O começo da tarde de quarta-feira estava preguiçoso. Júlio e Dora aguardavam dar o horário para voltar ao trabalho, ainda no restaurante onde almoçavam todos os dias, em um silêncio já acostumado. A mulher mexia no celular enquanto Júlio apenas olhava pela janela, de braços cruzados, no entanto a expressão decepcionada que surgiu no rosto de Dora trouxe sua atenção para ela.
“O que foi? Aconteceu alguma coisa?” Ele indagou preocupado.
“Hm… nada de mais.” Ela suspirou, se recostando na cadeira, ainda chateada. “Esse fim de semana é o último da exposição de uma artista que eu gosto, mas meu amigo desmarcou. Eu queria ir, só que não tem mais ninguém pra ir comigo.”
“Você devia ir sozinha” o moreno bebeu o último gole do seu copo de água antes de continuar. “Não devia deixar de fazer algo que gosta só porque não tem com quem ir.”
O olhar que recebeu de Isadora quando terminou de falar, fez algo dentro de Júlio se remexer e seu peito doer. As íris alheias tinham um brilho doloroso, talvez solitário, que Júlio não conseguiu entender. No entanto, ela sorriu e concordou com a cabeça.
“Você tem razão. Vou fazer isso”
Suas palavras soavam normais, mas o moreno sentia que aquele sorriso não estava certo. Quando pensou em perguntar, Dora se levantou.
“Melhor voltarmos, já deu o horário”
- - -
Depois daquele dia, Júlio não teve mais oportunidade de falar com Dora direito. Ele não sabia se ela o estava evitando pelo o que ele havia dito, mas aquele olhar e suas próprias palavras o corroiam por dentro. Ele vinha repassando a conversa em sua cabeça, tentando entender o que havia de errado no que disse e por que Dora tinha reagido daquela forma. Sua vontade era de perguntar, mas não queria falar por telefone ou mensagem e não conseguia encontrar com ela pessoalmente para isso.
“Ei, tá tudo bem?” Marcos se apoiou por trás do sofá, beliscando a ponta do nariz de Júlio para chamar sua atenção. “Você tá com uma cara estranha”.
“Acho… que fiz algo de errado” O moreno se sentou no sofá, deixando espaço para que Marcos se sentasse ao seu lado. Ele se inclinou, apoiando a cabeça no ombro do namorado e soltou um suspiro pesado. “Acho que falei algo que a Dora não gostou, mas não consigo saber o que foi.”
“A melhor maneira de descobrir, é perguntando diretamente pra ela.” O maior o abraçou, deixando um beijo suave em sua bochecha. “Aproveita que ela vem hoje a noite.”
“Ela vem?”
“Sim, você não viu no grupo?”
Júlio negou com a cabeça. Estava tão concentrado em seu próprio assunto que não tinha dado qualquer atenção às notificações no celular.
[Dorinha~ amanhã é aniversário do Júlio, nós chamamos uns amigos pra virem aqui em casa pra comer e jogar, você não quer vir também? Não é nada grande (por que esse chato não gosta de festa), só uma reuniãozinha pra não passar em branco.]
“Eu tinha esquecido do meu aniversário”
“Como todo ano…” Marcos beliscou sua bochecha e Júlio retribuiu com uma cotovelada na barriga, o que fez o maior soltá-lo e cair de lado no sofá.
[Eu vou sim! Que horas começa?]
[Umas 18h, posso passar na sua casa pra te buscar.]
[Não precisa! Eu tenho um compromisso amanhã de tarde, então vou direto. Só me passa o endereço depois]
[Okay~~]
“Ela vem pro meu aniversário hoje.”
“Sim” Marcos respondeu com um sorriso. “Acho que se ela estivesse incomodada com alguma coisa que você falou, ela não viria. Talvez seja só impressão sua”
“Mesmo assim…”
“Não pense demais nisso, está bem? Quando ela chegar você pergunta e, se for o caso, se desculpa.” Julio assentiu.
