Capitulo 1
A vila dos mercadores
Havia uma pequena vila cercada por uma densa floresta. Não era uma vila comum, mas sim a vila dos mercadores. Uma vila de aparência confortável, habitada por pessoas gentis e, acima de tudo, sem governantes.
A vila era um lugar de paz, onde comerciantes de todo o mundo se estabeleciam e podiam viver longe das disputas entre os outros países, além de não precisarem pagar impostos.
Os mercadores que ali viviam eram amigáveis entre si, realizando trocas de mercadorias e adquirindo produtos úteis uns dos outros. Após alguns dias em casa, partiam para vender suas mercadorias em outros países.
Por anos, a paz reinava nessas terras. Existiam poucos guardas na entrada da vila para impedir que pequenas criaturas perturbassem a tranquilidade deste amado local. No entanto, eles raramente tinham muito trabalho a fazer, pois as criaturas permaneciam escondidas na densa floresta que cercava a vila.
Dentre tantas coisas encantadoras na vila dos mercadores, certamente era um lugar excepcional para o crescimento das crianças. Um rio serpenteava ao longo de toda a extensão da vila, proporcionando diversão a todos quando o clima ficava quente. As casas eram todas feitas de madeira, porém não eram simples. Os mercadores tinham um gosto refinado pelas estruturas de suas residências, que certamente causariam inveja em qualquer pessoa rica dos países vizinhos.
Havia um jovem rapaz animado, expressivo e corajoso chamado Arkos Uchida.
Os Uchidas eram uma das famílias fundadoras da vila dos mercadores. O pai de Arkos, o senhor Ander, é um grande mercador e um dos líderes da vila. Sua família é respeitada entre os demais moradores, e Ander não sai da vila para suas tarefas mercantis desde o nascimento de Arkos. Alguns até o consideram um renegado da vida de mercador.
Porém, para Arkos, faltava algo em seus dias. Ele apenas ajudava nos afazeres domésticos e depois perambulava pela vila em busca de algo para fazer. Sentia um chamado, uma atração irresistível pelo portão da vila, onde os guardas descansavam. Todos os dias, aquele chamado o instigava, mas ele não tinha permissão para atravessar aquele portão, assim como nenhum jovem era autorizado.
- Arkos, está encarando o portão de novo? - disse Augusto ao flagrar o jovem desanimado mais uma vez observando o portão.
Augusto Vendart era o melhor amigo de Arkos desde que se lembravam por gente. Estavam juntos desde o nascimento, e os pais de ambos eram pessoas muito importantes na vila.
- Você sabe, Augusto, eu gostaria de poder viajar além desses muros, apenas uma vez... mas…
- Arkos engoliu em seco e não terminou sua frase, enquanto Augusto sentava em uma rocha proxima e refletia.
- Olha, tem rolado boatos bastante problemáticos entre os líderes da vila - disse Augusto, ficando pensativo. - Os adultos estão dizendo que um grande exército do país do fogo está marchando para o norte, e que eles estão querendo resolver problemas diplomáticos com nossos vizinhos, principalmente o país da terra. - Augusto estava impaciente e claramente ansioso ao falar sobre isso.
Arkos observava atentamente os sinais de preocupação em seu amigo. O País do Fogo era conhecido como a maior potência mundial e também por sua reputação cruel. No entanto, não havia motivos para se preocupar, afinal, a vila dos mercadores era um lugar neutro de diplomacia. O País do Fogo não teria razões para interferir ali.
- Augusto, não é hora de se preocupar. Esses assuntos nunca terão a ver conosco.- Falou Arkos, com um sorriso de orelha a orelha no rosto, tentando animar seu amigo. -Além disso, precisamos nos concentrar em nossos estudos para nos tornarmos mercadores e um dia, sairmos desta vila!
Augusto deixou escapar um leve sorriso e se animou novamente. Ele levantou-se da pedra e olhou para seu amigo.
