Era um dia quente, abafado, de fazer a poeira se erguer e irritar o nariz. Dois homens se encaravam entre si, numa sala fechada com apenas uma janela, que estava emperrada a tempo demais para não virar uma característica do próprio objeto. Exalava comodidade luxuosa, com itens extravagantes e que cheiravam a guardado, entre eles duas poltronas, um sofá e um quadro com uma pintura de uma exuberante árvore numa paisagem - que muito provavelmente não existe, mas quem conhece o mundo inteiro?
Também havia um relógio de pêndulo, quase tão alto quanto o pé direito do cômodo. Ele tinha uma cor de cobre, e soava constantemente. Um barulho de engrenagens, misturado aos tiques e taques suaves de um caríssimo relógio suiço. Um som reconfortante, mas que incomodava por ser o único som do cômodo.
Além disso tudo, havia uma porta, uma mesa e a janela emperrada, que por seus vidros opacos, não permitia a completa passagem do sol. Apenas o seu calor incômodo.
De costa para a janela, sentado atrás da mesa, estava um dos homens presentes ali. Tinha uma carranca cansada e uma testa encharcada de suor. Vestia roupas finas, um smoking que poderia custar tanto quanto um carro se vendesse para o homem certo, e se adornava com pequenos e discretos anéis, todos de prata, exceto por um. Uma aliança de casamento. Tinha uma barriga avantajada em seu abdômen, que encostava com frequência na mesa, o incomodando. Seus cabelos cor de cobre e seus olhos castanhos eram uma combinação chamativa, que ganhavam um certo destaque sobre seu nariz pequeno e fino.
— Me explique mais uma vez, o motivo de seu empréstimo? — Ele perguntou, com sua voz levemente grave, nem tão grave ao ponto de soar como ogro, ou nem tão fina ao ponto de se assemelhar a uma criança que vestia roupas caras. Esticou a coluna para parecer mais alto quando continuou a dizer, mas sua falta de altura era clara, e cômica, mesmo sentado. Essa tentativa falha de impor algum respeito ou medo, era direcionada ao cliente do outro lado da mesa.
De costas para a porta, estava um rapaz de pele parda e sorriso amarelo. Alto e de ombros largos, estas eram suas únicas fisionomias que impressionavam, pois, além disso, era magro feito um palito de dente. Cruzava as mãos constantemente sob a mesa e mexia as pernas com certa frequência, colocando uma por cima da outra, depois no chão, e então mexia os pés, e batia-os no chão. Ele vestia uma simples camisa branca, com calças pretas de um tecido barato. Não suava, apesar do calor, mas diversas vezes olhava de sobrolho, por cima do ombro do banqueiro, para a janela emperrada.
— Quero fazer uma viagem, senhor Goldberg.
— E precisa de quinze mil doláres para isso?
Nota do autor: Pela inflação de janeiro de 2022, esse valor representa mais de cem mil dólares no ano de 1969.
— As minhas garantias não são o suficiente?
Samuel Goldberg, o banqueiro de costas para a janela emperrada, não respondeu de imediato. As garantias que o rapaz apresentava eram, com absoluta certeza, mais do que o suficientes.
Diante do banqueiro, em sua mesa, estavam espalhados em diversas pilhas os documentos de comprovação de posse de uma casa que o rapaz Matthew Pascal, aquele que queria o empréstimo e que estava encarando a janela emperrada, dizia possuir. Uma casa de 600m² no upper east side, com dois andares e uma linda fachada, podia ser avaliada em mais de trinta mil dólares. Isto sem contar os itens de dentro da casa, os seus móveis, os quadros, os diversos itens de prata e outros revestidos em ouro. O total da casa e dos itens dentro dela talvez chegassem a casa dos cinquenta mil dólares, todos postos como garantia de empréstimo.
Nota do autor: Convertendo, $394,870.79.
Uma casa que valia demais para um empréstimo pequeno como aquele, e um empréstimo grande demais para um motivo “barato” como uma viagem. Aquilo não fazia sentido.
