Ian desceu as escadas com cuidado, todas as luzes da casa estavam apagadas e como já estava começando a escurecer já estava difícil enxergar tão bem. Infelizmente meus pais nunca foram a favor de ter uma porta nos fundos da casa, então a nossa única saída era a porta da sala e foi para lá que ele seguiu.
Ao se aproximar abriu o mínimo dela e olhou para fora se certificando de que podia seguir, Ian se movia de forma rápida e ágil, mesmo que estivesse carregando uma pessoa nas costas.
Imaginei que seria demorado então deitei meu rosto no ombro de Ian, virando ele de lado e aos poucos fui fechando meus olhos tive a impressão de ter visto algo se aproximando ao mesmo tempo em que uma enorme parede transparente surgia ao lado, mas eu devia estar alucinando já que ainda não me sentia bem o suficiente.
Acabei dormindo assim que fechei os olhos, tive nem tempo para dizer nada ao Ian. Tive um sono estranho, não era bem um sonho era uma lembrança minha que já tinha esquecido a um bom tempo. Era um dia aparentemente normal, estava na cozinha observando meus pais preparar o nosso almoço, estava bem entretida os vendo juntos. De alguma forma acabei fixando meu olhar no fogo aceso no fogão, meus pais estranharam bastante já que eu tinha ficado quieta do nada.
Eles me olharam curioso e então voltaram à atenção para o mesmo lugar que eu olhava, lembro-me de ouvir eles me chamando preocupados, mas só conseguia admirar aquele fogo tão bonito. Sem que eu conseguisse entender como, as chamas aumentaram de uma forma que conseguiam ultrapassar a panela que estava ali. Meus pais se afastaram, meu pai me pegou no colo e seguiu para a sala onde me deixou, dizendo que era mais seguro se eu ficasse ali.
Depois desse dia eles não me permitiam observar eles cozinharem, e quando íamos acampar preferiam levar várias lanternas e usar uma fogueira falsa. Continuava sendo divertido, mas no fundo me sentia preocupada e assustada, porque eles me afastaram de qualquer coisa ligada ao fogo assim do nada? Não era minha culpa que o fogão tivesse quebrado.
Não sei dizer quanto tempo fiquei presa naquela lembrança, mas aos poucos fui despertando e abrindo os olhos. Ainda estava nas costas do Ian, e ele ainda corria, mas parecia estar fugindo de algo. Virei meu rosto para o lado e notei que algo se movia pelas sombras das casas, e se movia bem rápido.
Notei também que o céu estava mais escuro, deveria ter anoitecido enquanto eu dormia o que significa que dormi por mais ou menos uma hora. Mesmo escuro eu podia enxergar bem o que se movia entre as sombras, era aquela criatura que atacou meus pais, mas apenas uma delas, o homem. Mas diferente da última vez, ele estava vestido, ou quase. Usava uma calça que parecia ser cinza, estava descalço e tinha um cinto enorme segurando a calça, no sinto tinha várias coisas que pareciam ser perigosas como, por exemplo, um chicote, alguns fracos brilhantes e algumas coisas pontudas que imagino serem laminas de vários tipos e tamanhos.
Ele esticou o braço revelando uma adaga em sua mão, pude notar seu sorriso de deboche para mim ou Ian, isso não importava tanto. A criatura moveu seu braço com agilidade e percebi o que ele iria fazer, respirei fundo sem desviar o olhar dele.
―Ian, cuidado! ―O rapaz que me carregava olhou para o lado, estava surpreso e provavelmente irritado por eu ter gritado em sua orelha daquela forma, mas ele viu o que estava nos seguindo e sorriu com desdém, dizendo de forma calma.
―Não se preocupe.
Acho que em uma situação como esta era difícil não me preocupar, ainda mais com o que veio a seguir.
A adaga começou a ficar em uma cor alaranjada e parecia se mover lentamente como se dançasse de forma graciosa – aos meus olhos –, ela estava agora coberta em chamas. O homem que era meio humano e meio monstro grunhiu e arremessou à adaga, eu me encolhi no colo de Ian me preparando para ser atingida, mas nada aconteceu, quando olhei novamente tinha uma rachadura no ar e aquele monstro puxando a adaga que estava presa a uma corrente, para assim joga-la novamente fazendo outra rachadura aparecer.
Até o momento pensei que ficaria tudo tranquilo, já que o Ian estava correndo então a criatura precisaria nos seguir, mas notei que ele estava ficando cansado, não era fácil carregar uma pessoa nas costas e eu não tinha ideia até onde ele precisava ir. Respirei fundo e virei o rosto para o lado, podendo visualizar a expressão cansada do rapaz.
―Me coloca no chão, consigo ir sozinha. ―Disse. Tinha notado que a dor estava bem menor que antes, era algo que já podia suportar e me mover livremente.
―Tem certeza? ―Ele me olhou, apenas assenti. Aos poucos Ian diminuiu a velocidade da corrida, sem parar completamente, e então disse baixo. ―Desce, e me segue.
Preferi não contrariar, pulei das costas dele ficando alguns passos para trás, o menino já tinha voltado a correr com força total. Quando vi a criatura se aproximar tratei de tentar alcançar o Ian na corrida.
Por sorte eu era bem atlética e por esse motivo não tive muito esforço para conseguir alcança-lo.
Estava tão concentrada naquilo que estava vindo ao meu lado que quando olhei para frente levei uma baita de um susto. A mulher monstro estava para no fim da rua, mas assim como antes estava sem veste alguma, ela segurava a mesma arma que seu parceiro e estava igualmente em chamas. Olhei para o Ian rapidamente e ele olhava para os lados, tentado pensar em como sair dali, resolvi fazer a mesma coisa que ele para procurar uma saída.
Olhei para os lados e finalmente me toquei que a rua estava deserta. Em uma plena sexta-feira a noite, não tinha ninguém nas ruas, nem mesmo um gato ou um cachorro. Até mesmo as luzes das casas não tinham sido acesas ainda, e aquilo era muito estranho.
Quando voltei minha atenção para frente fiquei preocupada e segurei o braço de Ian, parando de correr e o fazendo parar também. A criatura começou a rodar a corrente fazendo as chamas que estavam na lamina aumentarem, não podia ver a expressão dela, mas tenho certeza que deveria estar rindo e pensando em como temperar o churrasco que iria fazer conosco.
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