Estava indo almoçar com Rafael na casa dele, sendo o jantar uma espécie de compensação por tentar me agarrar estando bêbado. O prédio era um tanto afastado do centro antigo de Varsóvia (onde eu morava) e aparentava ser um tanto antigo, sua faixada de tijolos sendo lisa, sem qualquer decoração, eu adoraria colocar algumas flores nela. Rafael morava na cobertura, o pequeno apartamento era simples e conservador e o cheiro de pierogi* pairava no ar, fazendo meu estômago roncar.
"Fique a vontade." Disse Rafael, sorrindo ao receber-me na porta.
"Ei, quem está ai, Rafa?" Ouço uma voz vinda de outro cômodo perguntar.
"Ah, falei do Ian pra você, certo? Jade, este é meu irmão Ian, Ian, este é o moço que me ajudou quando eu estava doente." Um rapaz loiro de olhos azuis acinzentados entrou na sala e Rafael gestuou eu sua direção.
"Se com doente quer dizer de porre, então sou sim o 'moço' que te ajudou." Provoquei. "Seu irmão costuma agarrar pessoas quando bébe?"
"O Rafa bébe?" Era fofa a expressão dele, sobrancelhas franzidas, tentando imaginar o irmão como eu descrevera, provavelmente. "O Rafa bébe mesmo sendo careta do jeito que ele é?"
"Nossa, nem conta as coisas para o garoto?" Eu rio e Rafael me olha como se eu tivesse revelado seu grande segredo.
"Têm coisas que ele não precisa saber." Ele sussurra no meu ouvido e Ian sorri pra mim.
"Agora eu quero saber, conte-me mais, senhor."
"Ora, senhor? Agora vou ficar me sentindo velho, por favor, meu nome é Jade." Sorri de forma um tanto tímida e constrangida.
"Jade? Mas Jade não é nome de mulher?" Ele se aproxima um pouco mais de mim, mesmo sendo mais novo tinha alguns centímetros de vantagem.
"Mais ou menos, mas esse é o nome que está escrito na minha certidão." Ri.
"Ian, não deixe nosso convidado constrangido." Rafael repreende em um tom talvez severo demais.
"Ele não parece constrangido." Ian era realmente uma criança fofa, uma criança de dezessete anos, mas não deixava de ser fofo. "Ei, Jade, você me ensina a beber?"
"Se você tivesse idade para isso eu até ensinaria, seria nosso segredo do seu irmão careta."
"Jade, não incentiva ele a querer desobedecer." O tom manhoso de Rafael era divertido, parecia que nos conhecíamos a tempos e não desde o dia anterior.
"Posso tocar seu rosto? Quero saber como você é." Ian pede de forma bastante tímida. Rafael havia mencionado por mensagem de texto sobre a cegueira do irmão.
"Ah, claro, acho que tudo bem." Sorrio e fico em frente a Ian, pegando suas mãos com cuidado e colocando em meu rosto ao passo que ele começa a tateá-lo. Não era exatamente estranho conhecer alguém assim, era interessante. A fala de Rafa pelas mensagens era como se minha impressão fosse ser ruim.
"Nossa, Rafa, ele tem um piercing no lábio e vários brincos!" Ian parecia bastante animado e curioso, o que me fez sentir um tanto lisonjeado.
"Ele é bastante estiloso, com certeza mais jovial do que eu." Rafael diz como elogio indireto.
"Ele com certeza deve ser muito bonito! Agora eu quero piercings também..."
"Não combinaria com seu estilo, e você já é muito bonito, Ian." Sorrio e bagunço os cabelos do garoto. "Mas talvez uma tattoo não seria má ideia." Digo, olhando para Rafa.
"Nem em sonho eu deixo o Ian fazer uma." Ele retruca de olhos arregalados.
"Mas não quero ficar sem graça como você, Rafa!" Eu comecei a rir.
"Bem, por mais sem sal que o Rafael seja, ele tem seu charme." Minto, se aquele homem era sem sal eu tinha que ser internado num manicômio.
"Não sei não... Mas, se não se importa em eu perguntar, vocês estão namorando?" Minha vez de ficar surpreso.
"Não!" Eu e Rafa respondemos ao mesmo tempo, algo fofo de se acontecer, no entanto realmente constrangedor. Desviei os olhos para uma foto emoldurada sobre o aparador. Havia quatro pessoas nela: uma senhora de idade; um homem de cabelos loiros, barba e aparentemente muito zangado; uma moça grávida que me lembrava muito minha mãe e uma criança loira de olhos verdes brilhantes.
"Pensei que sim, vocês tem um clima."
"Nem pra tanto, mal nos conhecemos." Eu respondo, voltando meu olhos para o garoto. Não sabia de onde ele havia tirado aquela ideia. Embora não me desagradasse, precisava manter em mente que não seria algo bom para Rafael estar envolvido romanticamente comigo. "Sinto cheiro de queimado." Comento, querendo desesperadamente mudar de assunto.
Rafael imediatamente corre em direção à outro cômodo, que imaginei ser a cozinha, enquanto Ian me acompanha até a pequena sala de jantar, nós dois rindo baixo. A mesa estava pronta quando chegamos, Rafa deixava a panela sobre um apoio. A sala em si era bastante simples, com uma mesa redonda e quatro cadeiras, tudo iluminado por um delicado lustre.
Percebi que os utensílios estavam todos posicionados de forma estratégica para que Ian pudesse comer por conta própria e a comida parecia deliciosa. Rafael havia puxado uma cadeira para mim de forma cavalheiresca, em seguida fazendo o mesmo para Ian e sentando-se entre nós dois. Comemos em silêncio e logo depois do jantar Ian foi preparar-se para a faculdade ao passo que eu e Rafael nos servíamos de um excelente vinho.
