O dia estava frio, como era costumeiro dessa época do ano, afinal de contas estamos no inverno, desde que acordei os graus do termômetro não haviam passado dos dois dígitos e graças a isso meus dedos estavam gelados como cubos que acabavam de sair da forma do congelador, eu, por outro lado, tentava-os aquecer usando o ar que saía de minha boca e o atrito de minhas mãos, coisa que não era tão eficaz quanto esconder minhas mãos nos bolsos de meu moletom, só que para minha infelicidade eu estava sem ele naquele momento.
— Filho? — Ecoava uma voz rouca e grave da porta, um timbre forte que só podia ser de uma única pessoa, isso mesmo, o desgraçado causador de minha dor.
— Oi pai. — Respondi, tentando não fazer meus dentes se baterem com o tremor do frio.
— Já acabou? É quase hora do café.
— Oi? — Disse, tão surpreso que até minha voz afinou por um instante.
— Você tem uns… — A voz de meu pai vacilou. — Dez minutos. — Sua voz sumiu por alguns instantes. — Aliás, por que a demora?
— Se não fosse seu treino, eu já estaria pronto. — Respondi, um tanto estressado.
Sua risada vinha do outro lado da porta, fazendo uma de minhas veias da testa saltarem.
— Estaremos lhe esperando lá na cozinha. — Ele disse ao fim da gargalhada. — O pai te ama. — E sua voz sumia, deixando apenas o som de passos para trás.
Eu soltava um suspiro profundo, esvaziando minha mente, focando no que estava fazendo e onde estava no momento, um som agradável fazia-me companhia naquela cena tão desgastante, ali perto um pequeno mecanismo em forma de roda rústica de madeira derramava e reaproveitava água continuamente, em um ciclo infinito, a grama no chão estava em um tom de verde vivo, juntamente com alguns hexágonos de pedra que guiavam visitantes até uma área mais atrás, a qual continha uma churrasqueira de tijolos, e um muro de concreto cercava meus arredores, sendo este mais alto do que o dobro de minha altura.
Eu estava do lado de fora de minha casa, usando nada mais que minhas calças moletom (E não, elas não possuíam bolsos), enquanto a parte superior de meu corpo era obrigada a suportar o frio do inverno com nada mais que meu próprio calor, meus músculos tremiam enquanto eu estava pendurado de ponta cabeça, segurando em dois tocos de madeira, equilibrando meu corpo usando meus braços ao invés das pernas.
Esse maldito treino começou desde que me conheço por gente, meu pai o introduziu em minha vida logo após meu aniversário de 10 anos, antes era algo fácil, mas agora que meu corpo desenvolveu-se sou obrigado a enfrentar desafios cada vez mais rigorosos, e infelizmente eu já estava acostumado com aquilo, então parar não era mais uma opção que eu conseguiria aceitar, estava intrínseco em meu ser.
— TRIIIMMM! — Gritava o despertador do meu celular.
— Bem na hora. — Disse impulsionando meu corpo para cima e caindo em pé, pisando na grama.
Enquanto meus pés encontravam o chão, um suspiro de alívio era solto direto de meus pulmões, meus músculos relaxavam e eu fechava meus olhos por um instante, abrindo-os em seguida e vasculhando meu corpo como um todo, flexionando e relaxando meu corpo de pouco em pouco.
— Ainda sem tanquinho. — Desabafei desanimado, segurando em meu abdômen e apertando minha carne. — Nada ainda, quanto tempo mais pra isso aparecer?
Meu corpo é bonito, físico de atleta, minha pele pode ser branca, mas eu não chego a ser pálido e meus cabelos não são muito grandes, na realidade cabelo grande dá muito trabalho, por isso prefiro o meu no mediano, e ao contrário de meus olhos azuis, meus cabelos são vermelhos como fogo, inclusive acho que por isso acabo não morrendo de frio, no quesito altura creio que estou na média, mas isso não me abala.
— TRIIIMMM! — O alarme do celular outra vez gritava, eu havia estado absorto em meus pensamentos e acabei me esquecendo dele.
