O corredor era como o primeiro, bem espaçoso e largo. O que diferenciava eram as grandes janelas com vista para um bosque bem iluminado onde várias esferas de energia se moviam, deduzi que eram fadas já que se parecia com as que eu vi mais cedo com o Ian. O garoto estava poucos passos a minha frente, mesmo que ainda segurasse minha mão.
Hendri olhou para trás e analisou minha expressão, eu obviamente esta fascinada com tudo aquilo. Apesar de ter acontecido tão rápido ali era um local muito bonito.
―Você... Não consegue enxergar a verdadeira forma das coisas aqui, não é?
―C-como você sabe?
―As fadas são as criaturas mais feias em Sacra... Ninguém olharia para elas dessa forma.
Desviei meu olhar das esferas de luz e então encarei Hendri, assustada. Como poderia uma fada ser algo feio? De acordo com as histórias infantis elas são encantadoras e quando falam fazem som de um sino, e eu não quero destruir minha fantasia.
Antes mesmo de eu dizer qualquer coisa o garoto gargalhou alto e me puxou para o lado dele, apertando levemente minha mão.
―Estou brincando, as fadas são lindas. Eu mesmo já tive um caso com uma, mas ela me deu o fora...
―Não me assusta assim! ―Lancei um olhar o repreendendo pelo o que fez. ―Mas... Como é a forma das fadas?
―Desculpe, desculpe. ―Pelo riso em seus lábios pude entender bem que ele não se arrependia da brincadeira. ―Quando estão voando por ai elas tem uma forma bem pequena que cabe até mesmo na palma de minha mão, mas elas mudam de forma, ficando do tamanho de um humano normal. Mas bem, elas podem voar mesmo estando em um tamanho maior.
―Hum. ―Voltei a olhar para as janelas, admirando aquelas esferas que se moviam de forma tão delicada por entre as arvores.
―Isso me lembra, existe uma fada que é apaixonada pelo Ian! Que cara sortudo.
―Uma fada?
―Uhum! Por conta disso ele consegue pó de transporte gratuito enquanto eu tenho que gastar para ter, injusto não acha? ―Ele formou uma expressão adorável em seu rosto, parecia uma criança emburrada.
―Essa fada se chama “Sasha”? ―Não sei bem porque, mas me lembro daquela que conversou com Ian quando chegamos.
―Como sabe? ―Seus olhos voltaram a me analisar.
―Quando cheguei aqui... Parece que uma fada chamada Sasha estava lá no portal e ficou conversando com ele.
―Sasha é muito ciumenta, ela não te fez nada?
―E por que faria? Ian está, aparentemente, cumprindo uma missão que lhe foi passada, além de que ele é insuportável. ―Ouvi apenas um “hum” vindo dele e um riso junto.
Hendri não falou mais nada e ficou apenas o silencio entre nós dois, virei o rosto para tentar ver sua expressão, mas ele estava olhando para o outro lado.
Continuamos a caminhar sem nenhum dos dois falar mais nada. A mão de Hendri estava quente e em comparação com a minha ela era bem grande. Sentia-me confortável perto dele, talvez por conta do jeito alegre e animado que ele mostrava para todos, mas depois da pequena conversa que tivemos penso que ele apenas finge ser desse jeito, para não preocupar aqueles a sua volta.
Diferente do primeiro corredor este não era tão grande e no final tinha uma grande cortina no lugar de portas ou portões, não demoramos muito para chegar até ali e passar pelos tecidos brancos. Por de trás das cortinas existia um refeitório, pude deduzir pelo forte cheiro de carne que preenchia o local, meu estomago logo deu sinal de vida e eu esperava que Hendri não tivesse escutado.
Existiam muitas mesas redondas distribuídas aleatoriamente pelo cômodo, essas mesas eram cercadas por cadeiras e todas estavam vazias, talvez ainda não fosse à hora do almoço.
O garoto continuou me puxando até um grande balcão onde estava uma senhora de cabelos brancos e fortes linhas de expressões no rosto, ela trabalhava cortando vários legumes de uma forma muito ágil.
―Ei! ―Hendri sorriu e acenou com sua outra mão, a senhora levantou o olhar e suspirou.
―Hendri, quantas vezes já te disse que não vou te servir antes do horário?
―Ah, mas não é para mim. ―Ele riu e a senhora olhou novamente, dessa vez em minha direção.
―Ora, vejo que finalmente arrumou uma namorada.
Obvio que não pude evitar ficar constrangida com o comentário, notei que Hendri também tinha ficado e logo soltou a minha mão que ainda estava segurando e se afastou alguns passos.
