Creio que ficamos andando por quase uma hora e, quando finalmente, avistei um caminho aberto senti que era impossível de não sorrir aliviada. Aquilo significava que estávamos chegando a algum lugar e não só andando sem rumo no meio de um floresta estranha. Conforme íamos andando mais ansiosa eu me sentia para ver o que teria ali. E, claro, que ao chegar ao caminho aberto me deparei com uma trilha de terra, cercado nos dois lados por plantações.
Aquelas plantações eram bem sortidas, identifiquei algumas como arroz e outras como trigo, já outros pareciam apenas mato, mas tinham um cheiro bem forte. Em um campo mais a frente existiam várias folhas na cor marrom penduradas em um arbusto bem verde, era bem diferente de qualquer coisa que já tenha visto antes, tirando pelo fato de lembrar folhas secas, mas deduzi não ser isto já que o arbusto estava bem verde.
Olhei para o céu completamente azul, sem nem mesmo uma nuvem para atrapalhar aquela imensidão que se estendia pelo horizonte, aquela vista me dava vontade de deitar na grama e ficar contemplando ela por horas, até cansar. O vento estava agradável, apesar de estar forte e, por sorte, meu pijama sujo era bem confortável, mesmo que fosse um tecido mais fino, não me deixava sentir frio. E meus sapatos molhados, cobertos de lama, também estavam confortáveis.
Mais a frente, no final da estrada, conseguia avistar várias construções de pedra que julguei serem casas e que deveriam pertencer aos responsáveis por estas plantações. As casas eram distribuídas de forma aleatória pelo lugar, sem seguir nenhum tipo de padrão, não existia também nenhum muro ou cerca determinando o limite daquela possível aldeia o que também deixava difícil saber à entrada dali, tirando o caminho da estrada que seguia por entre as construções.
Ian estava andando em minha frente novamente, enquanto eu fiquei parada observando tudo. Ele olhava para os vários matos como se procurasse por algum em especial ou, assim como eu, estivesse curioso com eles. Não sei o que esse homem pensa.
Ele parou em frente às plantas de cor marrom e puxou duas folhas, deixando elas na mão enquanto andava. Resolvi correr até ele, ou ficaria muito para trás, assim que cheguei perto ele parecia ter adivinhado que iria perguntar.
―São ervas. Estas que peguei servem para o preparo de uma pomada, e essa pomada serve para estas queimaduras. O arroz que viu ali também é usado para medicamentos, no lugar de usar água na hora da plantação usamos uma mistura especial que apenas os herbologistas conhecem, quando o arroz é colhido o transformamos em pasta e usamos na medicina. A mesma coisa é feita com o trigo. E de resto são vários tipos de ervas, algumas existem no mundo humano, mas a grande maioria é existente apenas em Sacra, como estas. ―Ele balançou as duas ervas antes de guarda-las em seu bolso.
―E por que não tem ninguém cuidando das plantações, não é perigoso deixar aqui sozinho? ―Olhei em volta procurando sinal de vida, uma busca em vão.
―Sim, algumas criaturas podem invadir o campo e destruir tudo, mas tivemos uma emergência. Parece que fizeram um ataque na noite de ontem e todos que viviam aqui foram levados para o centro E3. Preciso saber da situação geral.
Apesar desse ataque, olhando em volta, não parecia ter acontecido nada. Tudo parecia estar em ordem, mesmo eu não sabendo como ali era antes. E como sempre Ian já imaginou o que se passava em minha mente e se adiantou.
―O que você está vendo é coisa da mente humana em conjunto com nosso encantamento, e mesmo eu não consigo ver o atual estrago. ―Ian olhou para os lados e cruzou os braços, quando ele fez isto pude ver um saco de pano pendurado no bolso dele. ―Parece que pela falta do dom os humanos são enganados facilmente. Antes de fugirem os moradores usaram um feitiço de disfarce, na qual aqueles de baixo poder não podem perceber os estragos, isso é feito para não alertar outros vilarejos, mesmo que os lideres já saibam da situação.
―Essa história de encantamento, dom, feitiço... Vocês fazem bruxaria? ―Entortei o nariz ainda olhando em volta.
―Que? Ah... Se me lembro bem no mundo humano contam esse tipo de coisa, mas não é bem assim. Muitos anos atrás os dois mundos tinham uma forte ligação e humanos quase sempre vinham parar aqui, da mesma forma que íamos para lá com mais frequência. Alguns dos humanos têm uma sensibilidade ao nosso dom. Este “dom” é a energia dentro de cada um que vive em Sacra, usando essa energia de forma correta somos capazes de usar feitiços, mas se não soubermos como utilizar podemos perder a vida, já que o dom é algo essencial para a gente. Os humanos que vinham para esse lado não conseguiam ficar por muito tempo já que não tinham a energia compatível com a nossa...
