Aos cinco anos, aprendi uma coisa surpreendente sobre minha existência.
Era um dia agradável. Eu me lembro que estava usando um simples vestido de lã, que meu cabelo havia sido penteado em duas tranças e que eu estava muito feliz. Eu tinha acabado de voltar de uma aula de magia lecionada por Elbern e eu queria mostrar o que eu tinha aprendido para minha família. John, meu irmão, estava ocupado com algum dever de cálculo, então eu iria mostrar primeiro para meus pais.
- Mamãe, papai, olhem! – exclamei, abrindo a porta e correndo até eles.
Com eles me observando, eu me concentrei e, na palma das minhas mãos, surgiu um fogo cálido e laranja. Estendi as chamas até meus pais, exibindo-as com orgulho. Mamãe e papai suspiraram de surpresa. Em seguida, fiz o fogo sumir.
Para minha próxima demonstração, eu fui até a mesa de jantar, onde se encontrava uma jarra vazia. Subi em uma das cadeiras, coloquei a jarra na minha frente e conjurei uma corrente de água que saía de minha mão e caía na jarra, enchendo-a. Após tê-lá preenchido, mostrei a jarra aos meus pais, que bateram palmas para mim.
- Incrível, né? – exclamei, descendo da cadeira – Eu já sei o básico da magia de fogo e de água! Agora, eu posso acender o fogão ou encher as bacias sempre que vocês precisarem, então não hesitem em me chamar! E sabe o que o Elbern me disse? Que eu aprendo rápido e que posso ir longe!
Saber que eu tinha potencial para me tornar uma maga poderosa me fazia pular de empolgação e o barulho das minhas botas contra o chão de madeira se repetia várias vezes. Entretanto, meus pais estavam estranhos. Parecia que havia uma preocupação no fundo de suas mente que estava se alastrando e se sobrepondo à felicidade deles.
- Amaris, minha filha… Isso é maravilhoso, mas… – Minha mãe, Ninfa, começou a falar, hesitante. Ela olhou para meu pai, Cyrus, em busca de apoio.
- Nós temos que te falar uma coisa importante – Ele anunciou, com um vacilo evidente em sua voz.
- Eu tô encrencada? – Perguntei.
- Não, não! – mamãe rapidamente negou – Venha, vamos para seu quarto. Papai e eu vamos te explicar.
Mamãe e papai, cada um, seguraram uma mão minha e me levaram para meu quarto, porém eu podia sentir que eles estavam segurando minhas mãos com mais força que o normal. Eu engoli seco, com medo do que eles iriam me dizer.
Assim que entramos, meus pais fecharam a porta e eu me sentei na minha cama. Em seguida, eles vieram até mim e sentaram-se ao meus lados.
- O que vocês querem me contar? Porque vocês estão com essa cara? – perguntei.
Mamãe apertou minha mão e, após respirar fundo, começou a falar:
- Filha, você está crescendo e está começando a conhecer pessoas fora desta casa.
Concordei com a cabeça. Aquilo era verdade. Eu não era muito sociável durante meus primeiros anos de vida e era uma criança mais caseira. Se eu passava tempo fora de casa, geralmente era no quintal. Após Elbern começar a me ensinar magia, eu comecei a sair mais de casa.
- E você deve ter percebido que existem pessoas que são bem diferentes das demais. Tipo o Elbern.
- É por causa das orelhas, né? O Elbern disse que ele é um elfo, por isso que elas são compridas – peguei na ponta das minhas orelhas e as puxei um pouco, tentando imitar as de Elbern.
- Assim como Elbern, você também é diferente dos demais.
- Como assim? – Arqueei as sobrancelhas, confusa – Eu não sou um elfo. Eu me pareço com as crianças da cidade.
- Exato. Você se parece com elas, mas não é como elas.
- E como eu sou diferente?
- Aquelas crianças são humanas. Você não é.
Essa frase me soou tão absurda, ao ponto que eu não conseguia controlar minha fala e dizia exatamente o que me via a cabeça.
- Não… sou? Não faz sentido! Se eu não sou humana, o que eu sou?
Meus pais, apesar de seus rostos expressarem aflição, mostravam estar sendo compreensivos. Eles já sabiam que minha reação seria aquela.
Foi papai quem respondeu a minha dúvida.
- Você é um ser chamado homúnculo.
Homúnculos… nessa hora, eu me lembrei de tudo que eu sabia a respeito deles. Em algumas histórias que eu li, eles tinham um mestre e faziam o que mandavam tipo um golem, mas eram iguaizinhos aos humanos e eram capazes de raciocinar. Em outras histórias, eles eram pequenas criaturas humanoides com asas, tipo diabretes.