Enquanto a tarde passava, Júlio resolveu ajudar nos preparativos da sua não-festa de aniversário, principalmente para distrair seus pensamentos. Ele não era bom na cozinha, então se concentrou em arrumar a sala e os jogos com Marcos.
Pouco tempo depois do sol se pôr do lado de fora, tudo estava pronto. Uma pequena mesa com petiscos e bebidas foi colocada no canto da sala, o console de jogos já estava ligado, com a música de fundo do jogo de dança tocando, os sofás foram afastados para ter mais espaço e a mesa de centro foi movida para outro cômodo.
Não demorou para que a campainha tocasse e Júlio prontamente foi atender. Ele se sentia um tanto ansioso em finalmente esclarecer as coisas com Dora, suas mãos suando enquanto virava a maçaneta. Porém, quem estava do outro lado era Anna e Sam.
“Feliz aniversário meu amor!” a loira o abraçou apertado, com um sorriso no rosto. Júlio relaxou um pouco da tensão que nem tinha percebido estar sentindo. Ele retribuiu o abraço e deu espaço para que ela passasse. Sam sorriu e moveu as mão em um sinal de “olá”, apenas para esmagar Júlio em seus braços musculosos assim que o moreno respondeu.
“Vocês já estão mais do que acostumados com a casa, então fiquem a vontade” Lucas saiu brevemente da cozinha para cumprimentá-los, fazendo sinais ao mesmo tempo em que falava. Sam respondeu com um sorriso e lançou um olhar desafiador para Marcos. Elu deu dois socos no ar e cruzou os indicadores e os dedos médios de uma mão na outra, fazendo o sinal de lutar, ao que Marcos riu e buscou os dois controles, sentando ao lado de Sam no tapete.
Anna pegou Júlio pela mão e fez com que ele se sentasse com ela no sofá mais distante. Ela ficou tentando arrancar alguma fofoca do moreno, que nada tinha de novo para contar, além dos problemas no trabalho.
Lucas voltou pra sala com uma bandeja cheia de nachos, uma tigela grande de guacamole e copos com drinks coloridos e os ofereceu para a dupla no sofá, evitando propositalmente os dois que jogavam video-game.
“Vai ser só nós, como sempre?” a loira indagou após beber um longo gole da bebida, que era um misto de doce, azedo e álcool. Ela adorou.
“A Dorinha já está subindo”
“A famosa Dorinha?! Finalmente vou conhecê-la? Isso vai ser incrível!” Anna riu e mergulhou um nacho no guacamole, levando-o à boca. A campainha tocou outra vez e Lucas se prontificou em atender, sendo seguido de perto pelos outros dois.
“Desculpem o atraso! Peguei um pouco de trânsito no caminho”
O cabelo de Dora estava um pouco bagunçado, suas bochechas levemente coradas e o rosto um tanto úmido de suor. Ela usava um vestido branco até o joelho, uma faixa branca no cabelo, com uma flor amarela e brincos da mesma flor, além de uma bolsa grande de tricô, bege, no ombro. Tanto Lucas quanto Júlio não conseguiram desviar o olhar e ambos receberam uma cotovelada de Anna nas costelas.
“Não se preocupe com isso, entre.” Lucas sorriu pra ela e empurrou os outros dois que ocupavam a porta, para dar passagem. “É a primeira vez que você vem, mas sinta-se em casa.”
“Obrigada”
“Ah, esta é a Anna. E aquele jogando com Marcos, é ê namorade dela, Sam.” Marcos deu uma cotovelada em Sam, e indicou a porta com a cabeça. Sam sorriu para Dora e acenou, voltando ao jogo sem dar mais atenção.
“É-é um prazer conhecê-los.” Dora cumprimentou, tímida e voltou a atenção a Lucas. “Eu posso usar seu banheiro um minuto?”
“Claro, é por aqui.”
Ele a guiou pela casa e logo Júlio sentiu outra cotovelada em sua costela.
