Me considero uma pessoa completamente tranquila, possivelmente nasci assim por culpa dos chás de camomila que a minha mãe tomava em sua era gestacional, pode se dizer que sou fruto de um casal que não para por um minuto e que tacaram camomila em mim para não puxar esse lado deles, uma pena eu ter puxado o lado estressado e ansioso. Meus pais sempre me disseram que eu sou a mais inteligente da família, e parando para pensar agora, eu definitivamente sou. Quem em juízo perfeito toma chá de camomila todo santo dia quando está grávida? Ainda mais todos os dias? Quando perguntei para a minha mãe quando ela parou de tomar chá, ela apenas me respondeu:
— Parei quando você nasceu, depois comecei a te dar chá na mamadeira quando o pediatra disse para iniciar a introdução alimentar.
Constantemente preciso respirar fundo quando me lembro disso. Ela não avisou ao pediatra que me dava chá de camomila, nem avisou que tomava na gravidez, ela só parou de me dar o chá quando eu gorfei no pediatra e o cheiro de camomila subiu alcançando as narinas dele, e enfim fui salva de continuar com o chá. Apesar de tudo, fui criada com muito amor, ou pelo menos fui criada desse jeito até aos nove anos. Desde a separação de meus pais, é como se eu estivesse sozinha a todo o tempo, meu pai praticamente mora em seu trabalho e mamãe com seu trabalho de aeromoça não pode me ver por muito tempo, pelo menos nas férias consigo viajar com ela pelo mundo é assim colecionando memórias dos nossos momentos de mãe e filha.
Suspiro imersa em meus pensamentos, quando abro meus olhos vejo que estou sentado em posição de borboleta me alongando para mais um treino de karatê, tive sorte do sensei não prestar atenção ao alongamento dos alunos de faixa azul e ele não vai prestar atenção em sua única aluna de faixa marrom, gosto de me destacar em tudo que faço, se ouso entrar em algo novo, eu preciso fazer perfeito já que a pessoa que me ensina está dando um pedaço do seu dia só para que alguém inexperiente aprenda, e em lutas o meu oponente treinou por anos até chegar aonde está, não dar o meu melhor no que faço é dizer que tudo que as pessoas que me ensinaram, que me ajudaram, que foram meus oponentes perderam anos de suas vidas para uma garota que experimentar algo novo e nem ao menos levou a sério.
— Você está bem? — Rilley me pergunta — se não estiver pode ir descansar na enfermaria, posso dar a aula aos novatos no seu lugar hoje.
Rilley é a minha colega atual, digo atual pois a cada ano troco de escola, as vezes não chega a durar ano e sim meses, Rilley foi a primeira garota a se aproximar de mim quando fui matriculada no primeiro ano. Ela foi a primeira colega a ser considerada atual por mais tempo, fizemos um ano de amizade e já estamos em maio, oficialmente temos um ano e três meses de amizade, um novo recorde em minha vida agitada.
— Estou bem, só me perdi em meus pensamentos — tento dar um sorriso animador, mas não tem nada de animador em mim no momento, relembrar do passado me trás micro pontadas em meu coração, antigamente era pior.
Terminamos o alongamento, Rilley e eu fomos aos alunos de faixas brancas os instruir de como se alongar sem se machucar.
— Vai fazer o que neste final de semana? — ela me pergunta enquanto ajuda uma garota a tocar os dedos dos pés —
— Vou sair com o Jake, ele me convidou para ir ao cinema — mudo para a posição borboleta e os alunos começam a me copiar —
— Vai sair os dois dias com ele?
— Não, vamos sair no sábado e domingo ficarei em casa com meu pai preparando para a chegada da mamãe.
Rilley dá uma risada baixa.
— Que foi? — indago —
— Acho fofo a sua infantilidade de chamar a sua mãe de mamãe.
— Eu não ligo para o que acham sobre isso, só a minha opinião importa quando o assunto é como eu chamo os meus pais — me levanto ficando de pé, seguro a minha perna direito com as duas mãos me equilibrando em uma perna — não falto com respeito com eles, não vejo o mal de chamar minha mãe de mamãe.
Durante minhas mudanças de cidade, aprendi que conforme eu criava laços via como eram as pessoas, não consigo mais considerar alguém como amigo, não depois de nunca receber mensagens após minha partida, decidi que o melhor é aproveitar o presente como se o futuro fosse o fim de tudo. Pessoas arrogantes sempre vão existir e deixar transparecer, esse tipo de gente não é nenhum pouco perigosa, quem age como um anjo são os que me dão medo, não dá para saber o que pensam ou o que vai fazer, o jeito é desconfiar de tudo e de todos.
