Dentro da nova sala era bem mais escuro que a anterior, as paredes eram em um tom azul marinho, no centro dela existia uma grande mesa branca com várias cadeiras. Parecia uma sala de reunião. Existiam também alguns armários, que também eram brancos, nos arredores da sala existiam umas seis pessoas vestidas com aquele uniforme azul, alguns seguravam pergaminhos, enquanto outros estava de braços cruzados. Mas todos pareciam discutir o mesmo assunto.
―Não quero saber o que você pensa, a ordem é para lançarmos o feitiço nas redondezas para a proteção do vilarejo. ―Disse um senhor barbudo e cabeludo, de barriga bem redonda, ele lançava um olhar irritado para uma garota menor que eu.
―Mas senhor, se esse feitiço for utilizado sem nenhum encantamento de segurança vamos acabar fazendo mal para as criaturas que vivem nas florestas. ―A garotinha aparentava ter uns 13 anos, era bem pequena, tinha as bochechas bem rosadas. O cabelo dela era enorme que chegava até próximo dos pés e tinha uma bela cor alaranjada.
―E acha mesmo que algum ser vivo tenha aguentado esse ataque? Se ao menos nossos especialistas em encantamento não tivessem sido levados para o Centro E2.
O homem barbudo largou na mesa o pergaminho que segurava, e ao fazer isso seus olhos se fixaram na gente que estava de frente para a mesa, uma de suas grossas sobrancelhas se arquearam e rapidamente ele ficou ereto lançando um olhar sério.
―Quem são vocês, jovens? Com a permissão de quem entraram aqui? ― Sua voz era grossa e alta que me fez dar um pequeno pulo no lugar, olhei para Ian que respirou fundo e colocando-se na minha frente disse firmemente.
―Perdoe-me a intromissão, eu sou Ian Clawford líder do Centro R1. Estou retornando hoje da missão que sai três anos atrás no mundo humano. Tive um problema ao abrir o portal, estávamos sendo atacado e, como não tive tempo de contatar ninguém deste lado, acabei usando um portal que já estava aberto. ―Ele curvou levemente a cabeça como forma de cumprimentar todos daquela sala e indicar que tinha finalizado.
A menina ruiva e o senhor ficaram em silencio, até que se olharam e a pequena deu alguns passos para frente ficando mais perto de Ian. Ela sorria animada para ele enquanto o analisava ao mesmo tempo.
―Então este é o famoso Ian. Acho que é a primeira vez que o vejo pessoalmente, só leio seus relatórios quando me mandam. ―Ela colocou a mão no braço dele e riu. ―Uau, você é bem magro! Quer dizer, normalmente os responsáveis são os mais fortes, mas ainda é bonitinho. De qualquer forma, me chamo Karen e sou líder da E4, que foi destruída ano passado.
―Minha força está em minhas habilidades, e não na minha aparência. ―Retrucou Ian. Pude perceber que ele não gostava de levar desaforo para casa. ― Recebi um aviso do Imperador que me informava sobre ataque de um ano atrás, sinto muito quanto a isto. E quanto aos ataques... O que aconteceu no campo?
Todos os presentes ficaram mais tensos, mesmo que estivessem ocupados analisando pergaminhos, não podiam deixar de ouvir o que era conversado, e todo aquele clima me deixava desconfortável. A menina suspirou e puxou uma cadeira para se sentar, indicou com a mão para que fizéssemos o mesmo que ela. O senhor barrigudo se manteve em pé, apoiando as duas mãos na mesa.
―Garoto, fomos pegos de surpresa. Você disse que usou um portal já aberto, mas não abrimos nenhum nesses dias, e isso explica o ataque e como eles fugiram tão rápido... Bem, claro que ninguém esperava o que ia acontecer, eles vieram a noite destruindo casas e atacando os moradores. A patrulha, por sorte, estava perto quando viu a fumaça e nos alertou. Aqueles monstros fugiram para a floresta.