“Ela é linda”
“Hm”
“E parece um doce”
“Hm” Júlio sentiu um arrepio na nuca com o olhar estreito que a morena lhe lançou. “O que?”
“Isso vai ser tão engraçado…” Ela riu, virou o restante da bebida e foi novamente se acomodar no sofá.
A maior parte dos petiscos já tinha sido consumida, assim como os drinks especiais de Lucas. Marcos, Sam, Anna e Lucas competiam para ver quem fazia mais pontos em sequência no Just Dance. Dora se sentou no tapete, escorando-se no sofá, na tentativa de descansar da sua curta sequencia de três músicas, quando Júlio veio da cozinha, com dois copos de água e se sentou ao seu lado.
“Aqui” A menor aceitou o copo com gratidão, bebendo um bom gole antes de suspirar.
“Obrigada. Isso foi intenso” Ela riu. “Seus amigos são divertidos. Gostei muito da Anna”
“Eu percebi” Anna tinha monopolizado Dora a maior parte da noite, jogando conversa fora para conhecê-la e rapidamente as duas se tornaram amigas.
O silêncio se instalou entre eles. Não costumava ser desconfortável, mas naquele momento, era. Júlio sentiu suas mãos suarem e o calor subir por seu pescoço. Ele pensou que o álcool poderia ajudá-lo a se soltar mais, mas não era o caso. A ansiedade o tomava por dentro, mas ele não sabia o que dizer, por onde começar. Seus olhos foram atraídos pelos movimentos dos dedos inquietos de Dora, que brincava com o copo agora vazio.
“Dora eu…” Respirou fundo. “Quero me desculpar pelo o que eu disse no outro dia. Eu não devia ter dado um conselho que você não pediu. Foi grosseiro.”
“O que?! Não, está tudo bem!” Ela riu, coçou a nuca e suspirou outra vez. “Na verdade, eu fiquei mesmo um pouco chateada. Mas aquilo me ajudou. ” Dora gesticulou com as mãos, impedindo Júlio de falar antes que ela terminasse. “Eu fiquei o resto do dia pensando no que você disse e, no fim, eu sabia que você tinha razão. Eu gosto de ter companhia e fazer esse tipo de coisa com alguém, é muito mais divertido. Só que eu não posso me limitar por causa disso.” Ela fez uma pausa, mostrando a ele um sorriso verdadeiro. “Eu fui naquela exposição, sozinha. Vim direto de lá.” Ela se aproximou do moreno, colocando uma mão em concha nos lábios, para evitar que outras pessoas a ouvissem. “Eu conheci a artista sem querer e nós ficamos um tempo conversando, por isso eu me atrasei. Mas é segredo.”
“Mesmo assim… nada disso justifica o jeito que falei com você”
Dora ponderou por um instante, como se estivesse tentando se lembrar exatamente das palavras que Júlio havia dito.
“Você não foi grosso ou rude comigo. Um pouco direto demais talvez, mas eu não acho isso ruim, sabe?” Ela estendeu a mão pra ele, que pegou. “E, depois dessa conversa, eu me sinto mais segura. Por que sei que podemos resolver os problemas conversando.”
“De qualquer forma, eu vou tentar ser mais cuidadoso” Dora concordou, apertando um pouco a mão de Júlio, gesto que fez o moreno relaxar e se sentir quente.
“Mas não quero que fique pisando em ovos pra falar comigo, tá? Nós somos amigos, se disser algo que eu não goste, eu vou te avisar” Desta vez foi o moreno que concordou com a cabeça.
“Obrigado” Júlio estava mais que aliviado em conseguir se acertar com Dora. Toda a tensão que vinha sentindo nos últimos dias pareceu ir embora de uma só vez, deixando não só seu coração mais leve, mas também aquecido.
Ele olhou para a mulher ao seu lado e sentiu um pequeno sorriso se formar em seu rosto.
Estava tudo bem agora.

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