- Erich Fromm
Andar de carro pela cidade sempre foi uma boa experiência, em dois anos ao volante nunca houve um problema sequer no trânsito que eu não conseguisse resolver, muito menos cheguei a ser assaltada em alguma rua vazia onde apenas os espíritos que lá morassem fossem as testemunhas. Suspirei um pouco cansada ao volante, eu havia passado o dia resolvendo provas na faculdade, não era de se admirar que eu estivesse um caco, o semestre mal havia começado e eu já estava morta. Dobrei a esquina com o carro, deleitando-me com a imagem de uma graciosa loja de chás vitoriana que via-se ao longe na rua, assombrou-me notar tão bem a presença de certa pessoa dentro dela, porém, não nota-lo era quase impossível, a cabeleira loira destacava-se naquele frágil ser, não que não houvessem outros como ele na cidade, haviam muitos na verdade, contudo apenas Henry podia se envolver naquela atmosfera misteriosa de maneira tão natural e - psicologicamente - perfeita.
Os óculos verdes que usava escorregavam por seu pequeno e fino nariz, a concentração sobre um pequeno livro de capa verde permanecia em si mesmo com o vai e vem dos fregueses, as pequenas mão passando as páginas sem que ele demonstrasse qualquer emoção, parecendo não entender o que sentia por aquele conto cujo nome distanciava-se demais para que eu compreendesse. Parei o carro no encostamento, estacionando diante da fachada branca da loja, alguns jarros de flores enfeitando as janelas, dando a aquele local um ar de graça e elegância. Não era de se surpreender ao saber que alguém como ele vinha sempre em primeiro lugar no quadro de honra da escola.
Algumas vezes ouvir que o Henry trabalhava meio período, deve ser nessa loja, pois o jovem está trajando um uniforme verde com branco, idêntico ao de um rapaz alto e moreno que está servindo a uma das mesas mais próximas a entrada, sorrindo um pouco ao trocar gracejos com os clientes, principalmente com o homem com quem aparenta estar tendo um diálogo. Além disso as cores da roupas de ambos combinam perfeitamente com a fachada da loja, ficava muito fofa no nerd que acaba parecendo alguém mais alegre do que realmente é, pelo menos eu não poderia dizer que ele é a animação em pessoa.
Não fará nenhum mal dar uma passada rápida no estabelecimento, comprar um café ou bolinhos para arrumar-lhe lucro. Aqui é próximo ao Instituto então não demorarei para chegar no treino e nem corro o risco de ser vista aqui, muito menos dele reconhecer-me. Duvido até que ele conheça-me, que já tenha visto-me alguma vez, também nunca fico vestida casualmente, apenas uso o uniforme de gerente do clube de vôlei. Além de que estou com o cabelo soltou e um vestido colorido.
Sai do carro, trancando-o ao pisar na calçada e hesitante entrar no estabelecimento. Havia algumas pessoas sentadas nas mesinhas de centro e laterais, parecia que o movimento desse lugar era abaixo durante os dias de semana, porém não era nada que eu poderia deduzir apenas em uma visita cotidiana. A decoração do pequeno estabelecimento até que estava agradável, as paredes são pintadas em uma mistura de branco com azul marinho, tem alguns cartazes de bandas de rock espalhados pelas paredes, e à um cheiro forte e adocicado de chocolate sempre vindo da cozinha. Um cheiro bom me lembra muito a casa de minha falecida avó, ela era doceira então a casa dela possuía o mesmo aroma o que é bom, isso me trazia boas lembranças, esse lugar é nostálgico acho que virei mais.
Me aproximei do caixa, parando em frente a ele e olhei para o jovem. Ele parecia distraído, seus lábios crispados como se houvesse chegado ao ápice do conto. Tudo se atrapalhou quando me notou, indiferença adornando sua face e voz.
- Oui? - Pergunta Henry sem nem levantar o olhar do livro que estava lendo. Eu deveria considerar isso como mal atendimento ao cliente mas, ele não está me destratando e estar dando-me atenção então, não importa muito. Só incomodava-me o fato de não fazer a menor diferença para ele com quem falava.
- Bem... - "Oliver Twist" Esse é o título do livro que ele está lendo. Interessante, achei que garotos não lessem esse tipo de coisa, principalmente por ser tão antigo e pouco conhecido pelos jovens de hoje em dia. - Eu quero um café expresso e dois cupcake de chocolate, por favor.
- Èr... pardon. - Ele falou fechando o livro e me olhou.
