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Li Hongyu havia deixado a cama antes mesmo de o sol começar a brilhar no horizonte. Estava em seu escritório, cercada pelas anotações feitas nos últimos dias e uma pilha de livros, analisando um a um minuciosamente. Além disso, havia uma segunda pilha, com relatórios dos discípulos da seita, solicitações dos moradores da vila e, bem embaixo de tudo, algumas cartas do conselho de anciões. Precisava terminar tudo aquilo ainda pela manhã, para poder supervisionar os treinos da tarde e fazer uma nova investigação na floresta no começo da noite.

—A-Fang, posso entrar? – A voz suave de Yahui soou atrás da porta, após duas leves batidas. 

—Sim – Respondeu, sem tirar os olhos dos papeis.

A porta se abriu e Yahui entrou, com uma bandeja nas mãos. Sobre a mesma, havia uma chaleira de porcelana delicadamente decorada e uma refeição rica e variada. A líder da seita suspirou, sentindo-se derrotada em uma batalha que nem mesmo havia lutado, separando um espaço em sua mesa, onde a amiga deixou a bandeja. Quando estava sobrecarregada – o que acontecia com mais frequência do que gostaria de admitir – a líder da seita Lí por muitas vezes esquecia de comer. O que não seria um problema se pudesse praticar inédia.

—Imaginei que a encontraria trancada aqui, sem ter se alimentado direito... como de costume.

Yahui serviu o chá, sem mudar sua expressão e, apesar do tom suave, Hongyu sabia que aquelas palavras eram mais uma bronca para a lista. Decidiu apenas pegar a tigela de mingau de arroz com legumes e comer em silêncio. Havia uma tigela com sopa de peixe e outra com uma salada de vegetais e frutas.

A médica sorriu, já acostumada com a situação. Sentou-se de frente para a outra e passou os olhos sobre os papeis empilhados.

—Sei que já te disse isso muitas vezes, mas você devia delegar mais trabalho aos nossos membros. – Ela colocou alguns relatórios ao lado, como se estivesse fazendo uma pilha de descarte. – Poderíamos filtrar uma parte e lhe trazer só o que realmente importa.

—Eu sei. – Respondeu, tendo limpado a tigela de arroz e de vegetais, deixando as frutas de lado. – Mas preciso fazer isso eu mesma, pelo menos até descobrir com o que estamos lidando. Qualquer informação, por mais irrelevante que pareça, pode ser uma peça chave para as respostas que procuro. 

Yahui concordou e retornou o que havia separado ao seu devido lugar, não deixando de se preocupar com o excesso de trabalho de sua líder, mas sabendo que ela estava certa desta vez.

Seus olhos curiosos, porém, pousaram sobre uma folha desenhada que estava meio pra fora da pilha. O círculo no centro da folha estava um pouco tremido, mas a imagem era reconhecível.

—Este selo foi desenhado por Zhen Ming, não foi? – A líder de seita levantou uma sobrancelha, em questionamento. – Ela também estava estudando isso quando fui levar a refeição. 

—Sim, consegui algumas respostas com a ajuda dela, mas… – Hongyu suspirou – Ela parece saber mais do que está me contando.

—Hm.

—Não sei se mantê-la na seita é uma boa ideia. – Ela subiu a mão até o pingente de rubi, apertando-o.

—Sabe o que dizem A-Fang? – Yahui estendeu a mão para si e Hongyu a aceitou. – Precisamos manter nossos amigos próximos… e os inimigos mais próximos ainda. – A médica apertou sua mão e o gesto pareceu aliviar um pouco da tensão que Hongyu vinha carregando. – Não estou dizendo que Zhen Ming seja uma inimiga em potencial, mas mantê-la por perto será melhor para que possamos ficar de olho nela. Quem sabe com a proximidade ela finalmente revele o que está escondendo?

—Você tem razão. 

Yahui sorriu para si e apertou sua mão mais uma vez antes de soltá-la. Ela recolheu as tigelas, agora, vazias e se levantou.

—Vou deixá-la trabalhar em paz. Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.

A líder de seita assentiu retornando às suas anotações assim que Yahui deixou a sala.

Cumprindo com seu planejamento, ao fim do dia Li Hongyu seguiu para a clareira na floresta. O local estava exatamente do mesmo jeito: silencioso e frio. O vento gelado trouxe um arrepio em sua espinha junto com as lembranças conturbadas do passado.

A líder de seita sacudiu a cabeça e deu um passo à frente. Mais uma vez o chão brilhou sob seus pés, o desenho da matriz restritiva se revelando. Por que isso só acontecia com ela? O que ela tinha de diferente que fazia com que a matriz reagisse? E mais importante: O que essa matriz estava mantendo selado?

Ela se sentou no chão e puxou o caderno de anotações de um bolso, relendo cada linha na tentativa de conectar algo, encontrar alguma pista ou resposta, mas era simplesmente como se o caderno ainda estivesse em branco.

Não existia a possibilidade de alguém ter colocado essa matriz durante sua gestão, sendo ela uma líder bastante rigorosa com as patrulhas e com a entrada e saída de pessoas estranhas nos domínios da Seita Li. Sua maior desconfiança era que o selo estivesse naquele local desde antes da fundação da seita, talvez nem mesmo o fundador soubesse da existência daquilo, pois não haviam quaisquer registros ou escrituras referentes a uma criatura aprisionada na floresta ou a uma matriz restritiva tão complexa.

Sem ter outra alternativa, Hongyu fechou os olhos e se concentrou, deixando as memórias dolorosas voltarem à mente. Aquele local era exatamente onde seu pai havia morrido, bem diante de seus olhos, num ataque brutal de uma criatura demoníaca. 

O ataque de anos atrás tinha alguma ligação com essa matriz? Hongyu desconfiava que sim, mas não tinha nenhuma evidência disso. Mesmo se forçando a reviver um dos piores momentos de sua vida, nada parecia se conectar.

—Eu não vou falhar. – Sua voz saiu baixa e sua mão direita alcançou a espada em sua cintura, apertando a guarda. – Eu prometi que não falharia e vou cumprir minha promessa custe o que custar.

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