―N-Não é isso! ―Ele respirou fundo e coçou a nuca, sem jeito. ―Ela veio do mundo humano, Ian a trouxe...
―Oh, minha nossa, perdoe-me! Ian ficaria furioso se eu confundisse a noiva dele com a namorada de meu neto.
―Que?! Não! Eu não tenho esse tipo de relacionamento com o Ian... E neto? ―Olhei de um para o outro, sem conseguir notar semelhança alguma entre eles.
―Por que para você tudo é voltado a namoro? Elae me desculpe pela minha avó, ela é meio fixada em coisas românticas. E sim, não temos semelhança nenhuma, mas ela é avó por parte de pai.
Voltei a olhar para a senhora atrás do balcão, ela sorriu para mim e então pude notar a semelhança entre os dois. Eles sorriam da mesma forma.
―Você é muito chato, Hendri, por isso digo que puxou a tua mãe! E o que você quer?
―Não vamos começar... ―Ele suspirou e apoiou o corpo no balcão. ―Ela chegou bem cedo e está sem comer nada, pensei que você poderia abrir uma exceção para ela.
A avó me olhou dos pés a cabeça e então bufou virando-se de costas, Hendri sorriu animado e fez um sinal positivo com o dedo indicando que tinha conseguido. Claro que eu agradeci e retribui o sorriso para ele, estava faminta e mal via a hora de comer alguma coisa.
Não demorou muito e ela voltou com uma tigela com bastante carne, vários grãos e bastantes folhas verdes. Com a fome que estava não me importava o que era, poderia até mesmo comer a tigela. Hendri formou um imenso bico nos lábios quando não recebeu nenhuma comida, ele teria que esperar o horário junto de todos os outros.
Depois de pegar minha comida seguimos para a mesa mais próxima e nos sentamos, ele cruzou os braços enquanto olhava em volta, talvez tendo a certeza de que ninguém iria atrapalhar minha refeição. Encarei a tigela e logo usei o garfo cedido pela senhora para pegar um pouco daquelas folhas e leva-las até minha boca. Por mais estranho que possa parecer elas não tinham gosto algum, era como se estivesse mastigando um nada, mas mesmo sem ter gosto podia notar que era nutritivo. Logo depois resolvi atacar a carne e para a minha alegria era bem suculenta, não consegui reconhecer de qual animal era, mas a podia afirmar com toda certeza de que era a melhor carne que já comi em toda a minha vida.
Minha refeição foi silenciosa, não contei o tempo, mas comi tão rápido que quando notei a tigela estava toda vazia. Respirei fundo e afastei a tigela para o lado, apoiando o braço na mesa e deitando o rosto nele.
Enquanto olhava para as paredes escuras fiquei pensando em tudo o que tinha me acontecido até aquele momento. Minha casa foi atacada, meus pais foram sequestrados, eu fui arrastada para outro mundo, descobri que não sou humana, isso sem contar as histórias de Sacra que por algum motivo me interessava tanto que não conseguia deixar de pensar, queria saber mais sobre aquele lugar.
“Mine sempre foi apaixonada por histórias de fantasia, iria amar esse lugar.” Meus olhos se fecharam enquanto pensava em minha irmã, sempre fomos muito próximas e por isso sempre sabíamos dos segredos uma da outra. Lembro-me que antes de sua pequena viagem para a casa de sua amiga Mine me contou de um sonho estranho onde eu desaparecia e a deixava sozinha. Sem perceber fiquei relembrando de vários momentos com ela e um bobo sorriso se esboçou em meus lábios, com os olhos fechados podia imaginar seu belo rosto delicado.
Hendri me observou em silencio, ao menos podia sentir seu olhar em mim mesmo com os olhos fechados, mas não conseguia imaginar que tipo de expressão ele fazia. Apesar de aquele lugar ser estranho e ter muitas pessoas também estranhas, me sentia bem ali e ainda existiam aqueles como Hendri, que eram gentis.
Não sei dizer quanto tempo fiquei daquele jeito na mesa, talvez eu tenha até mesmo cochilado sem nem ao menos perceber. Quando notei, o garoto a minha frente cutucava minha bochecha com seu dedo enquanto chamava meu nome com uma voz baixa.
―Ei, Elae. Vamos sair daqui, está começando a chegar pessoas.
Aos poucos abri meus olhos, podia senti-los mais pesados, tentava acostumar minha vista com a claridade do lugar. Meu braço estava dormente e devido àquela sensação de formigamento fiz uma careta, entortando os lábios. Movi os braços para me livrar da dormência e aproveitei para me espreguiçar. Hendri estava sorrindo para mim e automaticamente retribui o sorriso dele.