Ruborizei um pouco ao ver seus olhos. Belas e grandes bolotas azuis me fitavam solenemente, admito sem piedade que elas combinavam perfeitamente com o loiro cabelo e com o uniforme que ele esta usando, o deixa mais lindo do quê é. Principalmente pela expressão que mostra. Espera, lindo? Por que estou pensando uma coisa dessa? Tá, não posso negar que ele é lindo. Mas por que estou pensando isso, eu não sei, nunca fui de observa-lo.
- Acabaram os cupcakes. - Falou tímido, o sotaque americano forçado soando belo aos meus ouvidos. Foi ai que notei, a desculpa não era por ignorar e sim pelo meu pedido.
- Oh, compreendo mas, é uma pena. - Ele ainda me olha parecendo curioso, sua expressão estava neutra, parecia tentar me analisar. Ele ajeitou a seu óculos, sem desviar sua atenção de mim por nenhum segundo, o sol daquele dia reluzindo por alguns segundos pelo vidro.
Não posso negar que fiquei um pouco decepcionada ao ouvi-lo dizer que estão em falta. Sinceramente, eu amo, exatamente, amo, cupcakes, principalmente se são de chocolate. Espero não ter soado tão desapontada quando realmente estou.
- Tem algo a recomendar então... - Olhei para o crachá em seu uniforme e confirmei minha dúvida. - Henry?
Não vou sair de mãos vazias depois de ficar tão vacilante e com dúvidas se eu deveria entrar na loja, ou simplesmente voltar para o carro e ir embora.
- Hum... - Ele deu um rápido sorriso sem dentes e eu percebi que ele tinha covinhas. Talvez eu esteja observando demais mais, quem se importa? Nunca me importei com as classes dominantes de minha escola. - Lhe recomendo os muffis de chocolate, não é só por que fiz mas, posso afirmar que estão deliciosos.
- Oh, quero um café expresso e dois muffis de chocolate então. - Sorri e pude perceber que seus olhos brilhavam um pouco enquanto ele anotava o pedido.
Se é chocolate deve ser bom, pelo menos boa parte das coisas feitas de chocolate são apetitosas, além disso, ele confirmou que são deliciosos, menos que ele os tenha feito, sinto que o Gabriel falou sério sobre ser bom.
- Comer aqui ou pra viagem?
- Pra viagem - Respondi sorridente.
- O-k. Sente-se naquela mesa ali enquanto espera. - Ele apontou para uma mesa solitária próxima a janela.
- Okay. - Paguei e fui até lá.
Após sentar-me fiquei observando algumas crianças brincando no parquinho que fica em frente a lanchonete. Elas pareciam estar animadas, corriam como doidas pelo parque, pulavam e davam gargalhadas exageradas pareciam tão felizes provavelmente não tinham muitos problemas.
- Senhorita? - Escutei a voz de Gabriel me chamar olhei para o lado e o vi, ele estava me encarando com um sorriso meigo nos lábios, em um de suas mãos estava uma pequena sacola e um copo, com o desenho da cafeteria na lateral, tampado - Aqui está seu pedido.
- Oh, obrigado. - Peguei as coisas de suas mãos e por um segundo nossas mãos se tocaram. Não sei porque mas senti meu coração falhar uma batida e agora, está acelerado. - Èr... Hum... Eu vou indo então.
- Claro. - Suas bochechas estão um pouco vermelhas ou é apenas uma impressão minha? Provavelmente é o frio, estamos entrando no mês de novembro. - Venha sempre que quiser. A loja está aberta de segunda a sábado, de sete e meia da manha ao meio dia, de cinco da noite as doze.
- Pode deixar, - Falo olhando para ele com um pequeno sorriso. - Se o café daqui for tão bom quanto dizem com certeza eu voltarei.
- Pode ter certeza, ele é uma delicia, principalmente com doces, você não se arrependerá de te-lo comprado aqui. - Ele fala com tanta confiança na voz que eu até acredito na sua seriedade.
- Se você diz. - Sorri para ele e ele retribui com outro sorri, pequeno, quase impossível, mas ainda mostravam suas covinhas. - Nos vemos uma outra hora talvez.
- Volte sempre, senhorita...
Suspiro e o fito, percebendo a confusão em seu olhar, solto um pequeno sorriso e lhe digo calmamente.
- Tuppence, eu me chamo Tuppence.
Sai da loja dando um último sorriso e fui em direção ao meu carro, claro, não sem antes dá uma última olhadinha no loiro que, agora, estava novamente atrás do caixa sorrindo como um bobo enquanto conversava com o outro funcionário da loja.
Duvido que essa seja a última vez que eu tenha vindo nessa cafeteria. Realmente, esse é um lugar interessante.
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