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sereno [PT-BR]

13

13

Aug 22, 2025

As gravações das câmeras de segurança da rodoviária chegam ao final da tarde, bem depois dos pais de Mikael. O casal dá voltas em círculos pelo pequeno escritório da delegacia, esperando uma liberação para falarem com o filho pelo telefone. Lisa ainda ficará mais uma noite em Sherbrooke com ele — a equipe local preferiu mantê-lo detido por mais algumas horas a fim de investigar alguns pontos de interesse particular a eles, e a major não se opôs à ideia de ter uma noite de sono pleno antes de voltar para casa.

A sensação geral parece ser que a ficha ainda não caiu. Mesmo após Lisa enviar uma foto do rapaz — retraído, mãos cruzadas no colo, cabelo desgrenhado, camiseta suja, porém são e salvo — não parece real. Nem os pais dele não demonstram acreditar por completo no resgate do filho deles, não até falarem com ele ao telefone. A mãe é bem breve em sua mensagem, para a surpresa de Gustave, enquanto o pai faz uma série de perguntas. Apenas uma leve gagueira o atrapalha, mas é compreensível.

E apesar de serem avisados de que não poderiam mais contatá-lo até o dia seguinte, eles não parecem prontos para voltar ao hotel. O francês da sra. Prater deu uma boa evoluída ao longo da semana, e, apesar de devagar, ela conduz uma conversa pouco interessante com o recepcionista da delegacia. Leclerc pergunta se seria pertinente avisarem outras testemunhas importantes — Christine, por exemplo, provavelmente gostaria de ouvir que o namorado não se matou por culpa dela. Entretanto, a conclusão coletiva é que devem esperar autorização explícita da chefia para fazê-lo.

Lisa, entretanto, está fora do ar, participando do interrogatório inicial de Mikael. Gustave acha que devem manter sigilo por hora, até porque quando ele chegar em Québec, todo mundo vai ficar sabendo do paradeiro dele. Notícias assim se espalham rápido, com ou sem a interferência das autoridades. Mesmo assim, seus colegas seguem debatendo quem, hipoteticamente, deveria ficar sabendo que o alemão foi encontrado. O assunto se prolonga até o final do turno — segue-os até o vestiário, a recepção, e rua abaixo, enquanto cada um dos policiais procura seu próprio rumo. Bouchard repete pela enésima vez a lista, contando nos dedos:

— Tem a namorada, os colegas de quarto…

— Acha que é mesmo uma boa ideia falar com eles?

— Eles moravam junto com o menino e expulsaram ele de casa. A culpa já teria me mandado pro hospital a essa altura. Deixa eu recomeçar, me perdi. A namorada, os colegas de quarto, os pais…

— Os pais já sabem. — Leclerc o interrompe. — Já falei que você tinha que contar a reitoria da faculdade, eles deveriam saber o quanto antes.

Esse é um dos poucos argumentos com o qual Gustave concorda, mas esse nível de contato não é da jurisdição deles.

— A professora dele! Ninguém falou nela. Ela ajudou tanto a gente, acho que seria justo.

— Pelo amor do céu, não é questão de ser justo. — O ruivo resmunga, se intrometendo na conversa. — Pela sua lista, seria mais fácil chamar logo a imprensa e fazer uma coletiva. É gente demais para priorizar.

— É que eu tô pensando em quem deu falta dele imediatamente, sabe? E quem foi importante para a investigação. — Isso não contrasta o argumento em ponto nenhum, mas ele deixa passar, na esperança de que Bouchard ficará satisfeito. É inútil, porque logo ele retoma a explicação: — No meu caso, por exemplo… Antes de tudo, vocês teriam que avisar minha mãe, minha mulher, minha ex…

— Sua ex?

O bom da Leclerc é que ela faz as perguntas que ninguém mais ousaria. A partir desse ponto, Gustave se resigna a apenas ouvir como essa lógica vai seguir se desenrolando.