Ian parou de falar quando chegamos perto das casas, todas eram feitas de pedras brancas com portas de madeira, mais da metade tinha dois andares e a grande maioria era decorada com flores de todo o tipo. A primeira era cheia de margaridas nas janelas e algumas rosas presas na parede. Já a casa do lado tinha algumas tulipas na parede junto de várias fitas coloridas enlaçando as flores sendo bem diferente da casa da frente que era repleta de conchas do mar, e a vizinha sem decoração alguma. Apesar de ser uma mistura nas decorações era possível sentir um ar alegre e único, o que me deixava confortável. A mistura era agradável e cada decoração era única e muito bonita. Entre as casas identifiquei comércios de frutas, peixes, grãos e tecidos e todos abandonados.
O garoto sorriu observando o lugar, ele tinha me dito que ficou muito tempo no mundo humano talvez estivesse com saudades de casa. Ele percebeu meu olhar e logo voltou a ficar sério virando o rosto para o outro lado, eu formei um bico nos lábios o encarando, achava divertido ver as expressões dele já que na maioria das vezes ele ficava sério. Estávamos já no meio da pequena aldeia quando resolveu voltar a falar.
―Tudo aqui em Sacra contem uma energia, essa energia é ligada ao nosso “dom”, se alguém sem dom vem para cá não consegue suportar e adoece e mesmo em alguns casos não resiste. Mas na grande maioria das vezes mandamos o humano de volta ao mundo dele, se o humano for sensível ao “dom” ele consegue sobreviver e, se tiver sorte, pode aprender algum feitiço. Alguns voltavam ao mundo de origem após aprender sobre a gente, lá eles eram acusados de bruxaria e morriam queimados. Como a energia do mundo humano é diferente nossos feitiços são fracos e servem apenas para coisas bobas.
“Por conta disso, criamos os guardiões, igual aos seus pais de criação. Eles foram treinados para usar a energia da Terra. Os guardiões são responsáveis por manter a ordem entre os dois mundos, impedindo que criaturas de Sacra invadam lá e usem seus poderes para o mal, da mesma forma que impedem a entrada de humanos aqui. E fechamos os portais que ligavam os dois mundos e apenas os guardiões, ou guerreiros escolhidos, podem abri-los.”.
―Uau, isso é muito confuso, mas acho que captei a ideia. Então a bruxaria que conheço no meu mundo vem do dom de vocês? ―Ian apenas concordou com a cabeça, sem dizer nada. Acho que até mesmo ele deve cansar de falar tanto.
Meu guia parou de andar sem dar nenhum tipo sinal de que iria fazer isso o que resultou em uma bela trombada minha e um olhar de reprovação dele. Sem falar nada Ian apontou para uma casa bem velha, sem porta e sem janela a única forma de entrar nela é por um buraco no canto da parede. Não entendi o que ele quis dizer e apenas fiquei olhando, ele levou a mão até o rosto e balançou a cabeça, usou a outra mão para encostar a minha costa e me empurrar até a casa. Ele veio logo atrás.
A casa era muito pequena cabiam no máximo duas pessoas ali dentro, e isso se as duas ficassem espremidas. Ian ficou de frente para mim, o que deixou a situação bem tensa e se não fosse todas as outras situações que passamos eu, provavelmente, iria chutar ele para longe, mas até então apenas suspirei. Ele pegou do bolso um saco marrom pendurado, o mesmo que eu tinha visto antes e me olhou, como sempre sério.
―Elae, você provavelmente vai passar mal, mas se segure em mim.
―Passar mal por quê?
Não tive tempo da minha resposta, ao menos não por ele. Ian abriu o saco e despejou o conteúdo sobre a gente, era um pó escuro com um cheiro muito forte de algo podre. E eu, como uma boa menina e obediente, me segurei no Ian o mais forte que pude e enfiei meu rosto no peitoral dele, para tentar não sentir aquele odor horrível, que eu nem ao menos sabia dizer de que era.
Se eu tivesse o estomago mais fraco provavelmente diria adeus aos bacons de hoje cedo, assim como ia ficar devendo uma blusa nova para ele.
Minha mente começou a girar, era como se alguma coisa estivesse sugando meu corpo para baixo e quase perdi a consciência novamente, mas antes que isso pudesse acontecer eu senti um vento bem gelado bater em mim. Contra minha vontade afastei o rosto do corpo de Ian, o cheiro horrível tinha passado e a tontura também, e até mesmo a casa tinha sumido.
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