No encerramento daquela manhã, no último período, a professora Dutra me chama e também Mattew - Érico devo dizer que não esperava que fosse um professor tão bom! Não sei como reagir a esse elogio, que parece até uma ofensa de algum jeito. - Dá pra ver que os seus textos melhoraram bastante. A redação que você me entregou hoje é a prova, muito bem. Então continue estudando com o Érico. Ela devolve a redação à ele e sai da sala cantarolando, saindo junto com os outros alunos. Me aproximo de Mattew para ler sua redação, é engraçado, ele melhorou mas os textos estão cheios de correções em vermelho. Ele havia recebido um seis pelo texto. Fico preocupado com a possibilidade dele ter ficado chateado com a nota, depois de tanto esforço… acho que Dutra estava sendo sarcástica, afinal, sou péssimo, devo ser um péssimo professor, é culpa minha. -Seiss!!! Diz o garoto, levemente me assustando. -Muiito obrigado Érico. Os olhos dele brilhavam, estava empolgado, seus pés batiam no chão dando a impressão de que em algum momento começariam a dançar. - Foi a minha melhor nota de redação, não tinha tirado nada acima de quatro até agora, sério. Obrigado Érico! Por algum motivo ele gostava de repetir meu nome, era igualzinho a ele- corto o pensamento. A culpa foi subitamente substituída por um ar de alegria, eu aliviado e ele dançando alegre agora.
Me despeço de Mattew no portão da escola. Ele, entretanto, não vai embora e decide me acompanhar até a travessia da ponte, onde nos separamos. A maior parte do caminho foi um silêncio preenchido por "This Charming Man" , que não tinha saído da minha cabeça desde o fim de semana passado. A melodia só parou quando Mattew decidiu conversar. - Érico…(Ele dizendo meu nome de novo)... Eu sei que já te agradeci mas preciso agradecer de novo. -Fica tranquilo, eu só tô ajudando a professora Dutra e você me ajudou também. -Não é isso! Quero dizer, obrigado por ter me abraçado. Não sei como responder à isso e o silêncio volta a perdurar entre nós. Pelo menos era o que eu pensava. O inglês estava motivado em sustentar uma conversa comigo, tarefa difícil. -Eu quero que você saiba que todo tempo que passamos juntos é importante pra mim, mesmo pouco. Eu sempre fui sozinho, e quero que você sinta que não está também. Com aquela força assustadora, ele retribuí meu abraço, pressionando minha cabeça contra seu peito. -Tu precisa parar de se culpar tanto. Você merece o carinho alguém. Dessa vez sou eu quem choro, eu ,diferentemente dele, menos, mas choro. O calor, o cheiro de Mattew são intoxicantes. Em reação derreto, soltando todo meu peso, que carrego a muito tempo, o fardo de uma existência solitária. -Tu nunca foi culpado, o mundo é só cruel. O garoto continua a me consolar, porém, não é só a mim e, sim, ele , ao pequeno Mattew também. Nossos rostos se aproximam cada vez mais, sinto o calor da respiração dele tirar meu fôlego, o cheiro fica cada vez mais acentuado com poucos centímetros de distância. Sinto nossas faces ficando mais perto uma da outra, os braços fortes dele segurando os meus.
Ouço um barulho, de repente, nos afastamos. Bernardo olha para mim e acelera em sua bicicleta, me deixando sozinho com Mattew na ponte. Nervoso, corro e me despeço dele -Até amanhã! -Wait! Érico! Não consigo parar de correr, meu coração bate muito rápido, dói, dessa vez não é a costela. Flashbacks do garoto passam pela cabeça, tropeço, e já bem distante da ponte, me deito ofegante na calçada. O cheiro dele está gravado no meu moletom, as mãos como fantasmas agarrando ainda meus braços…O quê aconteceu? Eu não consigo entender. Porque ele age assim? Porque eu reajo assim?! É tudo tão confuso! Odeio esse cara! Ou talvez só odeie o quê ele causa em mim. Continuo deitado tentando recuperar a minha respiração, só consigo levantar depois de longos dez minutos.
Caminho mais um pouco, logo estou no pátio de casa, meu irmão ainda segurando sua bicicleta me aguarda. -Tu sabe que eu já sabia né? Não queria estar tendo aquela conversa, mas não ia escapar de novo. -Eu devia ter falado, mas não é o que tu pensa! -Olha, tu sempre vai ser meu irmão mais velho. Não importa o que aconteça. -Então relaxa, não vou te cobrar explicações só quero que tu saiba que te amo. As palavras dele dão um novo ar de maturidade que nunca tinha visto nele, meu irmão é quase um homem agora. Um homem de verdade. -Não vou falar nada pro pai, tá? -Tá, valeu maninho. Antes de entrar senti a vontade de brincar um pouco -Mas tá me devendo apresentar a minha cunhada, hein? -E quem disse que é cunhadA? Ele parece tranquilo. -Sabe, Érico, eu nunca me apaixonei por nenhuma guria ou guri, não o importa. Então não descarto as possibilidades. É, ele realmente cresceu, não é mais um piá ranhento que só fala de carros. Uso da minha altura para golpear seus joelhos, ele me agarra e então uma brincadeira saudável entre irmãos começa. Eu sei que vou perder, então, como mais velho, apito o fim da brincadeira - Parou, vai cair aí no chão. Nós rimos e entramos em casa.
Érico, um garoto gay e introspectivo, vive uma vida complicada em um cidade do interior do Rio Grande Do Sul. Se sente sufocado pela família e deslocado na escola, seu único refugio é criar histórias e fazer análises de mundo pessimistas. Em uma noite, decide escrever um personagem com tudo aquilo que mais despreza, secretamente inveja, mas e se ele não fosse só um personagem e ,sim, alguém real. Será que Érico ainda o odiaria? A resposta virá de forma turbulenta.
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