✧✦✧🌙✧✦✧

Aproximaram-se da residência em silêncio, porém, alertas, seus sentidos aguçados buscavam qualquer pista que pudesse lhes ser útil.

As janelas estavam fechadas e, mesmo forçando, a porta também não abriu. 

—Sra. Hu, a senhora está em casa? – Zhen Ming chamou, após bater algumas vezes. – Trouxemos alguns presentes, a senhora se incomodaria em nos deixar entrar? 

Não houve qualquer resposta do outro lado, fazendo com que a cultivadora suspirasse.

—O que fazemos agora?

—Vamos entrar. – Hongyu manteve sua expressão neutra, levantando a espada e rompendo a fechadura com um golpe forte.

Como havia imaginado, a casa estava totalmente no escuro, exceto agora pela luz do sol que vinha da porta. Tinha poucos cômodos, sendo uma sala ligada à cozinha e uma porta que provavelmente dava para o quarto onde dormiam. Tudo estava vazio, silencioso e até mesmo um tanto frio para uma casa que supostamente deveria ser habitada.

—Será que ela fugiu com as crianças? – A pequena viajante começou a divagar, olhando em cada espaço da residência. – Bom, não faria sentido né? Se ela tivesse fugido, não teria por que deixar uma barreira para trás.

—Silêncio. – Li Hongyu comandou, aproximando-se da porta do quarto e encostando a orelha na mesma. Zhen Ming a imitou e com a audição apurada pela energia espiritual, as duas conseguiram ouvir respirações e soluços do outro lado. – Eu vou abrir a porta, me ajude a separar a mulher das crianças, não quero que elas vejam a luta.

A menor concordou com a cabeça e mais uma vez assistiu a líder de seita usar a espada para abrir a porta, desta vez um pouco mais comedida, sem fazer qualquer barulho.

Do outro lado, encontraram uma mulher de estatura média, em posição de defesa, usando o corpo para tentar esconder as duas crianças atrás de si, um menino pequeno e uma menina mais velha, que se encolhiam no canto. Ela estava de cabelos soltos e bagunçados, suas vestes sujas e esfarrapadas e sua pele pálida, como se tivesse perdido todo o sangue do corpo.  No centro do peito, um buraco do tamanho de uma palma estava aberto, sendo ocupado por uma pequena criatura que Hongyu só havia visto em livros.

—Uma fada demoníaca. – Mesmo o tom de voz de Zhen Ming sendo quase inaudível, a mulher à frente soltou um grunhido alto.

—Meus filhos! Meus! – Ela jogou os braços para trás, tentando prender as crianças às suas costas.

Hongyu buscou em sua memória as informações que tinha sobre a criatura. A Fada Demoníaca era um tipo de fada de cultivo baixo, que se corrompia por desejos mundanos e sentimentos negativos. Ela se aproveita de pessoas fracas, doentes ou à beira da morte, para comer seus corações e criar raízes, tomando o controle do corpo do hospedeiro, como se este fosse uma marionete e utilizando-o para realizar seus desejos. A melhor forma de derrotá-la seria removê-la do hospedeiro.

—Nós viemos apenas para ajudar, Sra. Hu. – Zhen Ming tentou outra vez, recebendo um rosnado mais alto como resposta.

A líder da seita Li resolveu trocar de arma, guardando a espada na bainha e empunhando o chicote de três pontas. Pretendia prender a mulher e levá-la para fora da casa para que pudessem examiná-la e se livrar da fada. Porém, no instante em que viu os olhares suplicantes das crianças, ela hesitou. A fada demoníaca se aproveitou daquele mísero segundo para avançar com força, jogando Hongyu contra a porta, que ficou em pedaços. 

Hongyu não se abalou, lançando seu chicote, que conseguiu agarrar as duas pernas da mulher, fazendo-a cair no chão se debatendo. A mais alta não imaginava que aquela criatura pudesse ser tão forte, já que controlava um corpo morto, mas a fada se mostrou extremamente determinada, levantando-se num pulo enquanto tentava se livrar do chicote. 

—Vão embora! Minha família! Deixem em paz! – Mais gritos guturais e o choro das crianças se juntando aos sons que preenchiam a casa. 

Zhen Ming tentou avançar, pegando um punhal que carregava entre os seios, no entanto a líder de seita a impediu com o braço livre, indicando as crianças com um olhar. Não precisava pensar muito para entender que ela não queria machucar a mulher. Ao menos não na frente dos filhos.