— Ah é... — Disse após tomar um susto e ter minha linha de raciocínio quebrada.
Andei até o celular e me abaixei onde havia deixado-o, clicando num grande botão que brilhava na tela, o qual dizia: Desligar alarme.
— 6:00. — Repeti o horário em voz alta após vê-lo na tela, cansado e um tanto quanto puto com meu pai. — Por que eu disse sim? Se eu tivesse dito não naquela época, eu poderia estar na cama agora. — Bocejei.
Com passos rápidos eu ia até a porta de madeira, que me privava do calor aconchegante de minha casa, abrindo esta e dando de cara com a sala de estar, mais à frente haviam escadas as quais eu poderia usar para ir ao meu quarto e tomar um, merecido e delicioso, banho quente.
Ao meu lado, havia uma lareira e, mais a frente, dois sofás, juntamente com uma poltrona antiga, relíquia de meus avós, assim como um móvel hack de madeira, passei pela sala o mais rápido possível e subi as escadas, chegando e entrando em meu quarto, fechando a porta e em seguida indo até o banheiro, ligando logo o chuveiro, a água que caía era agradável, e, o mais importante, quente, liberando vapor assim que saía do melhor utensílio criado pelo ser humano, minha felicidade havia sido restaurada.
Meu banho durou praticamente todos os minutos que restavam, mas eu precisava disso, não só para um relaxamento completo, mas também para minha sanidade, ao chegar na cozinha eu já estava prontamente arrumado, trajando o uniforme escolar, totalmente higienizado, meus pais estavam a mesa, servindo-se de uma farta disponibilidade de alimentos, entre frios, frutas e pães, meu pai estava com um prato bem servido, dois pães recheados com ovos fritos e tiras de bacon, cheirosas e saborosas, para beber ele tinha em uma caneca, que eu lhe dei de presente há muito tempo, o líquido preto de cheiro inconfundível, café, minha mãe, por outro lado, tinha apenas duas bandas de pão de forma, que acabavam de sair da torradeira, com manteiga e em outro prato algumas fatias de frutas como mamão, melancia e melão, para acompanhar ela gostava de um iogurte de morango, um café da manhã bem saudável, minha irmã também estava ali, comendo um pão com fatias de presunto e queijo dentro, acompanhado de uma xícara de café.
— Finalmente. — Disse minha irmã em tom sarcástico, interrompendo uma mordida que daria em seu sanduíche.
— Eu precisava de um banho quente. — Me aproximei e coloquei minha mochila em um dos pés da mesa, ao mesmo tempo que sentava no único lugar vago.
Minha irmã tinha cabelos curtos, que não passavam de seu pescoço, da mesma cor que os meus, sua pele era mais branca a minha, igual à neve, seus olhos por outro lado eram mais puxados para o verde, como os de nossa mãe, seu corpo era esbelto e também bem definido, graças ao treinamento exigido pelo nosso pai, sua altura devia ultrapassar a média feminina, mas isso não fazia dela uma gigante, era apenas um pouco maior que eu, no mais, suas roupas eram iguais às minhas, só que uma saía no lugar da calça.
— Mas não precisava demorar mais de 5 minutos, o planeta agradece. — Ela mordia seu pão.
— Tu nem treinou hoje, nem vem.
— Ela treinou sim, acordou comigo lá pelas quatro da manhã. — Contrariou meu pai, após um gole na caneca de café.
Meu pai era um homem grande e de corpo torneado, grande parte de meus aspectos físicos eu havia herdado dele, porém minha característica mais marcante, meus cabelos cor de fogo, vieram de minha mãe, enquanto ele possuía cabelos espetados e castanhos, como nozes, e seus olhos acompanhavam o mesmo tom de cor, assim como sua barba, que tratava-se de um cavanhaque e um bigode não muito volumosos e sua pele era um pouco mais bronzeada que a minha. Ele estava usando uma roupa casual, camisa larga e as calças de seu kimono preto, com um pano preto envolvendo sua cintura com um kanji em vermelho, que significava fogo, estampado na lateral.
