Karen me levou até o outro lado do salão, onde tinha um estreito corredor, ao lado daquele que cheguei com Ian. Aquele corredor era mais escuro que os demais lugares, além de não ter nenhuma janela ou iluminação, a pequena parecia não se importar com esse detalhe e começou a saltitar enquanto me guiava. Bem no fim do corredor existia uma porta preta, minha pequena guia acelerou os passos chegando até aquela porta e a abrindo, sem nem mesmo bater antes.
Dentro daquela sala era tudo branco, o chão e as paredes, até os moveis, além de ser uma sala bem grande. Existiam duas camas de madeira, vários cobertores dobrados em cima de um banco que quase alcançava o teto. Do outro lado tinha um tanque de água que imagino ser usado para experimentos, já que Ian disse que eu seria levada ao laboratório, e uma grande mesa cheia de tubos, papeis e equipamentos médicos e em cima de um pratinho de vidro na mesa pude notar aquela planta marrom que Ian tinha pegado antes. Na parede, próxima da mesa, tinha um armário fechado, então só podia imaginar que dentro deveria ter remédios e coisas semelhantes.
―Onde é aqui exatamente? ―Enquanto olhava em volta questionei a menina, mesmo já sabendo.
―Aqui é a enfermaria e o laboratório, dois em um.
―Que... Prático. ―Preferi não me apegar a detalhes, muita coisa era estranha naquele lugar e uma enfermaria-laboratório era o mais normal por ali.
Karen que ainda estava saltitando foi até a porta de um dos armários e bateu várias vezes bem impaciente, eu estava a ponto de perguntar o motivo daquilo quando a porta abriu me surpreendendo.
De dentro do armário saiu uma mulher bem alta, seus cabelos dourados estavam bagunçados e seu rosto demonstrava puro cansaço, estava pálida e parecia não comer nada a um bom tempo. Ela vestia um jaleco branco então deduzi que era uma doutora ou cientista, por debaixo do jaleco usava um longo vestido branco. Os olhos dela também eram dourados e pareciam sem vida alguma.
―Que inferno, quem é? ―Ela olhou para baixo e viu a Karen sorrindo, e após um longo suspiro retribuiu o sorriso. ―Se não é minha pequena garota, o que te traz aqui?
―Vim trazer ela para algumas analises. ―A menina apontou para mim e depois foi até uma das camas onde se sentou, como se já tivesse concluído tudo o que tinha para fazer.
―E quem é essa? ―A mulher se aproximou de mim, ela era bem mais alta, deduzi ter 1,80 de altura, no mínimo. ―Você é o que? ―Seu olhar me analisava detalhadamente o que me deixou um pouco nervosa e minha voz falhou um pouco.
―Hm... Eu sou Elae... ―Mordi o lábio inferior, como sempre fazia ao ficar nervosa e desviei o olhar.
―Legal, e qual a tua espécie? Não me parece com uma humana normal... ―Ela ainda me analisava com os olhos, o que era bem desconfortável.
―Mas eu sou humana, porém vim de outro lugar.
―Uma forasteira? ―Parece que a moça tinha se animado, seus olhos recuperaram o brilho enquanto me olhava. ―Quantos anos faz desde que recebemos um?! Mas por que da analise, Karen? ―Ela olhou para a menina na cama, curiosa.
―Não faço a menor ideia. ―Karen deu de ombros e jogou o corpo para trás, deitando na cama. ―Ian me pediu para trazer, ele disse já ter te explicado.
―Ah! Então é essa a garota? Interessante.
A mulher esboçou um sorriso misterioso nos lábios e então cruzou os braços, e claro que sem parar de me analisar com o seu olhar penetrante.
―Hm... Quem é você? ―Olhei para Karen rapidamente, mas ela não estava dando a menor atenção.
―Oh, verdade! Eu me chamo Hein Mao e sou a responsável por este laboratório.
Apenas assenti em resposta mantendo meus olhos fixos em seu rosto cansado, ela parecia precisar de um bom descanso, sua aparência cansada talvez fosse por conta do ataque que Ian comentou, já que ela é responsável pelo laboratório e não via mais ninguém ali que pudesse ser auxilia-la no trabalho.
Hein caminhou até sua mesa e balançou a mão indicando que eu deveria me aproximar dela, e mesmo que contrariada fiz conforme ela pediu. Quando me aproximei a mulher pegou uma prancheta de sua mesa junto de uma pena tinteiro. Por curiosidade procurei pela tinta na mesa bagunçada, mas não localizei nenhuma.
―Certo, Elae, irei te fazer algumas perguntas para determinar se é ou não humana e caso não, vamos tentar descobrir sua espécie. ―E mais uma vez fiquei em silencio, apenas aguardando as perguntas. ― Vamos do básico, seu nome completo?
―Elae Sá.
―Esse é seu nome no mundo humano? ― Respondi rapidamente com um “uhum”, quando Hein fez a anotação notei uma claridade saindo do papel e refletindo em seu rosto. ― Seu nome de nascimento?