Depois de uma longa espreguiçada levantei o corpo, iria pegar a tigela para devolver para a senhora, mas ela não estava mais ali então deduzi que o rapaz tinha levado em meu lugar. Hendri se levantou logo em seguida, movendo a cabeça para o lado e indicando que eu deveria seguir por aquele caminho este que seguiu por ele também.
―Ian me pediu para te acompanhar, mas ele realmente poderia ao menos ter te mostrado o lugar! ―Hendri bufou e colocou as mãos na cintura. ―Vamos ver, já te trouxe para comer, já foi na enfermaria, já viu o vestiário... Acho que seria uma boa providenciar roupas para você.
―Você acha? Para mim sua jaqueta está ótima. ―Claro que eu não tinha a intenção de ficar com ela, mas não queria dar trabalho para ele.
―Realmente, mas as minhas fãs vão ficar enciumadas de te ver com ela.
―Fãs? ―Arqueei a sobrancelha e o fitei. Hendri apenas gargalhou.
―Vai que eu tenho alguma, nunca se sabe. Mas sendo sério, Ian me pediu para providenciar um uniforme para você e deixou até mesmo uma ficha pronta.
―Uma ficha? ―Tínhamos voltado pelo mesmo corredor de antes, com vista para as fadas.
―Sim, como ele é líder de tropa pode solicitar um uniforme e essas coisas burocráticas e por isso preencheu uma ficha para você, fico surpreso dele saber o tamanho que você usa.
Não era para menos, ele me carregou boa parte do caminho e tirando que deve ter vasculhado minha casa enquanto estive desmaiada. Ian demonstrava ser muito inteligente então prevendo o que iria acontecer deve ter ido atrás de informações sobre mim. Além de que ele parecia ter contato com os meus pais, e deve também ter perguntado coisas sobre mim.
Hendri parou de andar subitamente me fazendo dar de cara com as costas dele. Seus olhos estavam quase saltando para fora, fazia uma expressão bizarra.
―Espera ai. Não tem como ele saber, atualiza aqui na ficha. ―Ele me entregou uma folha dobrada e uma pena tinteira, igual ao que Hein usava.
Peguei o papel e a pena da mão dele, variando meu olhar entre os dois itens em minhas mãos. Desdobrei aquela ficha e li as informações escritas nela. Se eu já não tivesse previsto aquela situação teria soltado um berro com a surpresa que iria levar, porém já sabia que seria assim. Todas as informações estavam corretas, mesmo minha altura, peso, tamanho do busto e cintura, absolutamente tudo correto.
Perto de meu nome na ficha existia um campo sem descrição na qual Ian preencheu dizendo que eu iria trabalhar junto com ele, não como subordinada, mas como parceira. Não sei dizer bem o motivo, mas fiquei feliz com isso. Pensando melhor, seria horrível se ele me tratasse como alguém inferior.
Sem perceber, enquanto lia, um sorriso surgiu em meus lábios, deveria estar impressionada com a bela letra que o Ian tinha. Dobrei a folha novamente e entreguei para Hendri.
―As informações estão todas corretas. ―Disse dando de ombros.
―Como ele poderia saber a numeração do seu busto e cintura?
―Quem sabe? Talvez ele tenha chutado só olhando para mim. ―Dei de ombros mais uma vez. Hendri parecia ainda encucado com a ideia, mas resolveu não perguntar mais.
Continuamos nossa caminhada voltando ate aquele salão principal que agora estava tão vazio, provavelmente parte daquelas pessoas tinham ido até o refeitório ou resolveram fazer algo que não seja ficar encarando os novatos da cidade. Claro que eu entendo que não é sempre que vemos algo incomum aparecendo em seu lar assim, mas eles ao menos poderiam ter um pouco de bom senso em não ficar encarando os outros. Respirei fundo e balancei a cabeça para os lados, de nada adiantava ficar pensando nisso agora.
Hendri parou de andar e pediu para que eu fosse até o vestiário novamente, me disse que o feminino era a porta ao lado do que tínhamos entrado antes, ele iria pegar o uniforme e por isso eu deveria ir indo na frente.
Fui para muitos lugares hoje em um curto período de tempo, se eu não tivesse a mente boa provavelmente iria me perder, mas o local ali era fácil de decorar apesar das várias portas e corredores.
Voltei a subir as escadas de antes e segui até quase o fim do corredor de cima, parando em frente à porta que deduzi ser a certa. Respirei fundo e fechei os olhos torcendo para não ter errado. Quando voltei a olhar sorri animada, era um vestiário de fato e pelo forte cheiro doce imaginei ser de algum perfume feminino e por isso deveria estar no lugar certo.
Comments (0)
See all