- É verdade, não é hora de se preocupar. Vou voltar para casa. - Disse Augusto indo embora.
Arkos passou o dia todo perambulando pela vila, com um semblante triste e desanimado. Nada o animava, nem mesmo brincar com os cachorros que viviam livremente pelas ruas. Conforme a noite chegava, as luzes quentes das casas se tornavam as únicas fontes de iluminação naquela rua. O som dos grilos e das criaturas na floresta era tudo o que se podia ouvir, já que os mercadores costumavam dormir cedo.
Arkos caminhava sem rumo, perdido em seus pensamentos. As preocupações pareciam pesar sobre seus ombros, tirando-lhe o ânimo e a alegria. Ele observava as casas silenciosas e sentia a ausência da energia vibrante que costumava preencher a vila dos mercadores.
Enquanto atravessava as ruas desertas, um vento suave soprou, trazendo consigo um aroma nostálgico. Arkos parou por um instante, fechou os olhos e inspirou profundamente, tentando capturar cada fragmento da essência daquela vila que tanto amava.
No entanto, por mais que tentasse, ele não conseguia afastar a sensação de vazio que o dominava. Havia algo faltando em sua vida, algo que o impelia a buscar algo além dos muros da vila, algo que o chamava para uma aventura desconhecida.
Arkos sentou-se em um banco solitário, olhando para o céu estrelado. As estrelas brilhavam intensamente, como se quisessem transmitir uma mensagem secreta apenas para ele. Ele se perguntava o que poderia encontrar além dos limites da vila, o que o aguardava no mundo lá fora.
Enquanto o silêncio da noite envolvia Arkos, uma inquietação crescia dentro dele. Uma chama ardente de curiosidade e coragem começava a queimar em seu coração. Ele sabia que precisava seguir seu chamado, explorar o desconhecido e descobrir seu próprio caminho.
Às sete horas da noite, Arkos já havia voltado para casa. Seu pai não estava presente por algum motivo desconhecido, e sua mãe, Bai, o repreendeu pela demora.
-Arkos Uchida, você demorou de novo para vir jantar. - disse Bai, um pouco nervosa. -Você e seu pai não têm jeito mesmo. A comida vai esfriar se demorarem muito.
A comida preparada pela senhorita Bai era a melhor da vila. Ela sempre vencia a competição anual de culinária no outono, e Arkos se deliciou com os bolinhos de peixe cozidos que ela havia preparado. O sabor era divino, enchendo sua boca de sabores deliciosos.
O tempo parecia voar, e logo já eram nove da noite. A hora havia passado rapidamente enquanto Arkos aproveitava o jantar com sua mãe. Agora, estava profundamente adormecido em seu quarto aconchegante. Nada poderia acordá-lo naquele momento, nem mesmo os sons suaves da noite que penetravam pelas frestas da janela.
Enquanto Arkos dormia tranquilamente, a luz quente da vela acesa lançava uma tonalidade âmbar em seus cabelos ruivos, quase vermelhos. Era um momento de paz e serenidade, um refúgio acolhedor dentro das paredes de sua casa.
- Arkos, meu filho…- uma voz sussurrava suavemente, trêmula e familiar.
O jovem se sentou na cama, ainda sonolento e desnorteado, sem ter a mínima noção do que estava acontecendo.
- O que aconteceu, mãe? Estou com muito sono. - Disse Arkos, coçando os olhos.
A senhorita Bai, era uma mulher serena e sempre vigilante, e amava seu filho acima de tudo. No entanto, naquele dia, ela tinha um olhar de desespero, embora mantivesse um sorriso em seu rosto.
Ela não desviava os olhos das frestas da janela, de onde podia ver clarões explosivos vindos de fora. No entanto, Arkos não estava desperto o suficiente para perceber.
- Filho, não temos muito tempo. Precisamos sair de casa agora.- A mãe puxou os braços do jovem.
