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A testa de Zhen Ming queimava contra a pele do pescoço de Hongyu e a menor mal mantinha os olhos abertos, balbuciando palavras desconexas. A líder de seita atravessou os portões, chamando a atenção dos discípulos que treinavam no pátio, mas não parou por ali, seguiu diretamente pelo corredor até a ala médica. Os leitos estavam vazios e apenas duas ajudantes se encontravam no local.
—Chamem Yahui! – Hongyu gritou, pousando da espada com cuidado para não perturbar Zhen Ming ainda mais. Uma das meninas correu para fora enquanto a outra ficou para ajudar, preparando a cama mais próxima e auxiliando a líder de seita a deitar Zhen Ming sobre ela.
Hongyu lavou as mãos em uma bacia com água e limpou a ferida de Zhen Ming com um pano limpo, enquanto a ajudante colocava outra bacia próxima ao ferimento na perna. Ela entregou à Hongyu uma lâmina limpa e se afastou, cobrindo o rosto. A líder de seita fez um corte sobre a pele onde começava a ficar verde, o que fez com que o sangue preto e sujo vertesse do local, se derramando diretamente na bacia. Zhen Ming gritou semiconsciente, se debatendo na cama, mas Hongyu mantinha sua perna imóvel.
Yahui adentrou o local, já arregaçando as mangas de suas vestes e prendendo-as atrás do corpo.
—O que aconteceu? – Perguntou, recebendo uma máscara de tecido da ajudante e cobrindo o rosto.
—Ela quebrou a perna e está envenenada. Veneno de aranha demoníaca, uma quantidade muito maior do que o normal. – A líder da seita explicou, dando espaço para que a médica assumisse seu lugar, utilizando sua energia espiritual para avaliar a situação.
—Vamos prosseguir com a drenagem do veneno. – Ela chamou as duas assistentes com um movimento de cabeça. – Segurem ela, vai ser pior se ela continuar se mexendo. Ainda temos antídoto para esse veneno no estoque?
—Apenas um frasco.
—Pegue-o pra mim. Depois da drenagem, deve ser o suficiente para eliminar o que restar.
Hongyu apenas acenou com a cabeça, deixando o local ao som dos gritos dolorosos de Zhen Ming.
A líder da seita Li passou a tarde acompanhando os procedimentos médicos, auxiliando Yahui no que podia. Demorou algum tempo até que conseguissem estabilizar o estado de Zhen Ming, mas quando o sol começava a se por, sua perna já havia sido tratada, restando pouco veneno para seu corpo eliminar com a ajuda do antídoto.
—A febre dela ainda está bastante alta, mas o perigo maior já passou. – A médica da seita explicou, limpando as mãos em um pano úmido. Hongyu concordou em silêncio, puxando um banco para se sentar ao lado da cama. – Você vai ficar?
—Sim. Ela está assim por minha causa, o mínimo que posso fazer é cuidar dela até que acorde. – A líder de seita removeu a compressa da testa de Zhen Ming, mergulhando-a na bacia de água fria na cabeceira da cama, torcendo o excesso e colocando-a de volta.
—Hongyu... você não deve assumir essa culpa. Pelo o que me contou, ela entrou na sua frente por impulso. E mesmo que você fosse atingida, o veneno não ia ser um grande problema, já que tem alta resistência.
—Eu sei. Mas não quero ter a sensação de que estou devendo algo a ela.
—Certo, se é o que você decidiu, não vou insistir.
Hongyu apenas acenou positivamente, sem observar enquanto Yahui deixava o cômodo. A líder de seita permaneceu ali, alimentando Zhen Ming com água e remédio de tempos em tempos e trocando suas compressas.
—Frio... – Ouviu o murmurar baixo e rouco da cultivadora acamada. Hongyu puxou a coberta do leito ao lado, espalhando sobre o corpo de Zhen Ming. – Pa... papai... eu não consigo... não consigo encontrar...
—O que é que você tanto procura? – Hongyu indagou baixo, para si mesma. Ela tocou o pescoço de Zhen Ming com a ponta dos dedos, sentindo a pele ainda ardente e suspirou. Aquela seria uma noite longa.
Pela manhã do dia seguinte, a febre de Zhen Ming havia passado e ela tinha caído em um sono profundo. Yahui retornou à ala médica logo cedo, com uma bandeja de comida que foi posta ao lado de Hongyu.
—Você pode passar a noite sem dormir, mas não vou deixar que fique sem se alimentar. – A médica apertou seu ombro, incentivando-a a comer. – Trouxe um pouco de mingau de arroz para ela, mas precisa esfriar.
A líder de seita assentiu, passando a comer em silêncio enquanto Yahui avaliava o estado de saúde de Zhen Ming.
—A temperatura dela já está normal e não sinto mais a presença do veneno. – Ela limpou as mãos, voltando a cobrir a perna da menor. – Como foi durante a noite?
—Ela disse algumas coisas enquanto delirava de febre. – Hongyu bebeu um gole de chá antes de prosseguir. – Eu já desconfiava que ela não estava aqui apenas de passagem.
—O que ela disse?
—Chamou pelo pai e disse que não conseguiu encontrar o que procurava.