— Ela é mãe da minha filha, ia perceber rápido. E também teria que avisar vocês.

— É verdade, né? Se algo acontecesse com um de nós, nossa equipe não poderia investigar nada.

— Ah, mas mesmo se a gente não fosse policial, se a gente trabalhasse juntos em alguma outra coisa… Eu ia, sim, dar falta se vocês não aparecessem um dia.

— Nem precisa se preocupar comigo, tá? Se alguma manhã eu não aparecer, vou deixar um bilhete falando para não me procurarem. Só se não tiver aviso nenhum que é para registrar boletim de ocorrência.

— Eu ia ficar desesperado do mesmo jeito, Marie.

Ela dá uma cotovelada brincalhona no braço dele.

— Se servir de consolo, eu também ia sentir sua falta.

— Se você sumisse no mundo, ou só se algo acontecesse comigo?

— Dos dois jeitos, besta, para de me pentelhar.

As risadas da dupla servem apenas para ressaltar o silêncio de Gustave. Ao menos, quando ele pensa novamente nesse momento mais tarde, é a única explicação que consegue arranjar para o impulso que Bouchard toma ao se virar para ele e perguntar:

— E você, Martin? Fala sério, hein. Se eu sumisse, você ia sentir minha falta?

Como é que alguém responde isso de uma maneira decente? Vindo de um grupo de adolescentes, já pareceria ridículo demais; de um homem adulto de quarenta anos e quase dois metros de altura, é impossível de levar a sério. Infelizmente, para o azar de Gustave, o olhar do tenente é tão sincero que fica difícil provocá-lo. Essa é sua saída de sempre, a maneira que adotou para lidar com colegas como Bouchard: gente que não sabe a diferença entre colegas de trabalho e amigos de verdade, ou que não vê problema em misturar os dois. Geralmente, basta uma barreira de poucas palavras e algum sarcasmo para fazê-los entender que isso não faz o gênero dele, mas existem exceções à tudo, né?

— Deixa ele em paz, Francis. — Leclerc sussurra, oferecendo um sorriso compadecido. Bouchard parece não ouvir, dado que continua o encarando, à espera de sua resposta.

— Ah… — Ele limpa a garganta, pensando nas palavras mais apropriadas. — Tanto quanto você sentiria de mim, acho.

É uma boa saída, joga toda a culpa da responsabilidade em quem fez a pergunta. Mais importante ainda, parece satisfazer o colega. Ele chega a passar um braço por cima dos ombros de Gustave, largando-se contra o ruivo com um amplo sorriso no rosto. Felizmente, ao contrário do que previu, ele não pergunta se sentiria falta da Leclerc, também, ou da Lisa, nem de mais ninguém. Pelo contrário: ele se volta para a sargento novamente, pedindo que ela liste quem acha que sentiria falta dela.

Por sorte, o trio chega ao carro de Gustave antes que ele precise passar pelo mesmo interrogatório. Tal como sempre, ele não demora em se despedir. Entretanto, ao dar partida no veículo, deixa o rádio tocar um pouquinho mais alto do que o normal.


Sendo realista, os primeiros seriam sim o pessoal da delegacia. São os colegas de trabalho dele, as únicas pessoas que ele vê todos os dias. Apesar dele estar há bem pouco tempo com a equipe, eles já devem ter percebido que Gustave não é o tipo de pessoa que se atrasa ou falta, ainda mais sem dar satisfações. Depois deles, fica bem mais difícil continuar a lista. Levaria alguns dias, talvez uma ou duas semanas, para o pai dele perceber que há algo de errado. Claro, essa estimativa é feita considerando que a polícia não o contatasse, ou que o rosto dele não parasse no jornal. Mas se fosse para ocorrer de maneira completamente espontânea, então, de fato, o velho não ia dar falta dele tão cedo.

