rosto corado de Spes e me senti ainda mais culpado. Se essa era a expressão que eu tinha enquanto Sentinela Castrum conversava comigo, Lux tinha toda razão em pensar que estávamos flertando!
Esfreguei as mãos no rosto tentando limpar todo aquele constrangimento. Me senti tão sujo que tomar banho não pareceu tão estranho como das outras vezes.
Eu não tinha interesse nenhum no Sentinela Castrum. Ele era o maior gostoso? Sim! Ele foi muito gentil comigo? Sim, também! Ele me olhava como se quisesse me devorar, e minhas pernas tremiam? Sim! Sim! Sim! Ele era a definição do termo Daddy! Certeza que ele faria muito sucesso no Grinder!
Mesmo assim, eu jamais deixaria aquele homem me tocar. Bem, talvez se fosse no meu corpo eu deixaria, afinal, transar com homem podre era uma das minhas especialidades... mas não enquanto eu estava no corpo de Spes!
Spes odiava Doutor Castelo! Ter qualquer tipo de intimidade com ele certamente estragaria a relação com Lux!
Se isso acontecesse, de que valeria salvar Pristine? Claro que provavelmente pouparia muitas vidas, faria diferença para toda uma sociedade e blá blá blá. Mas isso não aconteceria sem mim de qualquer jeito?
Quando Lux e Spes morreram, eles deixaram a revolução encaminhada para ser finalizada pelo casal secundário. Então, mesmo que Spes e Lux não ficassem juntos, salvar Pristine estava no destino deles.
Meu real objetivo aqui era entregar um final feliz aos protagonistas! Eles precisavam ser felizes! Salvar Pristine era só um meio para um fim!
Entrei embaixo do chuveiro pensando sobre o que era realmente a minha missão. Deixei a água quente lavar a minha vergonha enquanto tentava relaxar os músculos, mas minha cabeça não parava de martelar naquele assunto.
“Eu consigo garantir um final feliz para Spes estando no corpo dele? Eu serei capaz de fazer Lux se apaixonar por Spes enquanto estou no corpo dele?”
Parei o meu fluxo de lamúrias e senti um arrepio gelado na espinha, mesmo estando com a água quente jorrando sobre mim. Spes iria voltar? Eu peguei o corpo dele emprestado para salvar Pristine e depois teria que voltar para a minha realidade dura e cruel. Era assim que os isekais funcionavam, não é?
Depois que a missão é cumprida, o herói volta para a realidade. Ele acha que foi tudo um sonho, ou ele tava em coma o tempo todo... E se for o meu caso? Se isso aqui for um pesadelo e eu tô em coma depois de encher o cu de pizza?
Quando cheguei aqui, tudo me pareceu tão real que tive certeza de que eu havia transmigrado para Trilha de Lágrimas, mas e se for só meu subconsciente querendo me manter vivo?
Não tenho como saber se é apenas um sonho prestes a virar pesadelo, ou uma missão real. Só sei que farei o meu melhor para entregar um final feliz para Spes e Lux, mesmo que isso signifique que eu tenha que voltar para minha realidade.
Mas tinha uma pergunta que não saía da minha cabeça:
Será que Spes vai se apaixonar por Lux depois que eu partir?
Sinceramente, eu não queria voltar. Eu não tenho nada naquele lugar, sempre me senti deslocado da realidade. Pristine não é o ambiente ideal. O mundo aqui é muito mais perigoso, existem muitas restrições e o destino que espera Spes não é nada agradável. Mesmo não tendo as melhores condições, só em Pristine posso ver meus personagens favoritos de perto. Bem... não posso ver o Spes, mas posso senti-lo dentro de mim.
Por que eu tinha que transmigrar nesse corpo? Essa voz misteriosa não faz nada direito mesmo! Não me explicou porra nenhuma, me colocou no corpo de Spes ao invés de me trazer com o meu próprio. Era só me trazer e me dar uns poderes bacanas, poxa! Assim, eu podia ter salvado Ignis e Spes na cerimônia! E que ideia doida foi essa de me trazer bem no meio do fogo cruzado? Não podia ser uns anos antes, para que eu pudesse treinar com Ignis?
Senti uma dor aguda no meu cotovelo. Consegui me bater mais uma vez no registro do chuveiro! Eu ainda não estava acostumado a enxergar apenas com um olho, meus reflexos estavam limitados e eu sempre me batia nas coisas que estavam do meu lado direito.
— Eu tô é fodido!
Ainda estava me acostumando ao corpo de Spes que era menor que o meu. Ele certamente tinha mais músculos, afinal, ele treinava todos os dias desde muito novo, enquanto eu era apenas um cara sedentário com membros flácidos.
As diferenças não eram só na estatura e estrutura corporal. Os cabelos longos de Spes eram lindos e lhe proporcionavam um brilho encantador, mas o trabalho que isso dava não estava escrito no livro!
Ninguém me avisou que desembaraçar um cabelo dava tanto trabalho! E o processo para lavar? Eu nem sabia por onde começar! No banheiro tinham uns tubos de vidro, parecendo tubos de ensaio com líquidos gosmentos dentro. Eu descobri depois que o amarelo era o sabonete, mas os outros dois eu não sabia dizer qual era o shampoo e qual era o condicionador.
Se não fosse a enfermeira viciada em lutas, que me ajudou a identificar os produtos, eu jamais saberia qual era qual! Ela ainda me criticou por não usar hidratação, creme de pentear e reparador de pontas! Como eu poderia adivinhar que tinha tanta coisa assim? Passei uma vida inteira lavando cabelo só com shampoo 5 em 1 e meu cabelo ia muito bem, obrigado!
E essa nem era a parte mais estranha. Lavar as partes íntimas do corpo de outra pessoa era constrangedor. Senti como se eu estivesse violando o pobre do Spes, mas o que eu podia fazer? Eu precisava manter o corpo limpo e saudável para quando ele voltasse!
— Guia Spes? Está tudo bem? — a voz do Sentinela Castrum me tirou dos meus devaneios.
— Está sim, já estou saindo.
Espremi o cabelo o máximo que pude, mas ele continuou pingando, então tive que me secar pelo menos uma três vezes. Eu já estava cogitando cortar o cabelo de Spes! Como ele conseguia manter as madeixas sempre impecáveis no meio de um cenário tão caótico?
Claro que eu jamais cortaria o cabelo do meu cabeludo lindo. Era só uma revolta por ter tanto trabalho para cuidar de uma parte do corpo. Sem contar os incontáveis fios que encontrava na minha bunda toda vez que lavava o cabelo! Espero que a beleza estonteante desses fios platinados valha esse martírio.
Encarei o reflexo de Spes mais uma vez, tentando me acostumar que aquele era o meu reflexo agora. Meu olho direito estava opaco, enquanto o esquerdo era de um azul profundo. Coloquei o tapa olho, vesti as roupas vermelhas que Sentinela Castrum tinha separado para o funeral, e deixei esses pensamentos para um outro momento. Agora era hora de me despedir de Ignis e começar a investigar a Prioresa.
Revisão Ortográfica por: Isabella Viard

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