— O problema não é este, senhor Pascal. Entenda que sua casa e os itens dentro dela podem te dar um empréstimo muito maior, mas não posso oferecer tamanho dinheiro apenas porque o senhor quer viajar.
— Mas… — Ele nada disse por um momento, encarou o teto, mordeu os dedos e bateu os pés repetidas vezes no chão. Revirava os olhos, como se revisasse a própria mente. Foi então que após um longo instante olhou para o senhor Goldberg, de maneira extremamente calma e leviana. — Essa é uma viagem muito importante para mim senhor, tem de entender. Minha falecida amada, que Deus a tenha, morava ao sul do Havaí, com a família. Com muita dificuldade ela viajou para os Estados Unidos e aqui conseguiu uma vida. No entanto, em todos os nossos anos juntos, ela sempre repetiu para mim a sua vontade de voltar para casa, mas nunca tivemos as condições para tal…
Então como você tem uma casa mais cara que todos os itens desta sala, incluindo a nós?
— Entendo, senhor Pascal, mas de novo, me é estranho entregar tamanha quantia de dinheiro por um motivo tão banal. Sinto muito por usar esta palavra. Poderia usar de garantia qualquer item de sua casa, garantir um empréstimo pequeno, mas gordo o suficiente para alguns dias de viagem, e então fazer tudo o que tiver de fazer.
— Eis o ponto meu bom senhor. Minha mulher queria visitar todo o país, como nunca conseguiu, e em seu leito de morte, me pediu para que jogasse suas cinzas em seu antigo lar.
Ainda dinheiro demais para uma viagem ao Havaí.
— Bem senhor Pascal, tenho de falar com o meu supervisor. Ele me dará a devida autorização, e então o contrato para entregar ao senhor, se positivar o seu empréstimo.
— E isto demora?
— Se estiver disposto a esperar. — Disse o banqueiro, se levantando e caminhando em direção a porta.
A caminhada até a sala do seu chefe foi breve, assim como a conversa que teve com ele. O homem, em sua melhor definição, pode ser considerado viciado em dinheiro, e para ele este empréstimo era dinheiro fácil. Tamanha propriedade, se não fosse quitada a dívida, poderia ser vendida para qualquer homem próspero de Upper East Side, e mesmo que a dívida fosse de fato paga, com os juros certos e o contrato correto, podia se tirar vinte mil dólares desse senhor Pascal por sua viagem demasiadamente cara ao Havia.
Nota do autor: $157,948.31 em conversão.
— Isto me cheira a lucro, Goldberg! — Gritava alegre o seu chefe. — Entregue nosso melhor contrato a ele!
O melhor contrato, no caso, era um prazo de sessenta dias para se pagar a dívida, sobre juros simples diários e juros complexos mensais. Ao final desse período, todos os itens listados como garantias de empréstimo…
— Serão tomados do senhor. — Disse o banqueiro Goldberg, explicando para o senhor Pascal todas as minúcias daquele contrato. Ainda não acreditava que estava fazendo aquele negócio. — Poderá comprá-los de volta do banco, mas não fazemos exceções de compradores, nem descontos. Qualquer um pode pegar sua casa, ou os itens dentro dela quando forem revendidos nos leilões.
— Sim, compreendo senhor… — Respondeu, pegando emprestada uma caneta na mesa Goldberg. — Mas é possível fazer uma alteração na data limite do pagamento da dívida?
— Infelizmente senhor, não podemos estender esta data. — Disse Goldberg, já se preparando para se livrar do contrato se Pascal se recusasse a assiná-lo.
— Não, eu não iria pedir que o estendesse senhor. — Ele se adiantou a dizer, abanando as mãos e sorrindo como se estivesse prestes a conquistar todo o dinheiro do mundo. — Iria verificar com o senhor se não podemos diminuir esse tempo para trinta dias?
As palavras fugiram da boca de Goldberg, e ele apenas encarou o cliente.
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