―Eles abriram o portal? Pensei que apenas os guardiões pudessem fazer isso! ―Questionou Karen. Veio em minha mente algo que Ian tinha me dito e isso me fez sentir frio. Mordi meu lábio inferior criando coragem.
―Ian... ―Ele me olhou, ficando preocupado ao notar como eu estava. ― Apenas os guardiões podem abrir o portal?
Não precisei dizer mais nada, o garoto era inteligente e percebeu o que eu tinha pensado. Usou sua mão direita para jogar os fios de cabelo que caiam em seus olhos para trás e disse a minha ideia.
―No mundo humano, os guardiões responsáveis por Elae foram pegos. Eles devem ter usado o encantamento de controle, “Marionette”, para fazê-los abrir o portal. ―O líder analisou Ian, em silencio.
―Isso pode explicar como conseguiram abrir um... Mas ainda não entendo. ―Abaixei minha cabeça ouvindo Karen falar, meus pensamentos começaram a se focar em outras coisas, mas tive meus devaneios interrompidos pela voz alta do velho.
―Jovem Ian, você entende de encantamentos?
―Sim, minha família é especializada neles.
―Isso é ótimo! ―Karen sorriu e bateu as mãos, encarando o homem. ― Senhor, podemos pedir a ajuda de Ian.
―Ajuda para o que? ―Questionou o garoto do meu lado, meus olhos estavam mais uma vez fixos em seu rosto que, como sempre, estava imutável.
Nesse ponto eu já não estava mais entendo nada, a menina se esticou na mesa para puxar o pergaminho que o outro homem lia e entregou para Ian, mostrando algumas escrituras que pareciam vários rabiscos misturados com letras romanas que eu entendia. Ele leu tudo atentamente e colocou o pedaço de papel sobre a madeira branca, suas sobrancelhas ficaram arqueadas.
―Queremos usar esse feitiço, não sei se tem conhecimento dele, mas é muito poderoso e vai acabar vazando para as florestas e ele é letal para as fadas e...
―Aquela floresta é o ponto de colheita delas. ―Ian suspirou e cruzou os braços. ―O que pretendem exatamente?
―Vamos usa-lo apenas nas casas e nos campos, mas o encantamento é muito forte e sem uma proteção vai acabar atingindo a floresta e não podemos deixar isso acontecer. E é ai que você entra. ―O senhor tinha desisto de ficar em pé, finalmente, se sentando.
―Entendi, só temos um pequeno problema. ―Ian jogou o corpo para trás, mantendo o olhar erguido para o homem. ―Como podem ver, estou transformado em humano e como todos sabem, nosso poder diminui em 95% o que significa que no momento não tenho dom o suficiente para usar.
Outro homem, careca e com a pele esverdeada – talvez seja por conta da iluminação – que estava perto do barbudo disse algo bem baixo para apenas ele ouvir. O homem então se levantou novamente e indicou para que Ian o seguisse.
―Vamos até o laboratório, posso aproveitar e te explicar melhor a situação.
Ian me encarou por alguns minutos, ele tinha dito que ia me arrumar roupas novas e eu estava doida para tirar aqueles trapos sujos, mas entendi o olhar dele que me dizia para esperar mais um pouco. Podia jurar que vi um pequeno sorriso esboçado em seus lábios, mas como o local era fraco de iluminação não pude ter total certeza.
―Elae, me espera aqui. ―Sua voz saiu mais baixa que o normal e eu apenas assenti.
Não tinha muitas opções, Ian se levantou e seguiu o barrigudo pela mesma porta que entramos. Já eu fiquei ali sentada com aquela menina me olhando, além dos outros que voltaram a se concentrar no que faziam, pude notar pela primeira vez que os olhos dela tinham uma cor bem diferente, era um rosa escuro, mas muito bonito. Ela sorriu para mim e sentou no lugar que antes Ian usava ao meu lado.
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