- Mas mãe, ainda é noite. É perigoso andar pela vila a essa hora. - Arkos respondeu, ainda sonolento.
- Não temos tempo para conversar, precisamos sair de casa o mais rapido possivel.- Bai, não perdeu tempo em argumentar, Ela deu um ultimato e Arkos, ainda sonolento e confuso, seguiu sua mãe sem questionar.
Enquanto caminhavam em direção à porta dos fundos da casa, o coração de Arkos começou a bater mais rápido. Ele sentia uma tensão no ar e percebia o medo nos olhos de sua mãe. O aroma doce das flores da vila havia desaparecido, substituído pelo cheiro de fumaça e queimado que pairava no ar.
Arkos começou a despertar gradualmente e percebeu que algo terrível estava acontecendo. Gritos e sons de explosões ecoavam por toda a vila, misturados ao crepitar do fogo. O cenário idílico que ele conhecia estava sendo transformado em caos e destruição.
- O que está acontecendo, mãe?- perguntou Arkos, sua voz carregada de medo e confusão.
- Agora não é hora para explicações, meu filho. Precisamos sair da vila o mais rápido possível. A floresta será mais segura.- respondeu sua mãe, quase chorando.
Juntos, eles seguiram em direção a uma saída secreta conhecida apenas pelos fundadores da vila.
Sua mãe lutava para abrir um alçapão antigo, enquanto Arkos observava a distância. Seu olhar fixou-se em um dos guardas do portão, um conhecido seu, sendo atacado por uma grande esfera de fogo lançada por um soldado vestido com uma armadura vermelha. O soldado ria enquanto queimava o pobre homem indefeso.
Enquanto Arkos e sua mãe buscavam desesperadamente escapar da vila em chamas, uma voz arrogante e cruel ecoou nas sombras. Era o soldado de vermelho, acompanhado de seus comparsas, que se deliciavam com a destruição e o caos que estavam causando.
- Isso vai ser moleza, a missão de conquista mais fácil que já fizemos em toda nossa carreira!- Riu o soldado, seu tom cheio de desprezo e satisfação.
Arkos ficou horrorizado. A realidade da situação começava a se desdobrar diante de seus olhos, e ele sentiu uma mistura avassaladora de medo, raiva e impotência. Sua mãe continuava lutando para abrir o alçapão, e Arkos sabia que não podia perder tempo.
Com a mente repleta de incertezas e medo, mas também de coragem e resolução, Arkos prometeu a si mesmo que encontraria uma maneira de resistir e lutar contra os invasores. Ele sabia que o caminho à frente seria difícil e perigoso, mas ele não podia fugir do desafio.
Ele reuniu todas as forças que tinha e ajudou sua mãe a abrir o alçapão.
Ao abrir o alçapão, Arkos viu um garoto de cabelos louros e lágrimas transbordando por todo o seu rosto. Era Augusto Vendart, seu melhor amigo, e ele também estava na passagem secreta.
Arkos desceu pelo alçapão e foi se juntar a Augusto, porém sua mãe não o seguiu e ficou olhando para eles da entrada.
- Filho. - disse Bai, já caindo em lágrimas. "Eu preciso voltar, seu pai está em algum lugar, não posso deixá-lo sozinho, e preciso ajudar o máximo de pessoas que puder a escapar...principalmente os mais novos.
Arkos sentiu seu coração apertado ao ver o estado emocional de sua mãe e o desespero em seus olhos. Ele entendia a necessidade de sua mãe em ajudar seu pai e as pessoas da vila que ainda estavam em perigo. No entanto, ele também sabia que não poderia deixá-la enfrentar tudo aquilo sozinha.
Olhando para Augusto, seu amigo de longa data, Arkos viu a mesma determinação e coragem em seus olhos. Eles estavam juntos desde o nascimento, compartilhando aventuras e desafios, e agora não seria diferente. Arkos encontrou forças para encarar a situação.
