Levantou-se com um suspiro pesado e foi até a cozinha. Sua mãe estava lá, já preparando o café da manhã.

— Você não pode continuar levando a vida desse jeito, Lucas — disse ela, entregando-lhe uma torrada.

— Não começa, mãe... — respondeu ele, pegando a torrada sem muito entusiasmo.

 Lucas não acreditava em nada que não pudesse ser provado. Para ele, o mundo era simples: nascemos, vivemos e morremos. Fim de história. Reencarnação, espíritos, deuses… tudo isso era bobagem para ele. Se existia um "depois", ele nunca tinha se importado em pensar nisso. O que importava era o agora, e mesmo assim, o "agora" dele era insuportável.

 Na escola, Lucas passava despercebido. Não era um dos populares, mas também não era alvo de chacota. Sentava no fundo da sala, ouvia as aulas com desinteresse e passava o tempo desenhando no caderno, imaginando mundos de fantasia onde as coisas eram mais emocionantes. O que ele nunca admitiria é que, no fundo, ele desejava algo a mais. Algo que trouxesse propósito à sua vida, mas a ideia de algo místico ou sobrenatural? Isso ele descartava de imediato.

 Naquele dia em particular, porém, algo parecia diferente. Um incômodo persistente, como se algo estivesse prestes a mudar. Durante a aula de história, ele mal conseguia se concentrar. Seus olhos se fixaram na janela, observando o céu escurecer repentinamente, como se uma tempestade estivesse prestes a chegar.

— Lucas, pode repetir o que eu acabei de falar? — perguntou o professor, quebrando seu devaneio.

— Hã? — ele balbuciou, percebendo que a sala inteira estava olhando para ele.

— Preste atenção, por favor — disse o professor, com um tom mais cansado do que irritado.

 Lucas tentou focar, mas o desconforto crescia. Algo estava errado, e ele não sabia o que era. O clima continuou estranho pelo resto do dia. Quando a última aula finalmente terminou, ele foi embora rapidamente, querendo chegar em casa o mais rápido possível.

 Enquanto caminhava pelas ruas conhecidas, uma sensação de estranheza o tomou. Era como se tudo ao seu redor estivesse ligeiramente distorcido. As pessoas passavam por ele, mas seus rostos pareciam borrados, como se fossem sombras sem definição. Lucas esfregou os olhos, pensando que estava apenas cansado.

 No caminho de casa, ele teve que passar por um túnel que atravessava uma rodovia. Já estava escurecendo, e as luzes do túnel piscavam de forma irregular. Ao entrar no túnel, uma sensação de pavor tomou conta dele. O silêncio ali dentro era absoluto, exceto pelo som de seus próprios passos ecoando nas paredes. De repente, as luzes apagaram.

— Droga... — Lucas murmurou, apertando o passo.

 Foi então que ele ouviu. Um som distante, como um sussurro. Um murmúrio que não parecia humano. Ele parou, o coração batendo forte, e olhou ao redor. O túnel estava completamente vazio, mas o sussurro persistia, mais alto agora.

— Quem está aí? — ele gritou, a voz ecoando de volta para ele.

 Sem resposta. Mas a sensação de que não estava sozinho era avassaladora. Ele começou a correr, seus passos soando ensurdecedores no silêncio do túnel, até que tropeçou em algo invisível e caiu no chão frio. O sussurro agora estava muito perto, como se estivesse logo atrás dele.

 Virou-se, desesperado, mas não havia nada. Somente sombras que pareciam se mover levemente, distorcendo-se de uma forma que seus olhos não podiam compreender.

 Levou alguns segundos até que ele percebeu que o túnel estava diferente. Não era mais o mesmo lugar pelo qual ele havia passado inúmeras vezes. As paredes pareciam mais escuras, as sombras mais densas. E lá, ao fundo, um portal que ele tinha certeza de que nunca esteve ali antes.

 Lucas hesitou. Ele deveria simplesmente levantar-se e ir embora, esquecer o que viu e continuar sua vida normal. Mas algo dentro dele, talvez uma curiosidade reprimida por anos, o impulsionou a se aproximar. Cada passo em direção ao portal aumentava a sensação de que algo estava muito, muito errado, mas ele não conseguia parar.

 Quando finalmente estendeu a mão para tocar no portal à sua frente, o sussurro se transformou em um grito agudo. Tudo ao seu redor se dissolveu em trevas. O chão desapareceu sob seus pés e, num piscar de olhos, Lucas foi engolido pela escuridão.

 Tudo ficou quieto. Silêncio absoluto.

 E então, o som de sua própria respiração ecoou em seus ouvidos, enquanto seus olhos se abriam lentamente para um novo mundo.

 Mas esse não era o Império de Noctaris. Ainda não.