2, maio de 2024
24: visitas hospitalares
Houve uma vez na vida, especificamente, que David achou que estava morto. Não que quisesse estar ou que poderia estar, ele achou mesmo que estava morto.
Tudo doía, mas doía tanto que parecia não doer nada. Sentia o estômago queimar, a cabeça estava prestes a estourar, talvez o mesmo acontecesse com seus olhos, e o gosto ferroso e quente o embebedou de hora para outra e ele tossiu, engasgou, e os pulmões eram incapazes de fazer a porra do trabalho deles, e os ouvidos zuniam, mas…
Mas, e Nathan?
Num susto, David abriu os olhos. Estava num quarto branco, silencioso, e foi aí que as coisas clicaram. Morri, pensou, morri e estou fodido porque fui ateu a vida toda e agora Deus vai me punir. Ou vai me punir porque eu namoro um homem?
E, mais uma vez, Nathan surgiu nos seus pensamentos. David quis levantar a cabeça, mas uma simples intenção deu-lhe um puxão no pescoço e uma forte dor atacou as têmporas. Ele respirou fundo, ainda que doesse, e percebeu uma máscara de oxigênio.
Oh, não estava morto. Quer dizer, será que tinha hospital no mundo espiritual? E por que cogitava a existência de um deus agora? Nossa. A morte realmente faz coisas.
― Ei. ― Alguém sussurrou.
David abaixou os olhos. Bom, já sabia não estar cego, mas continuava bastante míope e não conseguia ver nada mais que borrões coloridos; eram cabelos pretos e algumas coisas brancas em volta do que parecia um rosto. Era Nathan, ele sabia.
― Como você está? ― Nathan continuou. Continuava sussurrando, e a mão gentil dele tocou a testa de David num carinho temeroso, como se pudesse terminar de matá-lo. ― Você me deu um susto.
E, com um risinho que se transformou numa tosse e quase o fez gorfar de dor, David disse de volta:
― Desculpa.
Não se lembrava bem, mas sabia que tinha empurrado Nathan fora do alcance de um carro em alta velocidade. Um daqueles atos que ninguém acha que faria, até que o momento chega, e não é preciso pensar. Afinal, David morreria por Nathan, mas se recusava a aceitar que Nathan também morreria por ele.
David fechou os olhos. Nathan continuava com o carinho, e agora usava a outra mão para segurar a de David, e ofereceu um beijinho ao lado do acesso venoso.
― Você está bem? ― David perguntou, meio rouco.
― Estou, meu amor. Só quase tive um infarto. De novo.
― Três é um número que dá sorte.
― Achei que fosse quatro.
― Ei, isso já é demais. ― A voz de Nathan era risonha. ― Achavam que você não ia acordar. Está competindo comigo?
David resmungou algo que em algum universo poderia significar quê?
― Você ficou desacordado por bastante tempo. ― Nathan continuou. ― Quer dizer, você acordou uma vez ou outra, soltou umas palavras e uns gemidos e voltou a dormir. Bom, a desmaiar.
― Bastante tempo quanto?
― Uns dias. Quatro, por acaso.
Ele quis rir, mas decidiu não forçar. Apenas sorriu. Nathan teve um coma de sete dias há quatro anos.
Oras. Parecia que quatro era mesmo um número da sorte.
― Prefiro não competir, não. ― Murmurou. Teve de respirar fundo para continuar, e se tornou extremamente ciente de como a garganta estava seca. Tentou molhar os lábios, mas não tinha saliva na boca. ― Você já foi para casa?
― Fui. Não deixavam ficarmos com você, só estava de visita, então eu voltava para casa e vinha assim que possível, mas depois que você estabilizou, deixaram a gente ficar o dia todo.
David interrompeu a conversa num sussurro, quase um miado, para pedir água. Nathan ofereceu um copo com um canudo, e David sabia que a água nunca seria tão gostosa outra vez.
― Quem é deixaram?
― Hm? ― Nathan devia ter arqueado a sobrancelha, David não tinha certeza. ― Eu, Neeks, Levi e Hunter.
Ele riu com mais facilidade dessa vez. Nathan perguntou o que era engraçado.
― Ah. ― David disse. ― É só... é o número quatro de novo.
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