— Nem ferrando. — Comentei incrédulo.
— Foi sim, esse aí apareceu no meu quarto sem nem antes os pássaros cantarem.
— Seu pai está animado, já que vocês vão voltar às aulas. — Disse minha mãe, calma e ajeitando os óculos retangulares em seu rosto.
Minha mãe era uma bela mulher, com cabelos longos e vermelhos, como rios de fogo, seus olhos eram azuis, como o céu pela manhã, e sua pele era branca, e tinha uma pinta logo abaixo de seu olho direito, ela sempre se importou muito com seu corpo então o seu era muito bem cuidado, ela não era tão alta, tanto que já estava do tamanho dela, minha mãe era bonita e foi provavelmente de quem eu puxei minha beleza. No momento ela usava uma roupa social, terno, colete, saia e saltos pretos, com uma camisa social branca por baixo, era normal vê-la daquela forma já que trabalhava em uma empresa e era uma empresária de sucesso.
— Eu não vou poder ver meus filhos durante tanto tempo. — Ele fingia limpar algumas lágrimas. — Vai ser uma pena não estarem no dojo, mas estou tão orgulhoso.
— Pai, só vamos para o primeiro ano, nem é algo tão grandioso… - Disse.
— Mas ainda sim me deixa orgulhoso, querem que o paizão os acompanhe até a escola?
— NÃO! — Dissemos, eu e minha irmã, num tom uníssono.
— Q-quer dizer, não precisa, sei bem me cuidar. — Minha irmã falou.
— E eu acho o senhor muito chamativo, prefiro ir só. — Completei em seguida.
— Poxa, não precisavam ser tão duros…
— Calma querido, eles apenas querem ter independência, deixe-os. — Minha mãe concluía. — Mas comigo eles iriam querer ir. — Concluía com um sorriso, mastigando uma fatia de mamão.
— Virou competição? — Meu pai indagava, já animando-se.
Os dois levantavam e encaravam-se de forma fulminante, com sorrisos de canto levantados e olhares ferozes, deixando um clima de competição rolar na mesa.
— Parem, por favor. — Minha irmã dizia. — Não briguem durante a refeição.
— Por falar na escola. — Minha mãe direcionava sua atenção a mim. — Filho, e o Gibb? Ainda estudará com você?
— Acho que sim? — Respondi, mas sem uma resposta definitiva. — Verei assim que chegar na casa dele, vou passar lá antes da aula.
— Espero que continuem na mesma escola, são bons amigos, não perca o contato com ele.
— Acho que não sou mais capaz de fazer isso. — Eu ria.
Gibb é meu amigo de muito tempo, conheço-o desde pequeno e sempre frequentamos a mesma escola, ele é a pessoa mais inteligente que conheço e foi graças a sua ajuda que consegui ter bons resultados em muitas provas, ele não mora muito longe de mim, então é fácil visitá-lo, só que nas últimas férias acabamos ficando sem nos falar, soube que sua família fez uma viagem, mas infelizmente não tive muitos detalhes ou notícias dele, por isso estou torcendo para que a sorte esteja sorrindo para mim e que meu amigo ainda esteja no mesmo endereço.
— Acho que já é minha hora. — Olhei no relógio do meu celular, que estava em cima da mesa, e vi o horário, 6:10. — É, faltam uns 50 minutos, vou indo.
Eu terminei meu café da manhã e logo em seguida fui até minha mãe e pai, dando um abraço em cada um e um beijo em suas cabeças.
— Tchau pai, tchau mãe. — Respectivamente.
Dava um aceno à minha irmã, enquanto ela me respondia de volta.
— Tchau mano. — Ela dizia, acenando.
— Tchau mana. — Respondi, em mesmo tom.
Eu pegava minha mochila rapidamente e, após despedir-me de todos, saía pela porta da frente da casa, só para sentir aquela luz celeste bem em meus olhos…
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