Só fica mais complicado a partir daí. Lá em Montreal, não tem mais ninguém com quem mantenha contato frequente. Ao contrário de Bouchard, a ex-mulher dele não serviria nem como contato de emergência. E por aqui, cinco meses não foi tempo suficiente para fazer amizades relevantes. Os vizinhos também não ajudariam muito. Tem a senhora do primeiro andar que sempre o cumprimenta quando ele passa; oferece café quando ele está chegando da academia, e algumas vezes trouxe restos de lanches para ele. Mas ela faz isso com todo mundo do prédio, não? Todos os outros três moradores. É tão pouca gente que ficaria difícil não perceber se um deles desaparecesse da noite para o dia. Conseguir dar um depoimento substancial sobre ele é que seria o verdadeiro desafio. Será que eles lembram ao menos o nome dele?

O monólogo se estende pela sala e cozinha; banha-se com ele debaixo do chuveiro, reforça seu cobertor ao se deitar. É horrível ter que admitir, mas o tópico se agarrou na mente dele, e Gustave não consegue listar nem cinco pessoas que notariam um possível desaparecimento dele. É patético. Tanto este fato, quanto o jeito que ele está remoendo isso às dez da noite de um sábado, revirando-se na cama. O jantar foi qualquer coisa que tinha na geladeira, mal deu para registrar o gosto da comida. Não se deu ao trabalho de ligar a televisão, comeu assistindo reels. Foi direto para a cama depois de lavar a louça. Vai ter que trabalhar amanhã, seu típico dia de folga. Não dá nem para puxar o celular e procurar algo, ou alguém, que o distraia. 

Os únicos ruídos no cômodo vem do lado de fora da janela, do farfalhar das árvores e de um ou outro carro que passa em baixa velocidade. Os farois refletem no teto do quarto dele, ofuscando todas as outras luzes que vivem lá fora. Talvez ele devesse mover a cama para um canto mais escuro…

A pergunta surge num ímpeto, um pensamento que é calado assim que se forma: se o Theodore reparou quando eu me mudei para cá, será que ele perceberia se eu não estivesse mais aqui?

É tão ridículo que ele não se lembra da última vez que sentiu uma vergonha tão profunda quanto essa. Gustave precisa dormir o quanto antes, urgentemente. Sua próxima estratégia para facilitar o sono é soltar um assobio curto. Buddy atende ao chamado, correndo pela porta e subindo na cama do dono. Daqui a pouco não vai dar mais para dormirem juntos assim, mas esse é um problema futuro. Por hoje, o ruivo apenas faz carinho no dorso do cachorro, cuja reação é se espreguiçar e se ajeitar contra o colchão. Num sussurro, confessa:

— Vou te colocar na lista também. Se eu sumisse, quem ia cuidar de você?

Se a vida dele fosse um filme, essa seria a cena onde Buddy soltaria um latido antes de enchê-lo de lambidas no rosto. Mas como as coisas não funcionam bem assim, tudo o que Gustave recebe é um olhar confuso quando para de fazer cafuné nele. Ah, foda-se, funciona do mesmo jeito. Pelo menos é uma reação. Ajeitando-se de lado, pousa a mão próxima ao peito de Buddy, sentindo a respiração e as palpitações do bichinho. Observá-lo é com certeza melhor do que continuar encarando o teto.


A estratégia funciona com louvor, e é assim que Gustave consegue se manter mais ou menos apresentável na manhã seguinte, quando cumprimenta o representante de Sherbrooke que acompanhou a comitiva de Mikael Prater. Lisa, pelo outro lado, não parece ter ao menos uma fração dessa disposição.