—Hm... – Yahui fitou Zhen Ming na cama, com um olhar intrigado.
—Por que uma pessoa que vivia isolada e resolveu sair para conhecer o mundo, atravessaria o deserto com tanta pressa? Sendo que, ao dar a volta, ela poderia ver muito mais?
—Realmente... Não é algo muito sensato para um simples viajante.
—Ela ter se estabelecido em Zheng Qi por quase um mês inteiro só me faz pensar que, o que quer que esteja procurando, deve estar aqui.
—Mas... o que pode ser?
—Só ela pode responder a essa pergunta. – Hongyu deixou a bandeja com as tigelas vazias de lado, reservando apenas a que continha o mingau de arroz. – De qualquer forma, vou ficar de olho nela.
A líder de seita observou um pouco confusa um sorriso brotar nos lábios de sua conselheira.
—Talvez essa situação tenha um lado positivo então. Com Zhen Ming machucada, repousando aqui na seita, não faltarão oportunidades para que possa se aproximar. – Yahui deu ênfase em deixar este serviço com a líder da seita, sem esconder suas segundas intenções. Hongyu bufou, revirando os olhos. – Vamos, vai ser bom pra você conhecer alguém de fora. E sei que a acha interessante, ou não estaria aqui, virando a noite e cuidando dela.
—Já disse, só não quero ficar devendo nada. – Hongyu virou o rosto, na tentativa de disfarçar as bochechas mudando de tom.
—Tudo bem, vou acreditar no que diz. – A médica ainda escondeu um sorrisinho por trás de sua manga, fazendo Hongyu revirar os olhos outra vez. – Bom, vou verificar como estão as crianças e depois supervisionar o treino de espadas.
—Certo. Peça a Li Quan para trazer os livros e pergaminhos que estão na minha mesa no escritório. Vou trabalhar enquanto fico de olho nela.
Yahui assentiu, atravessando a porta ainda com um sorriso no rosto.
No momento que Zhen Ming sentiu sua consciência voltar, ela sentiu também uma dor excruciante por todo o seu corpo. Sua cabeça estava a ponto de explodir e, por mais que tentasse, mal conseguia mexer os braços e pernas. Apertou os olhos e tentou abri-los, mas tudo o que conseguia ver eram borrões coloridos e disformes.
—Ela está acordando. – A voz conhecida da líder da seita Li parecia distante, como se Zhen Ming estivesse debaixo d’água, mas pelo borrão vermelho ao seu lado, a cultivadora poderia deduzir que Hongyu estava bem ali.
—Srta. Zhen? Consegue me ouvir? – A voz de Yahui soou um pouco mais nítida enquanto seus sentidos retornavam lentamente. Zhen Ming conseguiu mover a cabeça em um aceno positivo. – Como se sente?
—Muito mal... – Respondeu com a voz rouca, quase inaudível. Normalmente, Zhen Ming fingiria estar bem para não preocupar os demais, porém ela não tinha energia nem mesmo para disfarçar.
—Não é para menos. – Yahui comentou, com um toque de preocupação em sua voz. – Você deu muita sorte, Srta. Zhen. Veneno de aranha-escorpião não costuma ser forte, apenas causa uma paralisia por alguns minutos. Mas a quantidade injetada em você poderia tê-la matado, se não fosse a ação rápida de Hongyu. Você ainda vai sentir os efeitos colaterais por dois ou três dias.
—Ah, a Líder Li é minha salvadora! – Zhen Ming tentou brincar, mas logo o sorriso em seu rosto foi substituído por uma careta de dor.
—Aqui, beba isto. – Hongyu lhe alcançou uma xícara, encostando-a em seus lábios. Sua língua ainda estava um tanto dormente, no entanto, podia sentir o sabor amargo do remédio. – Você me salvou primeiro.
A cultivadora tossiu depois de beber todo o medicamento, recebendo de Hongyu um copo de água, que precisou da ajuda da Líder de Seita para segurar. Ela bebeu com calma, sentindo a garganta aliviar.
—Eu fui apenas imprudente. Tenho certeza que a Líder Li teria lidado com a situação sem qualquer problema mesmo sem a minha interferência.
—Então... por que entrou na frente? – Zhen Ming viu a confusão no rosto de Hongyu, sua visão já quase perfeita outra vez.
—Eu não sei... Meu corpo agiu sozinho, quando percebi, já estava ali. – Ela sorriu envergonhada e Hongyu suspirou.
—Bem, o que passou, passou. O importante é que você está viva e vai precisar de um tempo até se recuperar totalmente. Três dias para os efeitos do veneno passarem e cerca de um mês e meio para sua perna quebrada. – Instruiu Yahui.
—Ah... isso é bastante tempo.
—Não precisa se preocupar, a seita Li vai se responsabilizar pelo seu tratamento.
—Você pode ficar o tempo que for necessário. – A líder de seita deixou claro e Zhen Ming sorriu pequeno.
A cultivadora piscou algumas vezes, sentindo seus olhos pesarem. Não sabia se era pelo efeito do remédio ou apenas o cansaço de seu corpo.
—Você pode descansar mais um pouco.. – A médica sorriu e Zhen Ming assentiu, em concordância, não resistindo a se entregar ao sono.
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