Mas como seria os homúnculos que meu pai estaria falando?
Com isso em mente, lembrei de uma vez que eu o ouvi falar essa palavra:
- Eu acho que eu já ouvi você falar algo parecido, papai… Homúnculos não são aquelas pessoinhas que vem dos tubinhos?
Papai riu um pouco.
- Alguns homúnculos vem dos tubinhos, mas não é uma obrigação. Os homúnculos são pessoas que foram feitas de forma diferente dos humanos. Os humanos são feitos na barriga da mamãe, enquanto os homúnculos são feitos nos laboratórios.
- Eu fui feita no laboratório?
Mamãe e papai concordaram.
- Se a única diferença entre eu e as crianças é que eu não vim da barriga da mamãe, então por que vocês estavam com uma cara tão estranha?
- Sabe, – papai respirou fundo antes de continuar – quando alguém faz um homúnculo, geralmente é porque ele quer um servo.
- Servo?… Eu sou uma serva? – Sem perceber, falei o que pensava.
Meus pais pareciam ter ficado tristes pelo o que eu disse, pois eles me abraçaram com força e afagaram minha cabeça.
- Não. Nunca foi e nunca será – Mamãe me respondeu.
- Mas, se eu não sou uma serva, o que eu sou?
Papai se levantou da cama e se ajoelhou na minha frente, segurou minhas mãos, olhou-me nos olhos e disse:
- Nossa filha.
- Mas então por que eu não vim da barriga da mamãe?
- Sua mãe e eu tentamos, tentamos muito, mas não conseguimos. Eu não suportava ver sua mãe triste, então eu decidi me desafiar e fui atrás de aprender sobre a criação de um homúnculo. Não foi fácil, levou tempo, mas no fim eu consegui e você veio ao mundo.
Eu arfei de admiração. Papai havia ido tão longe só para ver mamãe feliz de novo, que nem as histórias que eu já havia lido antes!
- Como pode ver, – Mamãe continuou de onde papai havia parado, enquanto acariciava meus cabelos – Você foi feita para ser nossa filha, então você “nasceu” como um bebê, mas homúnculos não envelhecem naturalmente e você não podia continuar como um bebê para sempre. Então, de tempos em tempos, quando você estava dormindo, eu usava magia de metamorfose em você para parecer que estava crescendo como todo mundo.
Olhei para meus braços e pernas. Eram do comprimento e grossura de uma criança saudável de cinco anos. Nunca que eu suspeitaria que meu crescimento não era natural.
Entretanto, eu tinha uma dúvida a respeito dessa revelação de eu ser uma homúnculo.
- Por que vocês estão me contando isso agora?
“Não fazia mais sentido esconder isso de mim para sempre?” Eu queria adicionar, mas evitei, por medo de magoá-los.
Mamãe também levantou da cama e se ajoelhou em minha frente.
- Porque você merece saber sobre si mesma – mamãe segurou minhas mãos junto com o papai – e porque isso é um segredo que você precisa aprender a manter. Se descobrirem, vão te olhar com outros olhos, vão achar que você só serve para ser mandada.
- Mas eles não tem provas de que eu fui feita em laboratório, então como eles descobririam?
- Há algumas formas. O método mais comum é o envenenamento. Como homúnculos são imunes a venenos comuns, basta-lhe dar algo envenenado e ver como irá reagir – papai explicou – Portanto, tome cuidado com isso. Pode haver momentos que você precisará fingir fraqueza.
Assenti com a cabeça para expressar meu entendimento.
- Filha, como você está se sentindo? – Mamãe perguntou.
- Mesmo eu não sendo humana que nem vocês, vocês ainda são meus pais, não é?
- Sim – eles responderam ao mesmo tempo.
- E vocês vão continuar sendo meus pais para sempre, não é?
- Claro.
- Então eu estou bem!
Em um movimento rápido, inclinei meu corpo para frente e abracei os dois ao mesmo tempo. Aliviados com a minha aceitação, mamãe e papai me abraçaram de volta. Agora que eu tinha assimilado melhor as informações sobre minha pessoa, eu estava feliz com essa revelação.
Enquanto eu abraçava meus pais, eu pensei “Uma homúnculo… que irado! Além de ter reencarnado em um mundo de fantasia, eu ganhei um corpo tão incrível! Talvez eu até possa me tornar uma maga cuja magia supera a de um ser humano! Tenho certeza que essa nova vida vai ser melhor do que a anterior!”
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