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—En, Jiejie…– Ouviu Zhen Ming lhe chamar.
Estavam mais uma vez no escritório da líder de seita, rodeadas por livros e pergaminhos. A tarefa era tediosa e, por mais que tentasse se concentrar, Hongyu já estava mais do que inquieta por permanecer de mãos atadas enquanto o perigo estava lá fora.
Encarou a menor com uma sobrancelha arqueada, já aguardando alguma provocação. Observou-a, no entanto, lhe passar uma folha com alguns desenhos e anotações novas.
—Descobri algo interessante nos livros novos que encomendou.
A líder de seita analisou as anotações de Zhen Ming com cuidado. Detalhes sobre a matriz restritiva, do que precisava e como funcionava estavam ali descritos. Não era um selo permanente, porém, se fosse erguida corretamente, poderia durar por séculos.
—Aqui diz que a duração do selo vai depender da escolha da pessoa que invocou a matriz e da quantidade de energia espiritual que foi utilizada – A cultivadora mais nova indicou o trecho do livro que havia marcado, logo abaixo havia uma ilustração exatamente igual ao desenho na clareira – essa, pode durar até cinco séculos.
Cinco séculos… Hongyu pensou, lembrando-se das palavras de sua irmã e também da data de fundação da Seita Li.
—Estamos quase sem tempo – Murmurou, ainda tentando buscar uma solução, sua mão indo direto para o pingente em seu pescoço.
—Como assim sem tempo?
—No outro dia, quando minha irmã veio aqui, nós conversamos sobre a matriz. Talvez ela tenha sido invocada mais ou menos na época da fundação da seita. E a Seita Li completa cinco séculos na próxima primavera.
—Hm… E o que vamos fazer?
—Eu… não sei ainda – Hongyu esfregou o rosto com força. O peso em seus ombros parecia aumentar cada vez mais.
Zhen Ming resolveu então se levantar, esticando o corpo. Alguns dias haviam se passado desde a situação com as propostas de casamento e nesse meio tempo Zhen Ming já tinha se livrado da tala que imobilizava sua perna. Ainda não podia forçá-la e precisava da ajuda da muleta para se locomover sem prejudicar sua recuperação. Com isso, não podia acompanhar Hongyu em suas expedições para monitorar o selo da floresta, mas já tinha condições de fazer breves caminhadas nos arredores da seita. Ela estendeu a mão em direção a Líder da Seita.
—Bom, ainda temos algum tempo para pensar nisso, o outono começou agora! O que acha de fazer uma pausa? Vai ser bom esfriar a cabeça um pouco!
—Pode ir. – A mais velha respondeu, pegando o livro que antes estava com Zhen Ming.
—Vamos Jiejie, não tem graça sem você! – Zhen Ming insistiu com um sorriso. – Descansar também faz parte do trabalho, sabia? Com a mente descansada é capaz de encontrar uma solução mais rápido.
O olhar pedinte e o sorriso brilhante de Zhen Ming eram como uma arma, que de algum jeito conseguiam atravessar a espessa barreira de rigidez e autodisciplina de Hongyu. A líder de seita sentiu o rosto esquentar e o coração errar uma batida. Não queria ceder, de jeito nenhum, mas o beicinho da mais nova, em um último ato de súplica, a fez simplesmente desistir de se segurar e aceitar a mão estendida.
Deixaram o escritório e seguiram pelo corredor, lado a lado. Hongyu com a postura ereta e as mãos nas costas e Zhen Ming apoiada em sua muleta. Não tinham exatamente um destino, a cultivadora mais nova havia sugerido o passeio para que pudessem renovar um pouco as energias e respirar ar puro, mas não tinha pensado em um lugar para irem.
Caminharam pela seita por algum tempo, até saírem dos pavilhões e chegarem ao campo que ficava atrás das construções. Uma pequena colina sustentava um enorme pessegueiro à distância e o campo que, outrora era verde, estava coberto de flores vermelhas, formando um tapete carmesim vibrante.
—Que lindo! – Zhen Ming comentou estupefata, com os olhos cheios pela paisagem. – São as flores da sua seita?
—Sim. Não havia vindo aqui antes? – Hongyu viu a menor negar.
As Flores de Seda eram o símbolo da Seita Li, estavam bordadas e estampadas nos uniformes e estandartes, por isso era fácil para Zhen Ming reconhecê-las. A mais velha achou adorável o quanto a mais nova parecia empolgada, apesar de não querer admitir nem para si mesma. Tentou empurrar aquele sentimento quente para o fundo de seu peito e por um momento teve uma ideia.
Seus olhos se arregalaram com o próprio pensamento. Não era o tipo de coisa que faria, porém, se sentia extremamente tentada a colocá-lo em prática. Seria uma boa forma de retrucar as provocações da mais nova.
—Jiejie, o que acha de nos sentarmos debaixo do pessegueiro? – Indagou, já inclinando o corpo em direção às flores, no entanto Hongyu lhe impediu.
—Eu não faria isso, se fosse você. – Ditou, com uma expressão séria.
—Por quê? – O olhar confuso de Zhen Ming lhe fez sorrir internamente.
—As flores são o nosso último recurso de proteção. Elas são venenosas, os espinhos furam a pele e injetam o veneno. Não é nada fatal em pequena quantidade, mas atravessar o campo inteiro a pé com certeza não será bom para a sua saúde. – Explicou com tanta veracidade, que seria impossível Zhen Ming duvidar. O que dizia não era totalmente mentira, as flores tinham mesmo veneno em seus espinhos, mas estes eram tão curtos que a própria roupa já as protegeria o suficiente.
—Oh, não podia imaginar! – Ainda mais surpresa, a menor encontrou duas meninas colhendo algumas flores. – E elas?
