Nos últimos meses, sair com os meninos tinha se tornado parte da rotina de Isadora. Ela almoçava com Júlio em todos os dias de trabalho e, quando faziam hora extra, ele a deixava em casa – mesmo que insistisse não precisar. Praticamente todos os sábados os quatro iam juntos ao rinque de patinação. Quando Lucas tinha folga em algum domingo, eles faziam um piquenique no parque. Às vezes Anna e Sam apareciam também e tudo se tornava uma bagunça divertida.
Mais rápido do que imaginava, Dora sentia que estava se encaixando. Desde que saiu da faculdade, ela vinha buscando um lugar ao qual pertencer, mas no final apenas ficava sozinha. Os poucos amigos que tinha ou moravam longe ou as agendas nunca batiam, além dos amigos virtuais que nunca tinha visto pessoalmente, o que não ajudava a melhorar a sensação de solidão.
No entanto, desde que conheceu Júlio e seus dois namorados, essa sensação parecia ser apenas um eco distante. Se sentia tão bem ao redor deles e já tinha até entendido a dinâmica de cada um. Júlio é um tanto rabugento na maior parte do tempo. Ele se irrita fácil, faz as coisas do próprio jeito e, às vezes, não pensa antes de falar. Mas ao mesmo tempo, é muito gentil – à sua maneira – e se envergonha por pequenas coisas. Marcos parece assustador de cara, mas é o mais sociável dos três. É animado, brincalhão e consegue falar de absolutamente qualquer assunto por horas, mesmo que não saiba muito sobre. Lucas é a balança entre os outros dois. Ele é calmo e racional, tão doce e gentil que equilibra perfeitamente o temperamento forte dos seus dois namorados. Quando Marcos e Júlio não conseguem se entender, é ele quem dá voz ao diálogo para se resolverem.
Isadora admirava o relacionamento dos três, ela conseguia ver como era tudo fluído e harmônico. Não podia mentir, sentia um pouco de inveja também, desejando um dia viver algo tão doce quanto o que eles tinham.
Já fazia um bom tempo desde a última vez que havia tentado estar em um relacionamento e as coisas não tinham ido muito bem. Dora suspirou, balançando a cabeça para afastar os pensamentos. Ela não precisava se lembrar daquilo.
“Ei, você ‘tá bem?” A voz baixa e rouca chamou sua atenção e a mulher levantou o rosto, voltando a se concentrar em onde estava. E com quem.
Havia combinado de fazer um rolê artístico com Maya, sua nova e inesperada amizade. As duas tinham se conhecido no dia da exposição, quando, num esbarrão, Maya deixou seu caderno cair sem perceber e Dora a procurou para devolver. Mesmo que não quisesse, tinha visto os desenhos e reconhecido imediatamente, mas sem alarde, que ela era a artista que tanto admirava nos últimos anos.
As duas trocaram contato e vinham conversando sem parar desde então. Agora estavam em uma cafeteria pequena e não muito movimentada, um pouco afastada do centro da cidade, com copos de café coloridos, cadernos de rascunho e toda a sorte de lápis, canetas, pincéis e tintas que Maya conseguia carregar consigo, sobre a mesa.
“Tô sim. Só pensando.” Dora riu sem jeito e encarou a folha à sua frente. A ideia era que fizessem um retrato uma da outra, apenas para descontrair, sem compromisso de ser bonito ou perfeito. Porém, a folha tinha apenas um rascunho inicial, que lembrava o par de rabos de cavalo cacheados de Maya, seu rosto cheio de sardas e as sobrancelhas grossas quase juntas.
“Sobre?” Maya se manteve debruçada sobre seu desenho, deixando pouco para Dora espiar.
“Meus amigos.” Pegou o lápis, voltando a rabiscar a folha na tentativa de melhorar o que tinha feito.
“Aquele trisal que você fala direto?” Dora concordou, sabendo que, mesmo de cabeça baixa, Maya tinha visto. “Amigos são complicados, eles nos machucam quando a gente menos espera, por isso não tenho.”
“E eu sou o que?” Perguntou, com falsa indignação no tom de voz.
“Você é diferente.” Ela levantou o rosto finalmente, encarando Dora com suas íris, que ainda não sabia dizer se eram verdes ou âmbar. “Você podia ter vendido meu caderno por uma nota, mas preferiu me devolver e ser discreta sobre mim. Você podia ter conseguido sucesso às minhas custas e não o fez. Você é legal Dora, muito diferente da maior parte das pessoas que eu conheci.”
Maya sorriu – algo que fazia muito pouco – deixando os dentinhos tortos à mostra. A menor sentiu as bochechas queimarem, não estava acostumada a elogios tão diretos, mas, no pouco tempo em que conhecia Maya, sabia que ela era assim. Extremamente direta e sincera.
“As pessoas são diferentes, Maya. Muitas vão realmente querer se aproveitar o máximo que puderem umas das outras. Mas também existem pessoas legais.”
“Tipos seus amigos?”
“É, tipo eles.”
“E porque você ficou esse tempo todo olhando pro nada, com cara de sofrimento, enquanto pensava neles?”
“Porque me lembrei de coisas que aconteceram no passado.”
“E o que isso tem a ver?”
“Não sei”
“Você é esquisita”
“Você que é esquisita.” As duas riram juntas, voltando a se concentrar em seus desenhos.
Maya estava certa no final, sua amizade com Júlio, Marcos e Lucas, nada tinha a ver com seus relacionamentos amorosos do passado. E ela era esquisita por pensar nisso. Ela se sentia esquisita.
Soprou aquelas ideias para longe, por enquanto iria apenas aproveitar a companhia de sua nova amiga naquela tarde gostosa de primavera.

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