Sábado chegou em um piscar de olhos, levanto de minha cama reparando em meu quarto. Talvez seja hora de mudar a decoração, chega das plantas de plástico que decoram as prateleiras com os livros, a cor nude das paredes que transparece a vibe de garota diferente das outras, não sou diferente das outras, eu sou igual a todas as garotas. Amo maquiagem e se deixar eu ando sempre com um kit de emergência para disfarçar as olheiras profundas, minhas unhas são curtas por conta do karatê, mas não me impede de pintar a cada semana de uma cor conforme meu humor, gosto de vestidos e só não uso salto diariamente por conta das dores nos pés. Em minha estante tem livros de histórias de fantasia, romance e astronomia. Sou completamente igual a qualquer uma, eu nunca havia pensado nisso e definitivamente preciso mudar a decoração do quarto.
Meu celular vibra revelando ser Jake me informando que chegou. Corro a porta da frente abrindo e revelando o segundo garoto mais lindo que já vi, cabelos loiros com um topete de onda, olhos azuis de águas cristalinas, sinto seu cheiro de perfume amadeirado. Sua calça camuflada poderia ter seu nome adicionado ao lado da definição em um dicionário, Jake usa tanto que nem ao menos imagino ele usando outro estilo.
— Oi — digo recuperando meu fôlego, de fato Jake tem um beleza que me arrancou alguns suspiros—
— Oi meu bem, cheguei cedo? — ele adentra a casa —
— Não, já estou pronta se quiser ir.
Jake me olha da cabeça aos pés.
— Vai assim?
Olho minha calça jeans verificando se tinha alguma mancha, minha blusa também aparenta estar normal.
— Tem algo de errado? — questiono —
— Você sempre usa saia ou vestido quando sai comigo.
— Vamos ao cinema e não quero passar frio como da última vez.
— Posso te emprestar meu casaco de novo.
O clima está fresco, seria um problema usar saia ou vestido com os ventos que estão surgindo do nada na cidade, o casaco de Jake não vai me esquentar no gelo da sala do cinema, não me esquentou da última vez.
— Prefiro ir desse jeito, está ventando muito e não quero ficar abaixando a saia toda vez.
— Pode colocar um short por baixo.
— Continuo querendo ir assim — afirmo —
Jake fica sério e solta seu ar pesadamente pelas narinas.
— Como queira.
Ao chegar no cinema penso se deveria comer algo, da última vez Jake quis assistir um filme sangrento que fez com que tudo que eu havia comido se revirasse o tempo todo, não senti medo e sim nojo de algumas cenas.
— O que vamos assistir? — pergunto me preparando mentalmente —
— Quer escolher? Não tenho nenhum em mente hoje.
Por um milagre do destino, vou poder escolher um filme hoje. Jake não gosta que escolho os filmes, a primeira e última vez em que escolhi foi em nosso primeiro encontro, pedi por um filme de comédia pastelão com aquele romance básico, Jake odiou e desde então deixei com que ele escolhesse para não haver um clima ruim entre nós.
— Quer ir pedir o que vamos comer enquanto compro os ingressos?
Jake que estava mexendo no celular sem prestar muita atenção murmurou algo inaudível e o deixo de lado indo comprar o ingresso.
Jake não gosta de romance, já assisti alguns filmes de comédia porém não há nada no cartaz que seja similar ao que assistimos, ele gosta de terror, mas não quero ter meu estômago se revirando, algo como ficção científica ou ação devem ser escolhas melhores. Procuro entre as sessões achando o décimo filme de corrida, acompanhei todos os nove filmes com meu pai e apesar do enredo ter sido trocado de corridas clandestinas por vilões que viraram mocinhos salvadores do mundo que se importam apenas com a família, é divertido. Eu sempre tento ignorar o fato de um carro atravessar três prédios ou quando eles mandaram um carro antigo com foguetes para o espaço. Quem sou eu para criticar quando ignoro o fato dos meus filmes preferidos terem espaço naves que explodem no espaço?
Compro o ingresso e volto com eles já em meu celular, Jake continua enfiado no celular.
— Jake? — tento chamar a sua atenção — Jake? — estalo meus dedos em cima da tela do celular conseguindo chamar sua atenção — o que tem de tão importante para você ficar alienado com esse celular?
