A brisa fresca do entardecer sopra preguiçosamente. Nem mesmo os galhos mais delicados das copas das árvores se dão ao trabalho de balançar ao seu ritmo. Ysá, exausta após mais um dia aquecendo a terra com suas asas de luz, desce serenamente ao solo para repousar em algum local oculto, permitindo que a noite caia sobre o Oásis.
O brilho esbranquiçado dos vaga-lumes percorre o céu azul-escuro, sendo sutilmente espelhado pelas águas calmas da lagoa. Mesmo longe do seu ápice, ela continua a nutrir o solo e a vegetação densa que cresce junto às margens.
Entre árvores e arbustos, uma velha jabuticabeira se sobressaí, ostentando seu tronco liso e longos galhos retorcidos, adornados até o topo com pequenos cachos de flores brancas que em breve amadurecerão em frutos.
Suas raízes, que crescem para baixo como estacas de madeira, formam fissuras na base da árvore. Em uma dessas fissuras, estabelece-se um humilde amontoado de terra parcialmente encoberto por folhas secas. Um formigueiro.
Por fora, ele pode não parecer grande coisa. Mas, por dentro, seu complexo sistema de túneis subterrâneos abriga as descendentes de uma civilização antiga que, muito antes de qualquer animal de sangue quente, aprendeu a cultivar o próprio alimento para sustentar seus habitantes e expandir suas fronteiras. As netas das primeiras fazendeiras. As formigas-cortadeiras do Reino de Aurora.
Nesta noite, a colônia dá as boas-vindas a uma nova geração de operárias que acabaram de eclodir de suas pupas.
Guiadas pelos instintos presentes em seus corpos desde que eram meras larvas indefesas, elas emergem prontas para trabalhar e lutar, dispensando qualquer tipo de orientação. Uma verdadeira dádiva da natureza para esses insetos que prezam, sobretudo, cooperação e eficiência.
Então, por que, em nome de Ysá, elas estão sendo forçadas a permanecer no berçário, ouvindo uma soldada veterana antipática recitar regra após regra sobre como devem se comportar?
É isso que uma das coletoras se pergunta enquanto balança as antenas inquietamente.
“… Obedeça à rainha.
Não saia da linha.
Não fale com selvagens.
Não patrulhe sozinha…”
“… Nosso trabalho, seja dentro ou fora desse formigueiro, é garantir a prosperidade do reino!”, exclama a veterana em sibilares ásperos, marchando diante da multidão de novatas amedrontadas. “Somos centenas, mas uma única formiga incompetente que não obedece suas superiores, não escuta, não segue as diretrizes da colônia e os feromônios da rainha, é mais que suficiente para comprometer toda uma operação! Esse tipo de comportamento não será tolerado, nem mesmo de vermes inexperientes como vocês!”
A jovem finge prestar atenção àquelas palavras, coçando a lateral da cabeça com uma das pernas dianteiras enquanto seus pequenos olhos negros perambulam pelo berçário.
A maioria das suas irmãs recém-emergidas são minúsculas. Formigas de mandíbulas fracas e pernas longas, feitas para trabalhar no interior do formigueiro como jardineiras e cuidadoras. Do tipo que não se importa de ficar debaixo da terra ouvindo baboseiras.
Mas ela? Ela não foi feita para isso. Uma coletora deve ir até a superfície. Patrulhar pelos ramos das árvores e pelos arbustos à procura de folhas. Mastigar, cortar e levar os pedaços de volta para casa, repetindo esse processo até se exaustar.
Ela olha para as demais integrantes de sua casta, imaginando se elas compartilham desse sentimento.
“… Operária trabalha, sem questionar.
O inimigo ela mata, sem recuar…”
“Vocês conseguem compreender?”, a veterana passa raspando a lateral do abdômen contra as pontas das antenas da coletora.
Um arrepio percorre os finos cabelos de seu corpo, ela rapidamente volta a se virar para frente. Talvez fosse o susto, ou uma culpa irracional por ignorar a irmã mais velha… Mas, por um instante, a jovem sente que não é seguro ficar nas primeiras fileiras.
Ela decide que é melhor se afastar alguns passos das outras coletoras e se esconder entre as poucas soldadas que se aglomeram perto das paredes de terra.