- Vamos todos juntos, mãe. - disse Arkos, tremendo de medo, porém com determinação.- Não importa o que aconteça, estaremos ao seu lado. Augusto e eu iremos protegê-la e ajudar em tudo o que for possível.-
Bai, com lágrimas nos olhos, sorriu para os dois jovens. Ela sentiu-se abençoada por ter Arkos e Augusto ao seu lado. Apesar do perigo iminente, o amor e a coragem que compartilhavam os fortaleceriam.
- Obrigada, vocês são jovens maravilhosos.- Disse Bai com voz suave.- Vocês são minha fonte de força. Mas eu não posso permitir algo tão perigoso para o futuro de nossa vila.- Bai fechou a porta do alçapão e a trancou por fora, claramente em lágrimas, mas era o correto a ser feito.
- NÃO! - gritou Arkos chorando, mas seu amigo colocou a mão em seu ombro para tentar apoiá-lo.
Augusto limpou seu rosto cheio de lágrimas, e como sempre, como um jovem sensato e cheio de conhecimento, ele tomou a decisão do que era melhor a se fazer naquele momento.
- Arkos... não há mais o que fazer, precisamos seguir em frente e esperar que nossos pais nos encontrem do outro lado da passagem quando tudo se acalmar ou conseguirem fugir...- disse Augusto com confiança.
- Você tem razão, se ficarmos aqui, podemos acabar sendo alvos fáceis...- Arkos concordou sem pensar duas vezes.
Eles desceram apressadamente para a escuridão da passagem subterrânea, deixando para trás a vila em chamas e os horrores que se desenrolavam. O futuro era incerto, mas Arkos estava determinado a reencontrar seus pais e encontrar respostas para o caos que havia se abatido sobre sua amada vila dos mercadores.
O coração de Arkos estava pesado ao deixar sua mãe para trás, mas ele sabia que Augusto estava certo. Era o momento de agir com cautela e seguir em frente, mantendo a esperança de reencontrar seus pais e encontrar respostas para o caos que se desenrolava.
O silêncio era assombroso naquele túnel escuro, apenas quebrado pelos passos apressados e a respiração ofegante dos amigos. Arkos sentia uma mistura de medo, tristeza e determinação, mas não deixaria que a escuridão o consumisse. Tinha uma missão a cumprir e não podia desistir.
Enquanto seguiam adiante, ele recordava-se das histórias sobre a floresta além da vila. Um lugar misterioso e perigoso, mas também repleto de segredos e possibilidades. Esperava encontrar respostas lá, uma maneira de ajudar sua vila e reunir sua comunidade novamente.
Os passos dos amigos ecoavam pelo túnel, e Arkos sentia-se fortalecido pela determinação de Augusto. Estavam juntos nessa jornada, enfrentando o desconhecido e confiando um no outro. O vínculo que compartilhavam era um farol de esperança em meio à escuridão.
- Augusto, você que tem conhecimento de vários livros da biblioteca, por que você acha que nossa pacífica vila foi atacada?- perguntou Arkos, inconformado.
- Hm... não que os livros ajudem agora, mas pelo que ouvi nos últimos dias, o país do fogo está se preparando para uma grande investida contra o país da terra, e acredito que eles queiram usar nossa vila como base militar, já que estamos localizados próximos...- Augusto divagou em seus pensamentos ao responder.
Conforme Arkos e Augusto continuavam a percorrer o túnel, a intensidade da luz aumentava gradualmente. Eles finalmente chegaram a um ponto em que a origem daquela luminosidade se tornava clara. Era uma abertura no final do túnel, através da qual filtrava a suave luz do luar.
- Olha, Augusto, parece que aqui é a saída.- disse Arkos com tom de empolgação.
Arkos e Augusto se aproximaram da saída e, com cautela, empurraram a pequena porta de madeira. A porta rangeu levemente, revelando uma paisagem noturna deslumbrante.
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