O odor quase nauseante de cigarro e whisky barato impregnava a pequena saleta que Vince Martino chamava de “escritório”. As antigas paredes do lugar, que outrora repletas de memórias de uma época gloriosa, agora eram testemunhas do lento, mas iminente declínio da família Martino.
Cada tragada que Vince dava em seu cigarro trazia à tona diversas lembranças do poder que um dia teve em suas mãos, mas que agora, escorriam por seus dedos como um pequeno punhado de fina areia.
Don Martino, aquele que no passado era considerado como um dos pilares do crime organizado, agora via todo o seu esforço sendo despedaçado à sua frente. A lealdade, que antigamente era considerada como motriz na família, começava a dar espaço para conspirações peçonhentas. Vince, também conhecido como “imortal”, era basicamente a sombra do patriarca, sendo aquele que basicamente cuidava das “pontas soltas” em nome da família. Por ter ficado alguns meses longe da família por conta de uma tentativa de assassinato contra ele falhar, Vince não estava totalmente ciente das conspirações que cercavam seus irmãos.
Vince deixou os papéis que estava analisando de lado, e foi em direção ao seu mini bar, perto da única janela do cômodo. Colocou mais uma dose de whisky e deu um gole, sentindo a queimação da bebida barata descendo por sua garganta. Apoiou seus braços no parapeito da janela, apreciando a brisa noturna acariciar seus cabelos. Foi quando sua atenção se voltou para o carro que havia acabado de estacionar em frente a sede que ele comandava. Reconheceria aquele carro em qualquer lugar. Ele pertencia a seu irmão de juramento e seu melhor amigo; Marcus.
Mesmo se tratando de uma visita inesperada, isso pareceu não incomodar o homem. Ele tinha ciência que seu irmão não era uma pessoa muito chegada em obedecer uma agenda diária.
Vince se afastou da janela e pousou seu copo quase totalmente vazio em sua mesa, apagando seu cigarro em um cinzeiro próximo. É quando ele escuta três rápidas batidas em sua porta. Um toque que o fez ter certeza quem o aguardava do outro lado.
"Entra, a porta tá aberta," ele diz enquanto se apoia na mesa, tomando seu copo a mãos e dando seu último gole, finalizando totalmente a bebida que uma vez já houvera ali.
A porta se abre, e o caloroso sorriso de seu irmão pareceu quase ofuscar seus olhos. Ele realmente era alguém com uma energia única.
"Vinny, meu caro, como tem passado?" Marcus fala assim que seus olhos encontram o de seu melhor amigo. Ele abre os braços, como se desejasse abraçar o mundo.
"Marcus, a que devo a honra da sua presença?" Vince diz com um notável tom de sarcasmo em sua voz. Ele se aproxima e abraça seu amigo de longa data. Os dois caem na gargalhada. “Mas falando sério, custa me avisar antes de aparecer? Eu teria pedido algo pra gente comer.”
Marcus vai até o mini bar se servir um pouco da bebida de Vince enquanto este falava. Ele dá um grande gole, parecendo apreciar o momento. "Não ia ser necessário. Essa é só uma visita rápida," por fim ele diz, enquanto repousa na cadeira de couro que ficava em frente a mesa de Vince. Ao pousar o copo à sua frente e fazer um sinal com a cabeça para seu irmão se sentar, Marcus se endireita na cadeira, parecendo se tornar outra pessoa. Sua face, que outrora apresentava um semblante amigável, havia se tornado dura, quase sem expressões.
Aquela expressão que se formou na face de Marcus fez com que Vince ficasse cauteloso e um tanto quanto apreensivo sobre o que estava para vir. Isso porque, a última vez em que ele viu aquele olhar no olho de seu amigo foi quando Sophie, namorada de Vince e irmã de Marcus, foi brutalmente assassinada, sendo contabilizada apenas como mais uma das vítimas do assassino da capa de chuva amarela.
Vince apenas aguardou no silêncio, esperando que Marcus trouxesse a tona o assunto que tanto parecia o incomodar. E para sua sorte, não demorou muito para que ele começasse a falar.
"Não vou me estender muito, só vim aqui pra te dar um aviso. Cuidado com aqueles a sua volta;" Ele se aproximou mais da mesa, quase como se cochichasse. "Recebemos algumas informações de que os De Luca estão se preparando pra entrar em guerra com a gente."