—Os discípulos que cuidam do cultivo aprendem uma técnica especial de manuseio, para não se intoxicarem.
—E a Jiejie? Parece gostar tanto das flores, sabe manuseá-las também?
—Eu cresci no meio desses campos, não preciso me preocupar com isso. Meu sangue se tornou mais venenoso que elas.
Um enorme “o” surgiu nos lábios de Zhen Ming, mas não permaneceu por muito tempo, sendo substituído por um sorriso de canto, recheado de insinuações. Ela aproximou-se da mais velha perigosamente.
—Você é mesmo incrível Jiejie! Nem mesmo o veneno te vence.
—Você não tem medo? – Hongyu rebateu, sem mudar sua expressão, mas esforçando-se para controlar as batidas cada vez mais rápidas em seu peito. Nem mesmo aquilo faria Zhen Ming se afastar? Viu-a negar com a cabeça.
—Não me importaria nem um pouco de ser envenenada por você.
A proximidade e o tom no qual aquilo foi dito fez a mais velha se arrepiar inteira. Seu plano havia virado contra si e não poderia culpar ninguém além de si mesma. Bufou irritada, afastando-a com um leve empurrão.
—Você não tem vergonha?
Recebeu uma risada baixa como resposta, tendo Zhen Ming a agarrar-se em seu braço.
—A Jiejie poderia me levar nas costas até o outro lado, por favor? Podemos descansar um pouquinho e prometo ficar acordada até tarde te ajudando na pesquisa.
Novamente aquele olhar grande e estrelado e o biquinho em súplica fizeram a líder de seita perder ainda mais a compostura, bufando pela segunda vez seguida. Sem dizer nada, colocou Zhen Ming nas costas e atravessou o tapete vermelho. Havia aprendido sua lição, precisava agora lidar com as consequências de seus atos.
Elas se sentaram sob a sombra do pessegueiro, Li Hongyu com sua postura sempre ereta e Zhen Ming completamente relaxada, encostando-se no tronco da árvore para descansar. A menor observava com brilho nos olhos os frutos que começavam a amadurecer, em tons de rosa e amarelo, trazendo um aroma fresco e suave.
A líder de seita não podia deixar de notar como o rosto dela havia se tornado mais sereno, como se estivesse em paz.
—Sentar aqui me fez lembrar de uma canção, a Jiejie gostaria de ouvir?
Hongyu apenas concordou com a cabeça e viu Zhen Ming fechar os olhos, deixando sua voz soar doce e melodiosa. Mesmo sem a companhia de um instrumento, a música era linda e repleta de emoção, fazendo com que o peito de Hongyu transbordasse de calor. Quando percebeu, já havia relaxado sua postura e se encostado ao lado da menor, os ombros se tocando.
Mesmo quando a canção acabou, as duas permaneceram em silêncio por um tempo.
—Essa música é sobre você, não é? – Indagou a mais velha quando a falta de palavras passou a incomodar. Zhen Ming abriu os olhos, encarando-a com suas grandes íris escuras que, naquele momento, pareciam distantes.
—Hm. Como adivinhou? – Suas bochechas ganharam um leve tom avermelhado, que Hongyu não deixou passar batido.
—Você parece diferente cantando ela.
Zhen Ming apenas riu tímida com as palavras simples. Ela tornou a olhar para cima, o preto de suas íris refletindo as cores do pessegueiro e o azul do céu.
—Eu e minha irmã fomos abandonadas debaixo de um pessegueiro quando eu ainda era apenas um bebê. Minha irmã diz que nosso pai nos agredia, então um dia nossa mãe resolveu fugir, porém seria difícil fazer isso com duas crianças pequenas. Ela nos levou até o outro lado da cidade e nos deixou ali, prometendo que voltaria, mas nunca voltou. Ficamos naquele lugar por alguns dias e segundo minha irmã, só sobrevivemos por conta do pessegueiro que estava cheio de frutos. – Ela cutucou o ombro de Hongyu com o cotovelo – Hoje em dia ela passa mal só de sentir o cheiro de pêssegos, mas eu ainda os adoro! – com um suspiro e um pequeno sorriso, ela continuou a história – Depois de sobreviver de pêssegos por dias e quase desmaiar de fome, um velho imortal nos encontrou. Ele nos adotou e nos criou, ensinou tudo o que sabemos sobre o mundo, sobre o cultivo e sobre servir ao bem das pessoas. – Zhen Ming levou a mão ao braço, apertando exatamente onde ficava seu bracelete. O artefato mágico se soltou e escorregou por sua manga, então mostrou-o a Hongyu. – Apesar de ser um imortal, ele foi amaldiçoado. Antes de morrer ele me entregou esse bracelete, disse que ele guiaria o meu caminho… e aqui estou!
A líder de seita estendeu a mão, num pedido mudo para pegar o objeto, que Zhen Ming entregou sem hesitar. O bracelete era simples, feito em prata com entalhes cursivos elegantes e uma pedra transparente que cintilava em todas as cores. Uma leve camada de energia espiritual emanava da jóia e Hongyu podia senti-la fluindo pelas pontas de seus dedos, fria e quente ao mesmo tempo.
—É com isso que você chega nos monstros antes de todo mundo?
—Digamos que sim. Ele funciona como uma Bússola Demoníaca, mas consegue detectar a menor oscilação de energia demoníaca com ainda mais precisão.
—Hm… Isso explica muita coisa. – Ela devolveu o objeto, que a menor colocou de volta no lugar, e então se levantou. – Está na hora de voltarmos ao trabalho.
—Sim senhora! – Zhen Ming riu e seguiu-a de volta para os pavilhões da Seita Li.
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