-O que houve? - uma voz, se aproximando cada vez mais, me afastou do transe de observar as ondas da piscina se quebrando nas bordas. Começava a escurecer quando eu me dei conta; estava bêbado e longe de casa, o que, parando pra pensar, já me soava até familiar.
Sinto que já tive a mesma conversa antes. Pessoas certas nos momentos errados têm sido meu lema desde que conheci Girassol, que até então tem sido o amor que nunca tive.
-Eu acho... acho que não tenho a resposta - respondi, pausadamente. Não sabia o que dizer, mas senti que de algum modo dizer sem saber seria uma ideia brilhante. Nunca confie em pensamentos embriagados.
-Você houve. E houveram tantas coisas acontecendo ultimamente que não sei o que fazer.
Nesse dia, quase me convenci de que era um ótimo poeta.
-Cê tá bem? - Sol perguntou, com um ar de preocupação, porém alterada demais pra demonstrar qualquer alteração facial.
-Estar bem é relativo. Você quer a resposta de sempre, o que inclui uma piadinha suicida e uma encenação do estado do meu fígado, ou posso ser sincero por uma vez na vida?
Por um momento, parecia que ela não tinha tomado três copos de cerveja barata. Seus olhos, brilhantes por refletirem a luz que incidia na piscina, vacilaram por um momento. Ela não disse nada, mas deu espaço para que eu continuasse.
-Desde que o ano começou, "bem" não tem definido meu estado emocional. Quer dizer, o que você considera estar bem?
Sol abriu a boca, de relance. Por um momento pensei que responderia à minha pergunta, mas ela se virou pro lado e fixou seu olhar na água da piscina, sem dizer nada.
-Desculpa se eu fui grosso, não era o que eu queria que parecesse. - continuei, pausadamente e medindo minhas palavras. Talvez o momento certo finalmente havia chegado.
-A questão é que você sabe o que eu tenho. Todos sabem, não é? Talvez eu reclame demais da minha vida pros outros quando fico louco, e com certeza isso aqui não tá sendo diferente... Mas eu nunca quis esconder nada de você. Sei que, no fundo, você sabe o que é, e eu sei que no fundo não quero dizer, porque tenho medo de estragar tudo. Mas o que é o tudo, se afinal nunca houve nada?
Sol reagiu com o que pareceu ser uma mistura de tremelique com soluço, mas não se virou pra mim.
- O que eu quero dizer é que tudo isso dói. Sabe? Parece que tudo dá errado quando tento te avisar que meu frio na barriga quando você aparece não é só um frio na barriga, e que quando digo que me casaria com você e adotaria três cachorros e um gato persa pra gente não é só por dizer. Na verdade, queria que fossem dois gatos persa. E, na verdade da verdade, queria que você me amasse de volta.
Acredito que os soluços passaram, porque dessa vez ela se virou. Num movimento que pendia entre o engatinhar e o trotar de um cavalo dopado, ela se aproximou de mim.
Frente a frente, pude me recordar do quanto ela é linda. Seus cabelos curtos e seus olhos grandes constrastavam com a lua que já se mostrava, escondida no céu, e me trouxe a certeza de que ela era quem eu sempre quis.
Com as mãos em meu rosto, Sol abriu a boca, e por um segundo não sabia se aquilo significaria um beijo ou uma declaração de ódio. Seu rosto chegou mais perto do meu e, de repente, uma música alta ressoou no meu ouvido direito.
Acordei com um pulo, desliguei o alarme do celular embaixo do travesseiro e coloquei as mãos na cabeça dolorida.
-Nunca mais eu bebo corote.
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