―Elae, mas não sei o nome da família já que fui adotada.
―Certo, e qual sua idade e altura?
―Tenho 20 anos e da última vez que medi eu tinha 1,64 de altura.
―Que adorável, e o seu peso? ―Hein esboçou um sorriso fino, o que não gostei muito.
―Hm... Não tenho certeza, acho que 66kg. ―Tinha uns dois meses, ou mais, desde que me pesei e confesso ter me acabado em bacon muitas vezes desde então.
―Você tem alguma memoria de Sacra? E algum dom ou habilidade especifica?
―Não. Segundo a história que Ian me contou eu fui levada para o mundo humano quando ainda era um bebê. E também não...
―Não fez nada de estranho que tenha te assustado? ― Hein variava o olhar entre sua prancheta e meu rosto, sempre escrevendo bem rápido as informações que eu passava.
Fechei meus olhos tentando pensar no que poderia se encaixar na pergunta feita, muita coisa tinha acontecido e era bem difícil pensar em algo. Cruzei os braços e respirei fundo, me lembrando de algo.
―Bem... Aconteceu algo estranho comigo duas vezes, mas não posso confirmar nada. ―Hein me lançou um olhar curioso. ―Quando eu era criança... O fogão de casa estava aceso e de alguma forma ele parecia ter criado vida... E hoje mais cedo foi a mesma coisa, quando fomos atacados.
―Hm... Isso é, no mínimo, interessante. ―Hein fez várias anotações e então me encarou. ―Elae, você consegue enxergar algo nas pessoas daqui?
―Algo? As vezes parece que eu vejo alguma coisa estranha nas pessoas daqui, rabo de animais ou orelhas, coisas que eu considero muito fora do normal. Mas se eu focar minha visão naquilo não consigo mais ver. ―A mulher arqueou uma sobrancelha enquanto fazia mais anotações e então sorriu para mim.
―Meus parabéns, apenas com isso aqui eu já consigo dizer que existe a energia de Sacra em seu corpo, mas para saber se é de nascença ou se só se adaptou preciso fazer uns testes.
Hein deixou sua pena sobre a prancheta e então pegou um potinho verde que estava próximo de vários outros, cada um de uma cor diferente, dentro do pote tinha um pó com um aroma agradável, se assemelhava com o perfume de rosas. A loira pegou o pó com os dedos e aproximou de seu rosto, assoprando eles em minha direção. Estava preparada para o incomodo em meu rosto, mas antes que ele se aproximasse sumiu completamente e assim a mulher de jaleco fez mais algumas anotações.
Ela, então, colocou sua prancheta de lado para poder procurar por algo em sua bagunça. Após alguns segundos de procura ela pegou uma folha de alguma planta com a cor alaranjada e me olhou, ainda sorrindo. E então usando sua pena ela desenhou um símbolo, que não consegui ver muito bem, na folha que logo começou a pegar fogo o que me fez dar dois passos para trás.
―Elae, se concentra no fogo. ―Sua voz soou firme e após uma rápida troca de olhares resolvi me aproximar. ―Quando sentir que for o momento, você vai tocar.
―O que?
―Confia em mim. ―Mais uma vez prendi meu lábio inferior por entre os dentes, os olhos amarelos de Hein estavam fixos em meu rosto, além dela ter uma expressão séria.
Respirei fundo e fechei meus olhos, para que desta forma conseguisse buscar concentração. Não era fácil confiar em uma mulher que acabei de conhecer e que mais me parecia uma cientista louca de qualquer outra coisa, mas pelo visto eu não tinha outras opções.
Depois de contar até cinco voltei a abrir meus olhos e encarei aquela chama laranja dançando em cima da folha de mesma cor. Quanto mais eu a olhava, mais aquela chama parecia se mover inquieta, no começo era apenas um movimento comum devido ao ar, mas agora era como se ela se debatesse na tentativa de fugir para incendiar alguma coisa.
Não sei dizer o que me deu, mas de forma inconsciente levei meus dedos até aquele fogo dançante e o toquei, como se acariciasse algum animal e para a minha surpresa, não senti queimação alguma. O fogo não me queimou.
―Isso é incrível! ―Levei um baita de um susto quando Hein exclamou alegre. Ela deu dois passos para o lado e assoprou a folha apagando o fogo que estava nela.
―O que aconteceu? ―Obviamente eu estava confusa, variava meu olhar entre meus dedos intactos, a folha que não estava queimada e Hein alegre.
―Você tem controle sobre o elemento fogo. ―Karen, que até então estava quieta, agora sorria sentada na cama enquanto me observava.
―Controle sobre o fogo?
―Sim. ―Hein ainda sorrindo pegou novamente sua prancheta e fez mais uma anotação. ―Sabe, aqui em Sacra tem bastante gente que controla os elementos, alguns são mestres, outros só o básico. Claro que só com isso não posso dizer qual o seu nível, essa parte vou deixar com Ian.