Não pude deixar de sorrir pelo sabor leve e adocicado da bebida. Tinha de admitir o bom gosto dele para bebidas. "Obrigado por hoje, Rafael."
"Eu que agradeço, obrigado por almoçar conosco hoje e lamento se Ian te constrangeu de alguma forma." Ele disse de forma tímida em tom baixo.
"Seu irmão é adorável, você é inegavelmente bom na cozinha e tem um incrível talento na escolha de vinhos." Sorrio, girando a taça em minha mão e observando o movimento do líquido escuro. "No entanto, está solteiro e aparentemente está numa fase de questionar sua sexualidade, realmente um pecado." Provoco.
"Pecado é o fato de não poder beijar você, mesmo levando em consideração o quão próximos estamos." Engasgo com o vinho, encarando Rafael e em seguida rindo para disfarçar meu nervosismo. O olhar dele era sério, então ele não estava simplesmente me cantando, estava admitindo o que queria.
"Hoje não precisou de mais que um gole para ficar bêbado." Retruquei, tentando fingir que não tinha sido afetado por aquilo.
"Acredite, se eu realmente estivesse bêbado a cantada seria muito pior." Ele diz com um sorriso.
"Melhor parar com isso, Rafael." Bebo um pouco de meu vinho. "Está querendo algo do qual vai se arrepender."
"Do que eu poderia me arrepender?" O tom dele parecia ofendido, mas eu tinha que continuar agindo assim se quisesse que ele entendesse que não queria nada com ele. "Sabe, você é bonito, educado e inteligente, como alguém poderia se arrepender de te querer? Não estou dizendo isso só porque quero transar com você, deveria saber disso."
Meu coração acelerou um pouco diante de tantos elogios, mas respiro fundo, recompondo-me. Olhei-o nos olhos, podia ver neles que seriamos bons amigos, por mais que nossa amizade significasse reprimir nossos desejos um pelo outro.
"Não faz ideia de quantas vezes me disseram essas mesmas palavras antes de largar." Era mentira, havia sido eu a encerrar todos os meus namoros. "Vamos deixar isso só na amizade." Eu disse simplesmente para oficializar, fechar as portas para oportunidades de um novo relacionamento e afim de tentar me livrar daquele aperto em meu peito ao dizer aquelas palavras.
"Eu sei que as pessoas dizem um monte de coisas e, na maioria das vezes, essas coisas são as mesmas mentiras que já conseguiram te enganar uma vez, mas, no meu caso, é mais verdadeiro do que você pode imaginar." Ele discursa, sustentando meu olhar com o dele. "Estou apaixonado por você, isso não vai mudar, mas adoraria ser seu amigo e nunca faria nada de estúpido para acabar com isso."
Cliché romântico. Aquelas duas palavras eram a descrição perfeita de Rafa. Ele era o príncipe encantado saído de um livro infantil. Ele viu a princesa uma vez e se apaixonou. Mas dessa vez a princesa riu do príncipe. "Como pode dizer que está apaixonado por mim sendo que me conhece tão pouco, Rafael?"
"Nunca ouviu falar de amor a primeira vista?" A seriedade dele nesse momento chegava a ser inocente pra alguém de vinte e oito anos.
"Sim, eu conheço amor a primeira vista, mas você deveria pensar de forma mais adulta e parar de acreditar nessas coisas de conto de fada." Levantei, deixando minha taça sobre uma mesinha de canto posicionada entre nós. "Mas vou te dar um desconto e não te incomodar mais, só porque te acho fofo." Dei-lhe um selinho e afastei-me rapidamente, iria me contentar com aquilo, ou pelo menos me obrigar a tentar me contentar. "Está ficando tarde, seria melhor eu ir para casa, não quero atrapalhar seu dia."
"Aceita uma carona?" Ele sugere, levantando e me acompanhando até a porta.
"Eu vim com minha motocicleta, então não será necessário." Dou uma piscadela na direção dele, incomodar não, mas provocar com sim. "Mas deixo que você me acompanhe até lá embaixo."
"Certo... eu perguntaria que modelo de moto você tem, mas eu não entendo dessas coisas."
Descrevi de forma simples minha menina dos olhos, uma bela Harley Davidson Street Bob, enquanto descíamos as escadas e logo que chegamos ao térreo a montei, vestindo meu capacete.
"Jade, espera!" Virei para encarar Rafael, surpreso. "Eu quero te ver mais, mas não tenho nenhuma desculpa boa o suficiente para isso, então..." Agora ele olhava em meus olhos. "Por favor, me ajude a deixar o prédio com mais vida, seus arranjos são maravilhosos, sei que é capaz de me ajudar com isso."
Um sorriso formou-se em meus lábios de forma involuntária e eu simplesmente não pude negar o pedido dele. Voltei pra casa planejando mentalmente o que fazer naquele espaço na frente do prédio. Era um dos lugares mais afastados do centro, tanto do novo quanto do velho, era colorido e não havia nenhum edifício maior bloqueando a vista. Cinco andares de arquitetura clássica com um pouco de área verde para os moradores aproveitarem.
Havia vasos de cimento, um banco de madeira e metal fundido e uma árvore pequena jogando sombra sobre ele. Cor faria bem ao lugar, mas ele já era de certa forma acolhedor à sua própria maneira. Principalmente pelo fato de ter uma pessoa tão interessante morando ali.
*pierogi é uma comida tradicional polonesa.
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