Mais adiante, depois de longos minutos — ou talvez horas— CalciFlora caminhava sem pressa enquanto o sol descia lentamente, pintando o céu de laranja, rosa e um azul que se estreitava no alto.
E então viu algo novo.
Algo que não era árvore, nem animal, nem rio… mas que brilhava como o sol.
Não tinha forma fixa, ondulava como se dançasse ao vento. Estalava em pequenos saltos de luz, criando finas nuvens escuras que subiam e desapareciam no ar. Um brilho vivo, inquieto. Uma criatura? Uma planta? Um animal? Não sabia.
Mas aproximou-se, curioso.
Era fogo.
Mesmo que CalciFlora não tivesse palavra alguma para isso.
A chama crepitava num amontoado de galhos empilhados, consumindo madeira como se fosse alimento. E ao redor dela estavam três seres — semelhantes a ele apenas na forma básica. Tinham carne cobrindo os ossos, pele que variava em tons quentes, cabelos presos ou soltos, roupas coloridas, botas gastas, cintos, bolsas. Moviam-se com uma suavidade que ele não possuía, e exalavam sons articulados que não lembravam o farfalhar do vento, nem o murmurinho da água.
Criaturas estranhas.
Criaturas vivas.
CalciFlora ficou parado entre duas raízes retorcidas, observando.
Se fosse capaz de sentir algo próximo à maravilha, senti-lo-ia ali — diante daquele brilho quente e daquelas formas tão distintas de tudo o que encontrara até então.
E pela primeira vez desde que surgira da terra,
ele não estava sozinho.
Desejou se aproximar, queria conhecer bem aquilo de que estava diante de si, e moveu-se em direção à luz.
Ao vê-lo emergir da trilha sombreada, os três seres se tornaram estátuas em um instante. O riso abafado que compartilhavam morrera na garganta; a colher parada a meio caminho da boca caiu de volta ao prato com um toc surpreso. O silêncio pareceu engolir até o estalar da fogueira.
Os olhos dos três se arregalaram. Primeiro em dúvida. Depois em pavor.
Um deles deixou a tigela escorregar das mãos, que tombou no chão e espalhou caldo e raízes cozidas sobre a terra. Os outros dois recuaram meio passo, como se o ar tivesse acabado ao redor da fogueira.
Então, como se um fio invisível puxasse seus corpos ao mesmo tempo, ergueram-se de súbito — espasmos de puro terror.
As mãos correram às cinturas, tateando desesperadas até encontrarem o que buscavam.
E as trouxeram para frente.
Hastes longas, polidas, brilhantes.
Lâminas que refletiam o laranja da fogueira e devolviam à floresta um brilho agressivo.
Três armas apontadas diretamente para CalciFlora.
A respiração dos viajantes era curta, entrecortada; o peito subia e descia como se cada segundo fosse uma batalha particular. A fogueira estalava, lançando sombras que dançavam sobre os rostos tensos — sombras que saltavam sobre as lâminas e, inevitavelmente, sobre a forma ossuda e silenciosa do intruso.
Para CalciFlora, nada daquilo fazia sentido. Eram objetos rígidos, brilhantes, segurados com firmeza como galhos prestes a golpear, e ainda assim… não naturais. Nada naquele trio parecia natural. Carne demais, movimento demais, vida demais.
Para os três humanos, porém, só havia uma verdade:
Aquilo não era vivo.
Aquilo não era normal.
Aquilo estava olhando para eles.
Não sabia o que fazer.
O impulso inicial foi recuar — afastar-se, dissolver-se na escuridão fresca da floresta, onde tudo fazia mais sentido. Mas quando deu um único passo para trás, três passos humanos avançaram contra ele, como uma onda respondendo ao vento. Estava encurralado.
Virou-se para a lateral, tentando escapar pela culatra do acampamento, porém outro corpo se colocou no caminho, arma erguida, olhos dilatados pelo medo.
CalciFlora não entendia armas.
Mas entendia medo.
E ali havia muito dele.
Os três humanos engoliram seco, compartilhando um instante de coragem forçada — uma decisão silenciosa de atacar antes que a coisa atacasse.
O mais próximo avançou.
Ergueu a espada acima da cabeça, e o metal rasgou o ar com um zunido agudo e vibrante, como o grito de um inseto metálico. A lâmina começou a descer em um arco decidido.
CalciFlora agiu sem pensar.
Levantou os braços para proteger o crânio, os ossos rangendo ao mover-se de tão rapidamente. E em algum lugar muito profundo — talvez na madeira entrelaçada às suas costelas, talvez na luz tímida em seu crânio — algo se conectou.
Um pedido.
Um chamado.
Instinto puro em forma de súplica silenciosa.
A terra ouviu.
As raízes sob os pés do atacante estremeceram.
O solo inflou, rompeu e explodiu em pequenos estilhaços de terra úmida.
Madeiras finas, grossas, tortas, vivas, emergiram de repente, enrolando-se como serpentes vegetais ao redor das pernas do homem.
Ele gritou — não de dor, mas de susto.
As raízes subiram, abraçando-lhe as canelas, rodopiando como cordas vivas, subindo até o antebraço que segurava a espada. O golpe falhou antes mesmo de nascer; a lâmina tombou alguns centímetros para o lado e se enterrou no chão, vibrando.
O homem tentou se soltar, puxando, chutando, esperneando.
Mas as plantas o tinham.
E não pretendiam largar tão cedo.
Os outros dois homens, porém, ainda estavam soltos — e agora, ainda mais desesperados. O horror moldava seus gestos: ombros tensos, dentes cerrados, respiração curta como de um animal encurralado.
Diante do companheiro preso e contorcido pelas raízes vivas, decidiram atacar ao mesmo tempo, contra os ossos-vivos.
Diante do companheiro preso e contorcido pelas raízes vivas, decidiram atacar ao mesmo tempo, com urgência de quem tenta esmagar algo que não compreende antes que isso os devore.
Um deles avançou primeiro.
Com as mãos trêmulas, tentou fincar a ponta do metal frio dentre as costelas ocas do seu ser. A lâmina veio rápida, buscando o espaço vazio no peito — um golpe certeiro para qualquer corpo vivo.
Mas CalciFlora não funcionava assim.
As raízes que ainda entrelaçadas ao primeiro combatente reagiram antes da mente do cadáver compreender o perigo. Retorceram-se como músculos vegetais, torcendo junto a carne de seu prisioneiro para o lado de forma brusca, quase violenta.
O homem enroscado nas raízes foi girado como um boneco de pano — e, tragicamente, como escudo involuntário.
O segundo homem, no impulso cego de atacar, não teve tempo de ajustar o curso.
O aço entrou.
Não onde pretendia.
Mas onde a raiz o havia forçado a mirar.
A espada atravessou o ombro do colega, perfurando carne, músculo e talvez um pouco da dignidade humana. O grito veio rasgado, confuso, uma mistura de dor e indignação por ter sido traído pela própria mão amiga — ou inimiga, no momento.
Sangue escorreu quente, manchando o brilho do metal.
O atacante, horrorizado, largou a espada de imediato, como se o próprio cabo tivesse queimado suas mãos.
— NÃO! — bradou, recuando dois passos, olhos arregalados e pulsando de pavor.
O homem ferido tombou para o lado, ainda enredado pelas raízes que o mantinham ereto apenas o suficiente para que desabasse de maneira quase coreografada. A visão parecia uma peça macabra de algum teatro floresta-adentro: o corpo pendendo, a arma cravada, a vegetação segurando-o com delicadeza grotesca.

Comments (0)
See all