―Apenas acrescentando, cada um em Sacra tem uma ou duas especialidades mestre. No caso de Hein ela é mestre da água, uma das poucas nesse elemento. ―Disse Karen.
―Não só isso, eu sou ótima em encantamentos médicos, além de ser uma herbologistas excelente, modéstia parte. ―Ela sorriu após dizer seus dons, como eu não entendia muita coisa sorri de volta.
―E você Karen? ―Guiei meus olhos até a garotinha, esta que logo gargalhou.
―Oh, você não sabe não é? ―Hein entortou o nariz ao dizer. ―Ela gosta de enganar as pessoas então se especializou em ilusões.
―Não é assim, Hein! ―Karen bufou e cruzou os braços. ―Eu e meu irmão sempre tivemos um fascínio pela especialidade de nossa tia, que eram as ilusões, mas diferente dele eu fui a única a conseguir me especializar ao nível mestre.
―Oh! E que tipo de ilusão você faz?
As duas trocaram um olhar rapidamente e Karen então esboçou um sorriso travesso em seus lábios típico de uma criança prestes a aprontar.
―Bem, isso que você enxerga é uma ilusão. ―Hein comentou com uma voz engraçada, e ao olhar para ela notei que estava segurando o riso. ―Ah desculpa, mas é que... Karen é uma ilusão, não a pessoa, mas essa forma dela.
―Não estraga a brincadeira. ―A menina bufou e então cruzou as pernas. ―Muito bem, se é assim vou te mostrar minha verdadeira forma.
O sorriso permanecia no rosto da garota enquanto uma fumaça estanha saia de seu corpo. Aos poucos pude notar sua pele ficar esverdeada e várias verrugas surgirem em seu rosto, seus dentes se tornaram presas e seus olhos ficaram amarelos. E eu, bem, eu gritei.
―Pfft... ―Karen levou a mão até sua boca e começou a gargalhar o mais alto que podia, enquanto Hein revirava os olhos.
―Karen, eu adoro você, mas essa piada já está sem graça.
―Isso é uma piada? Então ela não tem uma “verdadeira forma”? ―Minha mão apertava meu peito direito como se aquilo fosse desacelerar meu coração, devido ao susto que levei.
―Ah não, ela tem sim. Vem aqui.
A mulher de cabelos dourados segurava sua prancheta e escrevia algumas coisas em letras romanas, provavelmente para que eu entendesse.
―O que está fazendo?
―Vou te mostrar meu truque. ―Hein sorriu e então voltou a escrever me mostrando o que fazia. ―Primeiro colocamos o nome da pessoa que está registrado em nosso banco de dados, no caso colocamos Kae Reli, sexo masculino... Idade, hm... Não informada... Espécie é tritão.
―Quem é esse? ―A mulher não me respondeu e quando olhei para Karen ela estava séria, com o rosto virado para o outro lado.
Hein continuou escrevendo várias informações de uma forma bem rápida que era difícil de acompanhar e logo após ela chegar ao final da página tudo o que estava escrito se apagou e no lugar surgiu uma imagem de um homem, o rosto era bem parecido com o da Karen, a diferença era que suas sobrancelhas eram mais grossas, além do nariz ser mais largo também.
―E pronto, está vendo? ―Ela encostou a ponta da pena no rosto e como se fosse um Ipad super tecnológico várias informações apareceram, porém, as letras pareciam pular para fora do papel deixando a imagem para trás.
―Poderia, por favor, não acessar o registro dos outros dessa forma? ―Karen bufou e lançou um olhar sério para Hein, que não se importou.
―Oras, não precisa fazer essa carinha eu sei tudo o que preciso sobre você, querida. ―A mulher piscou e então voltou sua atenção para as informações.
Eu, como sempre, não estava entendo mais nada. Levei minha mão direita até meu queixo, cutucando meu indicador em meu lábio inferior enquanto raciocinava.
―Quem é essa pessoa? ―Meus pensamentos estavam uma confusão e não conseguia pensar muito bem naquele momento então preferi perguntar. ―É sua verdadeira forma?
―Não! ―Karen se levantou com tudo, ela parecia não ter gostado da forma que insinuei e mais uma vez vi fumaça saindo de seu corpo até que não me deixava mais enxergar nada. ―Esta é minha verdadeira forma.
Ao dizer isso o vapor que estava ali se dissipou e mais uma vez me surpreendi. No lugar da pequena garotinha de antes agora existia uma mulher alta, de cabelos ainda compridos. Seus seios eram maiores também, assim como tudo mais. Era uma verdadeira mulher adulta, e com muitas curvas em seu corpo, de me dar inveja.
―Isso é mais um truque? ―Questionei Hein que apenas sorriu e negou com a cabeça. ―Mas... E esse homem? ―Karen bufou.
―Ele é meu irmão gêmeo. ―Quando Karen finalizou sua sentença notei Hein ficar séria e então suspirar, talvez existisse algum problema com esse irmão e por isso ela parecia tão desconfortável.
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