— Força, Major, o pior já passou. — Murmura ao trocarem um aperto de mão. A coitada mal responde além de um aceno com a cabeça. Os dois serão liberados mais cedo, assim que os procedimentos principais forem resolvidos, mas… Por um instante, ele até considera oferecer carona à superior — e do jeito que ela está, é até capaz dela aceitar. Talvez ele tenha finalmente sido possuído pelo espírito coletivo de compaixão que está rondando a delegacia desde que Mikael foi encontrado. Vai entender…

Falando no alemão, é claro que ele é a causa de todos estarem reunidos. A essa altura, seria hipocrisia Gustave fingir que não está morto de curiosidade para vê-lo pessoalmente. O rapaz ainda está na viatura cercada pelo grupo que o acompanhou desde Sherbrooke. É difícil dizer se ele está prestes a saltar, se recusa a fazê-lo, ou se não o permitem. O burburinho que se forma entre a equipe nesse meio-tempo é inegável. Até Duchamp pediu para, caso possível, tirassem uma foto dele em segredo e lhe enviassem.

— Chega lá perto, Martin. — Bouchard tenta empurrá-lo. — Usa a sua autoridade.

— Já devolvi ela pra Major.

— Gente, faz silêncio! Não dá pra ouvir nada com vocês assim.

Enquanto não são chamados para fazer a guarda do rapaz, resta ao trio apenas a pior tentativa de espionagem da história. Quando a porta do carro finalmente é aberta minutos depois, Gustave chega a sentir dor pela vergonha alheia que sente pelos colegas, que nem tentam disfarçar sua animação. Leclerc chega a ficar na ponta dos pés para ver melhor o interior do veículo. É como se tivessem esquecido as próprias obrigações; Lisa precisa gritar para que se movam. Afinal, não são os únicos cativados pelo mistério: a comoção já atraiu um número de curiosos à portinha da delegacia, amontoados numa tentativa de flagrar a figura sendo escoltada para dentro do prédio. Os policiais se posicionam entre Mikael e o burburinho, carregando o rapaz numa correnteza apressada. Ele se deixa levar, e a maré apenas se dissolve após a porta da recepção estar muito bem trancada.

— Por aqui. — Lisa comanda, sem nem dar tempo para o alemão respirar um pouco. Gustave os acompanha corredor abaixo, mesmo sem ter sido explicitamente convidado. É melhor se intrometer e levar bronca depois do que aguentar todo aquele barulho invadindo a delegacia.

O caminho não é tão longo assim, mas é o suficiente para que o capitão estabeleça algumas primeiras impressões sobre o garoto. Ele é menor do que o esperado — não dá para ver o topo da cabeça, mas é preciso se curvar um pouco para observar o emaranhado que se formou no cabelo do rapaz. Lisa comentou que ele tomou um bom banho após o primeiro interrogatório, mas pelo visto vai levar um tempo para restaurar sua imagem por completo. Suas roupas parecem novas, de fato, mas a camiseta branca que traja parece ser um tamanho maior do que o necessário.

Ele não diz uma palavra durante todo o processo — a escolta, a caminhada, os comentários sobre como serão suas próximas horas, as orientações sobre onde se sentar e esperar. Até mesmo quando a major percebe a presença de Gustave e o apresenta a Mikael, ao invés de expulsá-lo, ele não se mostra um homem de muitas reações.

— Esse atrás de você é o Capitão Martin. Ele coordenou as buscas por mais informações sobre você.

Mikael apenas assente, a franja caindo sobre os olhos escuros. Não há palavras além de “exaustão” para descrever suas feições. Lábios rachados, pele ressecada ao ponto de parecer que irá irromper em feridas, olheiras profundas. Manchas de acne. Barba recém-feita. É estranho tentar explicar como apesar da aparência além de sua pouca idade, ele parece uma criança.

— Prazer. — Gustave estende a mão para um aperto.

Quando Mikael levanta o braço para retribuir, é possível perceber arranhões em sua pele. Ele o cumprimenta com força.

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[arte por @banancrumbs
atualização toda sexta-feira!

AVISO DE CONTEÚDO: Esta história contém menções à temas como vícios (álcool, drogas, jogos de azar), suicídio, homofobia e crises de saúde mental.
Caso necessário, os capítulos possuirão avisos parecidos com esse, de acordo com o conteúdo presente.
Se há mais algum assunto que você acredita que seja necessário inserir nos avisos, por favor, me informe!]
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