Arfava contra o chão, a face quase colada à terra, expelindo pequenas baforadas de pó a cada tentativa desesperada de respirar. O líquido carmesim escorria pelos ferimentos recém-abertos, infiltrando-se entre as folhas secas e tingindo o solo com um brilho úmido e macabro. A luz outrora firme em seus olhos vacilava—não apagada, mas fraca, como uma lamparina perdida no vento.
Os companheiros, que até então se debatiam entre lutar e sobreviver, finalmente sucumbiram ao terror gutural que tomava-lhes o corpo. A sanidade cedeu, quebrada como cerâmica ao chão; os músculos reagiram antes da razão.
Confiaram nos próprios pés.
Viraram-se de súbito e correram, tropeçando em raízes, galhos e no próprio medo. Não olharam para trás. Não ousariam. O som das suas botas fugindo floresta adentro misturou-se ao barulho frenético de seus corações, cada passo um pedido silencioso aos deuses para que a coisa atrás deles não os perseguisse.
CalciFlora, imóvel, apenas observava.
Vendo o sangue escorrer como tinta.
Vendo o corpo desacelerar.
Vendo a floresta, antes tão viva, silenciar ao redor.
As raízes deixaram de confinar o homem sobre o chão, já imóvel. Deslizaram de volta ao solo com a mesma discrição com que emergiram, retornando ao seu mundo subterrâneo, como se jamais tivessem participado daquele momento de violência. O corpo ficou ali, abandonado, entregue à quietude.
A vida que o habitara já não vibrava. Estava espalhada ao redor—absorvida pela terra escura. Um tributo involuntário aos palácios silenciosos da natureza.
CalciFlora aproximou-se.
Um chamado interno, um peso pequeno e insistente que beliscava seu âmago vegetal, como raízes buscando água num solo seco.
Ajoelhou-se.
Esticou o braço.
Movimentou os dedos — finos, pálidos, entrelaçados de vinhas — até que a ponta óssea tocou a pele fria do homem.
Havia fricção.
O raspado da barba por fazer.
Uma leve resistência da carne.
Mas aquilo que buscava — embora não soubesse nomear — não estava lá.
Nenhuma vibração.
Nenhum pulsar suave.
Nenhum calor.
CalciFlora inclinou o crânio, como quem tenta compreender um som distante. O brilho dentro da cavidade ocular pulsou uma vez, breve, como a brasa de uma fogueira prestes a se extinguir.
Depois, recuou a mão.
Havia algo ausente naquele corpo que não se parecia com os troncos caídos da floresta. Algo diferente do silêncio natural da morte vegetal. Uma ausência mais… funda.
CalciFlora não entendia.
Não possuía palavras.
Mas sentia.
Um aperto que não era dor.
Um vazio que não era fome.
Um peso que não era físico.
Levantou-se devagar, deixando o corpo onde estava. As folhas acima sussurraram ao vento, como se a floresta inteira respirasse mais baixo por um instante.
E ele continuou seu caminho, carregando consigo uma sensação que ainda não sabia descrever — apenas que, pela primeira vez desde que despertara, algo dentro dele parecia… menos.
O dia nascente rompeu o silêncio da floresta com a mesma imponência de um deus abrindo os olhos.
Antes apagado pela escuridão, o horizonte agora começava a ferver em cores — longas colunas de luz dourada e alaranjada subiam lentamente, como se brotassem do solo, incendiando o céu de baixo para cima. O canto das primeiras aves matutinas riscava o ar com notas curtas e vibrantes, substituindo o último suspiro da noite por um coro tímido de vida que despertava.
CalciFlora permaneceu imóvel por alguns instantes, como uma estátua recém-desenterrada. A transição entre treva e claridade não lhe pertencia; o nascimento do sol não lhe trazia calor, e a ausência de sono jamais lhe cobrava repouso. Assim, sem o peso da fadiga que abençoa — ou tortura — os seres vivos, retomou sua marcha lenta entre os troncos altos e silenciosos.
Ele buscava algo.
Algo sem nome, sem forma, sem propósito que pudesse entender.
As vinhas entrelaçadas em seus ossos reagiam à mudança de temperatura, expandindo-se com o leve calor do amanhecer, e os fungos iridescentes em seu torso apagavam-se em tons mais suaves, vencidos pelo brilho natural do sol. As sombras a seu redor encolhiam, passando a moldar sua figura de forma menos ameaçadora — quase humana.
Quase.
O vento da manhã sussurrava entre as folhas recém-iluminadas. Havia ali vozes sem origem, sons que não pertenciam totalmente às criaturas vivas daquele lugar, e CalciFlora voltava o crânio em direção a cada murmúrio distinto, como quem tenta ouvir melhor… ou recordar.
Mas ele não recordava.
Não ainda.
Mesmo assim, caminhava.
Passo após passo, explorava esse mundo no qual renascera — ou fora arrastado — sem saber exatamente por quê.
Talvez buscasse apenas aquilo que toda criatura — viva, morta ou algo entre elas — deseja ao início de um novo dia:
um motivo para continuar caminhando.

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