— Espera senhor, me deixe ver sua passagem. — Miranda segurou o homem pelo braço, o homem relutando deu sua passagem para ela.
Miranda olhou a passagem e comparou com a dela, F-02 e P-01, Miranda olhou mais uma vez para a passagem e para o número da fileira e do banco, o homem estava realmente no banco errado.
— Senhor, eu sinto muito, mas seu banco é lá atrás! — Miranda entregou a passagem de volta para o homem, tentando manter sua voz gentil para não irritá-lo.
O homem olhou de volta para sua passagem, em um primeiro momento ele não sabia o que estava errado, mas após dar uma olhada minuciosa, ele percebeu que havia confundido a letra “F” com a “P”. Ele bufou e pediu desculpas se encaminhando para o assento correto.
A pessoa que estava este tempo todo ali, parada. Se sentou no local que o homem havia deixado.
— Ugh, me irrita muito ter que sentar no lugar dos outros… — Ela disse baixinho, suas sobrancelhas mostravam raiva e desconforto por parte dela.
Miranda olhou por um tempo para aquele rapaz, ela ficou intrigada com ele. Seu cabelo era rosa como algodão-doce mas ele tinha uma personalidade menos suave.
— Você sabe que se falar com as pessoas daquela forma é mais difícil ter o que quer, não é? — Miranda se virou para ele sorrindo descaradamente, ela claramente estava zoando com a cara do rapaz.
— Isso não é da sua conta… — A pessoa a olhou com um olhar austero, mostrando desprezo.
Miranda levou aquilo na brincadeira, para ela, aquele rapaz era alguém interessante e com personalidade forte. Na verdade, ela gostava até demais daquele tipo de pessoa, tanto que poderia ignorar qualquer coisa que fizessem.
— Mas você não é da Bahia, ou é? Seu cabelo é muito diferente e suas roupas… — Miranda tinha uma voz sedutora, mas que ainda mantinha um tom mais amigável.
— O que tem minhas roupas? — Ela a interrompeu, sua voz tinha um tom de irritação, como se ela tivesse tomado aquilo como uma afronta.
Miranda percebeu que aquela pessoa estava se irritando, ela apaziguou a situação e se desculpou.
— Me desculpa, mas não é nada de mal. É que… Eu nunca vi ninguém com roupas assim, são tão lindas! — Miranda sorriu como um solzinho em propaganda de protetor solar.
— Obrigada… — Seu rosto corado foi levemente para baixo, ela respondeu baixinho, sua voz quase não saiu de tanta vergonha que ela estava sentindo.
Miranda olhou para o rapaz intrigada, mas também bastante feliz que ele aceitou o elogio.
— Mas você não sente calor, não? — Ela perguntou de forma presunçosa.
A outra pessoa deu um pulo, um pouco surpresa com a pergunta, sim, ela de fato estava usando uma vestimenta de mangas longas mas ela não estava com calor.
— Eu entendo a sua pergunta, mas isso aqui é uma blusa feita de Musseline, um tecido muito utilizado na Arábia que é melhor do que roupas curtas para o calor, eles usavam esse tecido inclusive na China que… — Ela ficou em silêncio percebendo que já estava falando demais.
Miranda percebeu as bochechas do rapaz avermelhando, ela riu com toda a empolgação dele, para ela aquele cara era uma pedra que odiava a todos. Ela queria saber mais sobre o que ele gostava e sobre ele também.
— Pode continuar! — Miranda sorriu para aquela pessoa, seus olhos brilhavam em curiosidade e alegria.
As duas conversaram o resto da viagem inteira, Miranda contava sobre sua família e até se emocionou quando se lembrou do seu amigo. Enquanto isso a outra contava sobre a história da moda e os tipos de costura que as pessoas da idade média utilizavam.
Ambas ficaram bem amigas, parecia que elas tinham química e eram excelentes uma para a outra. O que era raro e quase improvável de acontecer. Talvez em outras circunstâncias elas nunca teriam se falado, foi realmente o destino.
O avião estava pronto para pousar, os passageiros já iam arrumando seus pertences para desembarcar. Miranda pegou sua coberta, tapa olho e suas demais coisas e colocou tudo dentro de sua bolsa. Ela olhou para o rapaz que parecia estar carregando apenas um fone e uma pequena bolsa.
— Você viaja bastante? — Ela perguntou intrigada com a falta de pertences do rapaz.
— O que?! Bem, é minha primeira vez viajando, quero dizer de avião, é claro. Eu já andei de ônibus e de barco também… — Ela parecia estar dando uma desculpa por ter quebrado um vaso de flor, seus olhos ficaram perdidos parecendo procurar uma resposta.
Miranda deu um leve sorriso, ela esperou que o rapaz arruma-se para que elas pudessem desembarcar.
— Está tudo pronto? — Miranda inclinou a cabeça para ver se nenhuma delas esqueceu de nada,
— Sim. — Ela acenou com a cabeça.
As duas saíram da aeronave e foram pegar as suas malas, Miranda caminhava muito mais rapidamente do que ela, parecia uma lebre indo a frente da tartaruga naquela fábula, sua animação era tão grande de finalmente estar no aeroporto de São Paulo, ela olhava para a o ambiente com curiosidade e esperança. Sim, esse era o local que ela queria ir.