“E eu achando que as cuidadoras falavam demais”, murmura uma formiga tão grande quanto a veterana.
Longos espinhos projetam-se de seu tórax e suas mandíbulas são robustas e afiadas. Mas o exoesqueleto claro e sem cicatrizes denuncia sua inexperiência em combate.
“Né?”, as outras não respondem, e algumas até expressam irritação com o comentário, virando seus traseiros para ela e fazendo-se de surdas. “Caramba, isso é muita seriedade para um primeiro dia de trabalho…”
A coletora observa, sentindo-se mal pelo fato da soldada ter sido deixada falando sozinha, e se aproxima em um gaguejar tímido:
“Ela fala muito mesmo… E alto…”
“Hein?”, a soldada inspeciona os arredores com as antenas, demorando a perceber que quem a abordou não está na mesma altura de seus olhos, de modo que a outra operária precisa mordiscar uma de suas pernas para ser localizada. “Ora, quem é você? Você não parece uma soldada.”
“Isso é porque eu não sou.”
“Então, o que faz aqui? Não curte estar com formigas de sua própria casta?”
“Não é isso, eu só… Concordo com você, essa veterana fala demais, eu só queria poder sair e ir trabalhar de uma vez.”
A coletora gesticula em direção à mais velha, que agora dedicava partes de seu sermão às jardineiras e zeladoras. Algo sobre elas não poderem sair do formigueiro sem a devida permissão do exército.
Essas regras não são direcionadas especificamente à sua casta, mas, mesmo assim, ela não resiste ao impulso nervoso de pressionar as mandíbulas uma na outra. Por que haveria a necessidade de controlar a entrada e saída de operárias da colônia? Os rastros de feromônio não são suficientes?
Um pressentimento estranho a consome, mas qualquer linha de raciocínio que estivesse se formando em sua mente é subitamente interrompida pelas risadas da soldada.
“Hahaha, que beleza! Bom saber que pelo menos alguém concorda comigo!”
Ser barulhenta parece ser a norma entre essas formigas maiores, pensa a jovem, tentando deixar de lado sua inquietação para retomar a conversa.
“Então, uh… qual é o seu nome?”, ela pergunta, julgando ser melhor manter a casualidade.
“Meu… nome? Oh, eu ainda não escolhi.”
“Você ainda não tem um nome?”
“Nunca parei para pensar em um.”
“Mas e se alguém precisar te chamar durante uma patrulha? Ou perguntar por você pelos túneis?”, questiona a coletora, atônita.
“Sei lá, não me parecia importante, sabe? Você já tem um nome, por acaso?”
A Coletora acena com a cabeça e responde alegremente.
“Relva!”
Dizer o próprio nome em voz alta pela primeira vez na vida é muito gratificante. Sim, Relva! Relva, uma operária coletora do Reino de Aurora. É quem ela é e como quer ser conhecida.
“Relva, relva…”, a soldada repete algumas vezes. “É, parece um bom nome.”
Ela não tem a menor empolgação na voz, mas isso não impede Relva de encontrar uma brecha para justificar sua escolha como se fosse a coisa mais incrível do mundo.
“Escolhi esse nome quando uma das cuidadoras veio do exterior, ela trouxe tantos cheiros diferentes! Eu me lembro dela contando histórias sobre eles para mim e minhas irmãs. Relva, flores, pólen, madeira… Você não as ouvia?”
“Algumas, mas acho que caí no sono durante a maioria delas”, admite a soldada. “As cuidadoras não saem com muita frequência, não é? Acho que elas só conhecem os arredores da colônia e isso me entediava.”
“Mas ainda pode ser o suficiente para te ajudar! Você pode fazer como eu fiz e pensar em um cheiro que goste, que tal?”
Relva insiste, fazendo círculos em volta da formiga maior. Está claro que ela não a deixará em paz até que encontre uma identidade para chamar de sua.
“Tá bom, tá bom! Se isso é tão importante para você”, ela esfrega as antenas e arranha o chão do berçário com uma das pernas traseiras, como se isso fosse ajudar a fazer seu cérebro preguiçoso funcionar.
“Bem… Eu gosto do cheiro de… De…”
“Eu gosto do cheiro de flores.”
Uma resposta!
Mas não de quem Relva esperava.

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