Caminhávamos por uma floresta, havíamos saído da cidade há algum tempo.
- Para onde estamos indo? - Eu perguntei, não iria ser o único perdido por ali.
Ituh se virou para mim, nós dois estávamos um pouco mais atrás de Úrsula.
- Eu não sei! - Ela sussurrou em meu ouvido.
Eu bufei insatisfeito, mas continuei seguindo elas. Adrentamos mais e mais na floresta, Úrsula parecia conhecer bem aquele local ou era ingenua demais para se preocupar. A ruiva por outro lado parecia ser mais cuidadosa por onde caminhava, talvez esse era o desafortuno de ler sobre armadilhas terrestres ou algo assim.
De vez em quando, Ituh me encarava. Eu não fazia ideia do que ela queria, na verdade, hoje era o dia que eu tinha menos certeza de algo até agora.
- Takeru, você está com raiva? - Ituh se inclinou em minha direção, seus olhos que esbanjam curiosidade me encararam como se eu fosse um bicho.
- Não, eu estou bem de boa… - Eu olhei para ela de volta, pouco surpreso.
Ela parecia insatisfeita com a resposta, mas continuamos caminhando mesmo assim.
Depois de um tempo conseguimos ver algumas cabanas, eu digo cabanas, porque elas pareciam aquelas construções tribais. Na verdade, as roupas da Ursinhos Carinhosos era bem diferente das da Ituh.
- Papai! Mamãe! - Úrsula gritou acenando para um casal que também
tinha orelhas como ela. Os dois acenavam de volta sorrindo, sua mãe parecia bem mais forte e robusta que o pai, como aquela personagem de Uncharted 4. Espera, eu não deveria saber dessas coisas!
- Mãe, Pai. Esses aqui são o Takeru e a Ituh, eles são lá da cidade nobre. - Ela disse com um sorriso largo, extremamente empolgada.
- Na verdade… - Ituh disse com a voz baixa, mas logo foi interrompida.
- Muito prazer! Fazia tempo que nossa Ursinha não trazia visitantes para nossa aldeia! - Um homem alto e rechonchudo cumprimentava Ituh com as duas mãos, ele sim parecia o típico Zé Colmeia.
Ituh quase não conseguia ficar em pé sendo puxada para cima e para baixo, ele finalmente a soltou e continuou a dizer que estava muito feliz.
A mãe de Úrsula parecia mais reservada, ela tinha os braços cruzados e sorria levemente, havia uma cicatriz em seu rosto.
- Takeru, Ituh! O que acham de ficarem aqui esta noite para jantar? - Úrsula sugeriu esperando que concordássemos.
- Claro! Vai ser uma boa provar da comida dos ursídeos. - Ituh sorriu inclinando sua cabeça.
- Ah, sim. Claro, ursídeos… Até porque a gente tem escolha, né. - Eu cruzei os braços, se Úrsula quisesse ela poderia nos deixar presos ou nos caçar no meio da floresta.
Elas pareciam felizes com a resposta, algo completamente diferente do que eu esperava.
Ficamos aprendendo algumas coisas sobre como os antropomorfistas de ursos viviam, Ituh parecia bem mais interessada do que qualquer pessoa. Aparentemente eles tem os mesmos hábitos que ursos comuns e são uns dos poucos com sangue animal que ainda vivem em tribos.
- É verdade que vocês hibernam? - Ituh perguntou, ela já fez perguntas do tipo diversas vezes, anotando tudo em um bloco de notas.
- Sim! Nós hibernamos como os ursos, por isso é comum que compremos alimentos que não estraguem rápido antes do inverno. - Úrsula mesmo assim respondia toda pergunta.
- Uau! E é verdade que ursos são ótimos militares? - Ituh fez mais uma pergunta.
- E o que tem a ver? - Eu me virei para Ituh, confuso. Confesso que fiquei um pouco curioso.
- Bem, é que tem muitos relatos de ursídeos que participam de exércitos ou que trabalham em locais onde é necessária força combativa. - Ituh explicou, ela parecia entender bem do assunto. Talvez por isso ela fazia aquela quantidade de perguntas.
Úrsula esperou um pouco para responder, ela parecia estar pensando na melhor resposta.