São Paulo é o Estado e a cidade que as coisas acontecem, se há um show, uma feira ou até mesmo uma tendência, pode ter certeza que irá encontrar nesta cidade.
Miranda e a pessoa saíram do aeroporto, agora com suas malas, curiosamente a mala dessa outra era muito maior do que a de Miranda.
As ruas não se assemelhavam com as de Salvador, era tudo mais cinza, era tudo bastante diferente, mas as pessoas pareciam brilhar, como se a cidade fosse uma tela em branco e as pessoas a tinta.
— Então essa é São Paulo? — Miranda olhou para o outro lado da faixa, havia uma rotatória e vários carros passando por ela, a calçada era grande e padronizada, Miranda raramente presenciava um fluxo desse tamanho em plena terça-feira na rua em que seu restaurante fica. Ah, o restaurante, aquele lugar que Miranda cresceu e aprendeu suas habilidades. A saudade sempre vem, é inevitável. Mas ela deveria continuar olhando para frente.
— Você não vai andar? — Aquela de cabelo rosa perguntou enquanto cutucava a perna de Miranda com o pé.
— Ah sim, claro! — Miranda se assustou, ela começou a procurar o celular dentro da bolsa.
Aquela pessoa… Aquela pessoa, Miranda percebeu que não sabia o nome dele. Daquele rapaz de cabelo rosa, que tinha uma personalidade forte mas que também era extremamente reservado.
— Então, ééé. Qual é o seu nome? — Miranda sorria com suas bochechas extremamente vermelhas, ela ria como se tivesse sido pega.
— É Eryca. — Ela disse. — Me desculpe, eu não perguntei o seu também. — Ela ainda perguntava em um tom sério.
Miranda ficou incrédula, Eryca??? Esse rapaz se chamava Eryca? Não ela deve ter escutado errado, impossível ele ter um nome assim.
— Eryca? Com “a”? — Miranda perguntou, apenas para ter certeza de que não estava ficando louca.
— Sim, Eryca. Por que é tão difícil de entender? — Eryca cruzou os braços, não porque ela estava brava, mas sim impaciente.
Miranda franziu o cenho, dando uma olhada minuciosa em Eryca. Para ela, esse era um rapaz um pouco afeminado que ela encontrou no aeroporto, até suas roupas eram masculinas e ele não parecia ter nenhum traço de uma mulher.
— Mas você não é um homem? — Miranda perguntou.
Eryca ficou paralisada, essa pergunta já foi feita mais de cem vezes para ela mas não era algo que ela tinha facilidade em responder.
— Eu sou uma mulher. — Ela abaixou a cabeça, suas expressões demonstraram constrangimento .
Miranda ria alto, esse tempo todo pensou que estava falando com um rapaz, as pessoas em seu entorno começaram a cochichar pensando que ela era louca.
— Me desculpe, eu fiquei achando que você era um homem. — Miranda enxugava suas lágrimas que escorriam de forma a contornar seu rosto.
Eryca aceitou as desculpas dela ainda achando aquilo confuso, mas era algo comum, afinal ela não era alguém com muitos traços femininos e as pessoas constantemente chamavam ela de cara.
De certa forma, elas ficaram mais próximas depois dessa conversa.
As duas caminharam pela cidade em busca de um restaurante, Miranda sentia seu estômago roncar como se tivesse passado fome, o que nunca aconteceu. Eryca, ficava com uma expressão séria mas seus olhos permaneciam atentos, procurando por um lugar que elas pudessem comer, ela também estava com fome.
— Que tal ali? — Eryca puxou a blusa de Miranda apontando para um restaurante simples e antigo, mas com uma bela aparência.
Miranda olhou para o restaurante que possuía um aspecto antigo e com elementos adornais, era uma simples casa branca com grades pretas com pontas que pareciam flechas, nas janelas havia grades especiais que pareciam estar grávidas, lâmpadas em forma de prisma que pareciam estar em desuso a bastante tempo, o que fez ela imaginar como esse lugar era à noite.
— Claro! — Miranda pegou a mão de Eryca e começou a correr em direção do restaurante, o restaurante era do outro lado da rua com carros passando a todo momento como um trem bala de mais de cinquenta vagões, um pequeno detalhe que Miranda tinha desconsiderado.
— AAAAH! — Eryca gritou, sua voz parecia não chegar até Miranda.
— A GENTE NÃO PODIA TER ATRAVESSADO NA FAIXA? — Ela exclamava enquanto Miranda a puxava pela mão com tanta força que parecia que iria arrancá-la.
Finalmente as duas chegaram do outro lado, o que eram minutos pareciam horas, Eryca respirava fundo e suava frio, suas mãos tremiam, nunca havia passado por algo assim. Miranda não parecia tão cansada como ela, mas seu coração estava sim acelerado cheio de adrenalina, um pensamento de que elas teriam que voltar passou pela cabeça de Eryca.
— Bora? — Miranda caminhou até o portão do pequeno restaurante, era um portão com grades pretas, sua pintura parecia estar quase que fresca, haviam detalhes que mesmo simples davam uma sensação de conforto.
— Sim. — Eryca disse relutante, ela caminhou até Miranda com passos curtos e suaves, como um gato quando é chamado.
As duas entraram no restaurante, por dentro parecia mais moderno do que por fora, o que decepcionou um pouco Miranda.

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