Na tentativa de se soltar, a criatura arrebentou uma tábua do chão, usando para cortar o chicote. Quando percebeu que não daria certo, passou a utilizá-la como arma, tentando acertar a mão de Hongyu para fazê-la soltar a arma. O que também não funcionou. Com ainda mais ódio, a fada agarrou uma das colunas de madeira que servia de sustentação para a casa, arrancando-a.

Sem outra alternativa, Hongyu precisou sacar sua espada para se defender dos golpes, o que acabou causando ainda mais destruição na casa. O lugar era apertado demais para uma luta, a cada canto em que esbarravam, um novo alicerce era destruído. 

—Líder Li! Cuidado! 

O olhar da líder de seita era ágil. Ela viu a fada puxar o último alicerce que mantinha a casa em pé e em uma fração de segundos, largou o chicote e empurrou Zhen Ming, que estava próxima a porta, para fora, e, no momento seguinte se jogou sobre as crianças, utilizando energia espiritual para criar um escudo ao redor delas. 

A madeira caiu pesada em suas costas, mas não era como se Hongyu não tivesse recebido danos maiores em sua vida. Sentiu um filete de sangue quente escorrer por sua testa, mas não se incomodou com isso, preocupando-se apenas em garantir que as crianças não se machucassem. Se não fosse por elas, teria rasgado o monstro em pedaços na primeira oportunidade, mas não podia culpá-las, o hospedeiro era sua mãe afinal. E Hongyu jamais faria com que passassem por um trauma tão grande assim.

—Líder Li! Você está bem?!

A voz de Zhen Ming tirou-a de seu devaneio. Tentou se erguer, mas parecia presa, levaria algum tempo para sair dali e elas não tinham esse tempo, a fada demoníaca poderia fugir.

—Vá atrás dela! – Gritou em resposta, ouvindo a outra cultivadora saltar dali, sem contrariá-la, o que achou incomum. Imaginou que Zhen Ming insistiria em tirá-la debaixo dos destroços primeiro, o que seria um desperdício de esforço e tempo.

As crianças permaneciam encolhidas e tremendo embaixo de si. Não podia se mover com descuido, ou correria o risco de machucá-las. Forçou novamente as tábuas sobre suas costas, ainda assim não conseguiu se mexer. Então resolveu usar uma pequena explosão de energia espiritual, para afastar os destroços de cima e puxar os pequenos consigo para fora.

Após colocar as crianças em segurança no chão, Hongyu analisou-as em busca de machucados e ficou aliviada ao não encontrar nenhum. 

—Vocês estão bem? – Os dois concordaram com a cabeça, ainda com lágrimas escorrendo em seus rostos.

—Moça, você está sangrando. – A menina apontou para a testa da líder de seita, onde o sangue descia.

—É apenas um arranhão. Fiquem aqui, eu já volto. – Ela se levantou, percebendo Yahui se aproximar com mais duas discípulas. – Deixo as crianças com você.

A médica afirmou com a cabeça e então Hongyu seguiu o leve rastro de energia maligna que a fada havia deixado para trás. 

Assim que entrou na floresta, encontrou Zhen Ming segurando a mulher no chão, que se debatia na tentativa de se soltar. A fada enraizada no peito também se esticava, usando as garras para arranhar a cultivadora, certamente na tentativa de mudar de hospedeiro. 

—Zhen Ming! – Hongyu chamou e, com uma breve troca de olhares, as duas sincronizaram seus movimentos. Em um piscar de olhos Zhen Ming se afastou, ao mesmo tempo em que Hongyu balançou seu chicote, envolvendo a mulher no chão e imobilizando-a. Zhen Ming girou a adaga em suas mãos e atingiu a fada demoníaca em um golpe certeiro.

A criatura soltou um grito alto antes de explodir em uma nuvem de poeira. As duas cultivadoras observaram sem reação.

—Desculpa Líder Li, não pensei que isso fosse acontecer. – Zhen Ming encarou a mais alta com confusão em seu rosto. Hongyu também estava confusa com o que havia acontecido, mas não podia se deixar abalar.

—Não importa. Ao menos conseguimos detê-la. Já é o suficiente.

As duas seguiram em silêncio até próximo à casa destruída, onde Yahui cuidava das crianças, ajeitando suas roupas e limpando o que podia de seus rostos. Ao verem o corpo sem vida da mãe, os dois voltaram a chorar, correndo e se agarrando a ela.

—Eu sinto muito. – Foi tudo o que Hongyu conseguiu dizer. Ela abaixou a cabeça e permaneceu em silêncio, gesto que as demais ao redor imitaram. Apenas o choro das crianças e o farfalhar do vento podiam ser ouvidos naquele começo de tarde na fronteira com o bosque.

✧✦✧🌙✧✦✧