Jake fica meio sem graça guardando o celular.
— A minha mãe está doente, estou mandando mensagens para ela e tendo notícias de como está a sua situação.
Sinto um aperto no peito.
— Quer ir para a sua casa? Você deve estar preocupado com ela — pego meu celular para cancelar o ingresso — podemos ver algo na sua casa, assim posso te ajudar com a sua mãe.
— Não precisa, a minha mãe já tem alguém que está cuidando dela, as mensagens são só para saber se ela melhorou — ele pega meu celular — podemos assistir o filme — ele olha a tela — comprou ingresso para velozes?
— Você gosta de ação, achei que gostaria de assistir esse — tento esboçar um sorriso, mas tenho medo de o decepcionar com a escolha —
— Você acertou em cheio Live, eu estava louco para ver a continuação — ele me devolve o celular — vou comprar pipoca para a gente.
Odeio comer pipoca no cinema, sempre que posso peço um milk shake e batatas fritas tamanho grande.
Jake não demora para voltar.
— Eles tinham uma cobertura nova, amendoim com caramelo.
Olho para aquele saco grande de pipoca, eu não posso nem ao menos tocar nisso, tem amendoim.
— Estou um pouco cheia, vou ter que deixar isso para o meu querido parceiro — me seguro em seu braço esquerdo — consegue comer tudo sozinho?
— Acha que não consigo?
— Sei que consegue.
Jake nem ao menos lembrou que tenho alergia a amendoim.
— Tem certeza que não quer comer? — ele tenta me dar uma pipoca em minha boca, viro minha cabeça rapidamente —
— Tenho certeza absoluta, ou você quer me levar ao hospital depois de comer?
Jake me olha estranhamente.
— Que exagero.
Ele entra na sala do cinema sem olhar para trás, paro em frente à porta.
— O que ele tem de bonito, tem de babaca — suspiro adentrando a sala procurando meu lugar —
Me sento ao lado de Jake que está novamente mexendo em seu celular.
— Se estiver muito preocupado com a sua mãe, podemos ir para a sua casa — Jake me ignora — não tem problema nós deixarmos esse encontro se for por uma causa maior.
Ele me olha guardando o celular nem ao menos me permitindo ver o que havia escrito na tela.
— Do que falou?
Estranho essa mente avoada dele.
— Estava falando da sua mãe.
— O que tem a minha mãe?
Tá na cara, isso é mais que óbvio. Jake está me traindo ou está planejando me trair. Não dá pra ter certeza ainda.
— A sua mãe está ocupada fazendo a janta de hoje a noite — seguro a sua mão — o que ela fará?
Ele faz cara de confuso.
— Você me disse que a sua mãe mandou mensagem dizendo que faria um jantar pra gente hoje, o que ela vai cozinhar?
— Ah, verdade — ele solta a sua mão da minha — ela disse que vai fazer camarão, seu preferido.
Ah Jake, como eu queria estar errada.
— Jake? — respiro fundo tentando me controlar — vamos terminar.
Ele arregala os olhos como se não tivesse escutado certo.
— Live, do que você está falando? — ele segura minha mão a entrelaçando, não sinto as borboletas que sentia quando demos as mãos pela primeira vez — tem algo que está te incomodando para dizer isso?
— Você não me ama mais Jake, é mais fácil eu terminar enquanto é tempo — solto a minha mão me levantando — espero que a sua mãe melhore ou ela já melhorou para conseguir fazer o camarão?
Jake percebe que descobri da mentira.
— Live eu posso explicar — ele segura meu pulso — Live eu menti, mas eu não posso te contar… queria te fazer uma surpresa.
— Que surpresa?
Ele tira uma caixinha do bolso me entregando, ao abrir encontro um anel com uma pedra vermelha em formato de coração.
— Eu estava procurando algum lugar na internet para te entregar isso, mas você estragou a surpresa, como sempre.
Mentiroso, a tela do celular estava em uma conversa e não no aplicativo de gps.
— Jake, me entregue o seu celular, por favor.
— Live, não vou te entregar algo pessoal meu.
— Então pega de volta o seu anel e engole.
Infantilidade? Sim, mas já vi essa cena em outros lugares. Já li isso em muitos mundos, de todos os jeitos. Saio da sala de cinema enquanto Jake desfruta de sua pipoca altamente mortavel para mim e o décimo filme de uma saga que possivelmente ele nunca assistiu. Espero que ele engasgue com uma pipoca.
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