- Bem, é verdade que a maioria dos trabalhos envolvendo o nosso povo tem a ver com combates militares. Mas eu não sei se somos os melhores para o cargo, quero dizer, é algo mais cultural do que habilidade… - Úrsula abanava as mãos como se tentasse parecer mais humilde, mas olhando pelos arredores, a maioria deles ou parecia que tinha esfaqueado alguém ou aguentava bem uma porradaria.
Ituh continuou perguntando mais e mais sobre o corpo dos meio-ursos, ela parecia querer entender como tal criatura pudesse ter os mesmos hábitos que um urso e viver em sociedade tranquilamente.
- Querida, vamos comer. - A mãe de Úrsula se aproximou de nós, seu pai acenava de dentro da casa usando um avental rosado.
Eu não tinha percebido mas a noite já havia chegado, eu olhei para cima, o céu estava bonito hoje. Será que ela gostaria de ver as estrelas mais uma vez?
- O que foi? Vai me dizer que nunca ficou encarando as estrelas e fazendo pedidos?
- Nunca, isso é coisa que se faz?
- Sim! Minha família fazia todo fim de ano, aliás você nunca me falou da sua. Como era seu pai?
Eu sinto algo me chacoalhando fortemente, eram mãos que me tocavam mas eram peludas e ásperas diferentes das mãos da mulher que eu estava.
- Takeru! Vamos! - Úrsula me sacudia e me empurrava.
Ituh ficava me olhando de canto, ela fuçava em seu pulso e suas mãos tremiam um pouco.
- Takeru, você está bem? Você não se movia e parecia que estava em transe agora a pouco. - Ituh disse com uma voz tremula.
- Eu nunca estive melhor. Vamos comer. - Eu me levantei e caminhei até a porta da casa da Úrsula, as duas me acompanharam mas pareciam ainda assim estarem um pouco apreensivas com alguma coisa, talvez eu parecesse um noiado perdido em pensamentos.
- Por favor sentem-se e se sirvam a vontade. - O homem alto puxava uma cadeira, todos se sentaram.
Era… Digamos que interessante, parecia um pão com algo vermelho. Eu sou horrível para descrever comidas, mas digamos que isso seria o resultado de juntar um bolo de carne e um panetone.
- O que é pra ser isso? - Eu sussurrei para Úrsula, ela me respondeu com uma expressão confusa.
- É um bolo de carne com frutas, o que mais seria? - Ela me respondeu com o mesmo tom de antes.
Eu olhei para o bolo de carne com frutas e cara, como aquilo me enojava…
Depois que terminamos o bolo ficamos sentados conversando sobre diversos assuntos, os pais de Úrsula eram bem gentis e pareciam que se davam bem com ela. Ituh parecia se divertir perguntando sobre coisas que qualquer um sentiria vergonha, tipo “qual é a sua rotina de higiene?” ou “os pelos te incomodam na hora de ir no banheiro?”. Eu por outro lado fiquei em silencio, não havia nada que eu quisesse perguntar ou fazer.
- Ah, o Takeru sabe muito bem disso! - Ituh disse em um tom amigável, meu nome sendo chamado assim de graça.
- O que tem eu? - Eu perguntei, obviamente não iria ficar sem saber do que se tratava comigo.
- A gente tava falando sobre como os caminhos da cidade nobre são difíceis, tanto que estrangeiros sempre se perdem… - Ela continuou explicando e relatando nosso acontecimento.
- É mas você também se perdeu. - Eu franzi o cenho.
- Ah! É verdade. - Ela bateu na própria testa e começou a rir, o riso dela era contagiante, todos começaram a rir, inclusive eu.
A conversa estava boa mas precisávamos ir, estava tarde. Ituh levantou-se de seu lugar para irmos embora.
- Obrigada por toda a hospitalidade mas eu ainda preciso comprar roupas novas para Takeru. - Ela falou como se eu fosse um pet de madame. Acho meio estúpido que eu seja o que precisa de cuidados.
Mas algo mudou, as expressões deles que antes eram mais alegres ficaram sombrias. Tinha algo extremamente errado. De repente, o pai de Úrsula se levantou e segurou no ombro de Ituh, eu consegui escutar a clavícula dela se movendo, o que era bem bizarro e eu nem sabia que era possível.

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