Isso não pareceu abalar tanto Vince. Essa não seria a primeira vez que a família De Luca, mas eles sempre acabavam tendo seus planos frustrados. Não era como se eles fossem uma grande ameaça para alguém.
"Essa não é a pior parte, Vinny. Parece que temos um maldito traidor na família trabalhando com os De Luca." Marcus se levantou, indo em direção à porta. Já estava de partida. Mas antes de abri-lá, se virou novamente, reforçando o que havia dito antes. "Só peço que tenha cuidado."
O que aconteceu a seguir pareceu durar um simples instante.
No momento que Marcus abriu a porta, dois brutamontes que Vince reconheceu como subordinados de seu irmão estavam esperando com armas em mãos, prontos para atacar.
"MARCUS, CUIDADO!!!!" Vince gritou enquanto sacava sua arma.
Mas já era tarde demais.
Dois disparos voaram em direção de Vince, perfurando seu ombro direito e seu tórax, perfurando seu pulmão.
Respirar estava se tornando uma tarefa difícil para Vince. O sangue entrava rapidamente em seu pulmão perfurado. Era questão de momento até ele sentir o amargo beijo da morte. Mas mesmo assim, ele precisava fazer algo, seu melhor amigo poderia ter o mesmo fim. Vince não podia perder outra pessoa que amava, muito menos desse jeito.
Com dificuldade e com as mãos tremendo, ele aponta a arma para a cabeça do invasor que estava ao lado direito de Marcus. Mas o que Vince viu o destruiu por dentro. Seu melhor amigo estava apontando uma arma para sua cabeça.
Vince não conseguiu dizer nada, ele simplesmente ficou lá, petrificado.
"Não é nada pessoal, Vinny;" Marcus dizia isso com a arma ainda apontada para seu amigo. "É algo pra um bem maior. Eu sei que você entenderia o meu lado se tivéssemos tempo para explicações."
E ao terminar de falar, Marcus atira na cabeça de Vince.
A conversa que parecia ter iniciado entre Marcus e os dois invasores estava começando a soar cada vez mais distante. Os olhos de Vince estavam ficando tão pesados que ele lutava para mantê-los abertos.
O ressentimento ardia em Vince, uma chama alimentada pela traição de Marcus. E o peso da culpa oprimia seu peito, especialmente pela morte de Sophie, uma ferida que nunca cicatrizou. Enquanto a vida escorria de suas feridas, seus pensamentos pareciam dançar em um ritmo fúnebre.
A traição de Marcus ecoava como um trovão em seus ouvidos, a confiança rompida deixando cicatrizes mais profundas que as feridas físicas. Sophie, o amor de sua vida, tornara-se um fantasma silencioso, uma presença constante em seus momentos finais. Vince se culpava por não tê-la protegido, por não ter impedido sua tragédia.
"Traído por meu irmão, incapaz de salvar a única pessoa que realmente importava. Eu falhei, Sophie. Espero que você ao menos tenha sido capaz de me perdoar." murmurou Vince, a voz enfraquecida.
A tristeza e a raiva se misturavam em sua alma como uma tempestade. Vince lamentava não apenas sua própria morte iminente, mas a impossibilidade de se reunir com Sophie no além da vida. O arrependimento pairava no ar enquanto ele se despedaçava por dentro.
‘Mesmo na morte, não poderei estar contigo, querida. Minhas ações, meus pecados, nos separam para sempre. Eu queria poder voltar atrás, Sophie. Queria poder fazer tudo diferente, eu faria de tudo para ser alguém melhor, alguém que fosse realmente digno de seu amor’ pensou, os olhos perdidos na escuridão que se aproximava.
A traição de Marcus, a culpa pela morte de Sophie e a dor de não poderem compartilhar o pós-vida se entrelaçavam, formando uma melodia sombria em seus últimos momentos. Vince morria com o coração pesado, carregando consigo o fardo de escolhas irrevogáveis.
Ele sabia que essas palavras não trariam a sua redenção. Suas lágrimas se misturavam com seu sangue. Naquele momento, sua tristeza parecia se tornar algo palpável, como se a própria ceifadora estivesse ali para acompanhá-lo. Seus olhos perdiam seu brilho, e sua respiração ficava cada vez mais pesada, até que por fim, parou.
Vince havia morrido.
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