— Olha quem voltou! O garoto italiano. — Luca apenas teve tempo de se virar antes de ser prensado contra ombros largos. Em seguida, vieram braços fortes que o abraçaram com tanta força que o levantou no ar, o deixando sem fôlego e fazendo com que seus livros e bolsa caíssem ao chão, a porta de seu armário sendo fechada com um estrondo barulhento.
— Elijah Roberts!
— Só a minha mãe me chama assim.
Elijah estava rindo, o girando no ar enquanto as pessoas ao redor olhavam para eles. Não era para menos, estavam no meio do corredor onde havia vários armários, dando para a entrada das classes de aula.
Luca não resistiu, envolveu os braços ao redor do pescoço de Elijah e o abraçou tão forte quanto Elijah fez, enterrando o rosto contra o pescoço de Elijah.
— Eu senti sua falta.
— Eu também senti a sua. — Luca disse de volta e se afastou, finalmente conseguindo ver o rosto de Elijah.
Olhos tão verdes quanto se lembrava, nariz reto e empinado, lábios finos e largos em um sorriso bonito. O que tinha mudado era a altura, quase dois metros, e músculos. Onde Luca lembrava de um garoto tímido e um pouco triste, agora via um homem que tinha se transformado nesse… nessa pessoa decidida e cheia de vida. Confiante. Forte. Charmoso. Embora ainda pudesse ver a bondade e amizade que eles costumavam ter. Mas, essa coisa de ter que lidar com esses sentimentos tão abertamente ainda era algo novo. Luca não podia evitar a comparação com o passado, onde ele era jovem demais e Elijah era… Elijah era Elijah, abrindo a porta de sua casa para um garotinho tão triste e solitário quanto ele próprio.
— Dois anos, hein? Pensei que você nunca ia voltar.
— Também pensei.
— Me deixe te ver melhor. — Não era como se Elijah nunca tivesse o visto durante esses dois anos por vídeo chamadas. Tinha esquecido como Elijah podia ser intenso, cheio de toques e sorrisos.
Elijah levou uma de suas mãos ao rosto de Luca e penteou seus cabelos para trás, expondo sua face por completo. E ele? Bem, Luca apenas encarou Elijah de volta, tão focado no garoto quanto Elijah se focava nele. Todas as ligações e vídeo-chamadas não se comparavam ao que a realidade lhe mostrava, o fazendo questionar o que tinha acontecido para que ele tivesse fugido de Elijah, desses gestos tão… tão afetuosos e tão atenciosos. Como Luca teve coragem de fazer isso com eles? De deixar a pessoa que mais amava para trás? E só por causa de medo? Ele era a pessoa mais covarde desse mundo.
— Elijah...? Me põe no chão, sim? — Luca fez o seu melhor para ficar sério.
— Por quê?
— Você não tem vergonha?
— Eu tenho?
Elijah sorriu ainda mais e enfim o colocou no chão, afrouxando o agarre em seu rosto e em sua cintura, mas sem se afastar. Elijah se inclinou sobre ele, como se tivesse algo em seu rosto que Elijah precisava ver de perto.
— Por que você não me disse que chegava essa semana?
— Por quê? Você ia me buscar no aeroporto?
— É claro, meus amigos merecem o melhor.
— E o que seria isso?
— Eu, é claro.
Luca jurava que estava tentando ficar sério. E pelo jeito, Elijah queria algo a mais e no momento, ele não estava pronto. Mas não adiantou, Luca se segurou nos ombros de Elijah e sorriu; ele achava que essa era uma das piores cantadas que ele já tinha ouvido.
— Ei, não ri da minha cara. Eu sou um cara legal.
— E muito humilde, também.
— Muito. — Elijah disse e enfim o soltou, se encostando a seu lado em frente aos armários.
Luca suspirou em alívio. Ele se abaixou para pegar suas coisas do chão e as guardou dentro do armário, lhe dando tempo para respirar. Às vezes, Elijah era um pouco demais para ele; era o que Luca tinha descoberto durante os anos, nas milhares de conversas que tiveram nesse tempo afastados e os boatos que seus amigos insistiam em compartilhar com ele mesmo estando do outro lado do planeta, o fazendo perceber que Elijah tinha se segurado nos anos que passaram juntos. O fato era que Luca não sabia exatamente quando Elijah tinha mudado do garoto introvertido para essa pessoa esfuziante, ou se Elijah tinha começado a agir como si mesmo por causa de sua ausência, mas ele gostava. E odiava ao mesmo tempo, fazendo seu estômago se revirar de nervosismo e expectativa.
— Agora, de verdade, como as coisas têm estado?
— Você sabe, iguais. — Luca deu de ombros e fechou o armário, tirando os livros que usaria naquele dia, os guardando na bolsa. — Aura veio comigo.
— Faculdade? — Elijah perguntou. — E você? Eu nunca entendi porque ela foi para a Itália com você. Suas mães não são diferentes?
Luca deu de ombros mais uma vez e se encostou ao lado de Elijah em frente aos armários, voltando a encará-lo de perto, o olhando sobre os cílios, tentando não demonstrar como realmente se sentia. Aura poderia ter vindo de uma ex-esposa antes de conhecer sua mãe, mas isso não a fazia menos sua irmã. Não que isso importasse no momento. Achava que nunca se conformaria com a beleza do amigo, agora duplicada conforme os traços suaves da adolescência davam lugar a músculos definidos e um rosto angular e forte, o sorriso de canto, o olhar intenso, a atitude confiante… e… bem, tudo isso e muito mais.
— O que tem isso?
— O que te trouxe de volta?
— Eu... senti falta de casa. — Luca acenou para si mesmo, tentando se convencer disso. Ignorando que bastou uma foto para que ele viesse correndo. — Por um tempo pensei que fosse em Verona… eu sempre ficava me perguntando o que estava acontecendo por aqui.
— Então, você decidiu voltar? Simples assim?
— Por que não? Eu vou fazer dezoito em alguns meses. Queria aproveitar esse último ano e rever o pessoal.
Bem… ele queria rever algumas poucas pessoas e uma delas estava bem em sua frente, olhando para ele como se quisesse… como se quiser ver o que tinha dentro de sua mente. E como costumava acontecer, Luca foi o primeiro a perder nesse joguinho para ver quem desviava o olhar primeiro.
— Então… você sentiu saudade e veio para ficar ou…
— Vim para ficar.
— Fico feliz. — Elijah disse, ainda sorrindo, algo mais sincero e bonito, como se tivesse cansado de flertar. — Quem sabe a gente pode se ver mais tarde. Comer alguma coisa?
— Mais tarde, quando?
— Hoje. Depois da prática de basquete. Quer me ver jogar?
— Oh, não! Era isso o que eu mais temia! O clichê colegial! — Ele riu e Elijah riu junto, o fazendo lembrar dos velhos tempos.
— Sabe, você não pode falar de mim. Você era todo bonitinho e tímido e agora voltou parecendo sair de um filme dos anos oitenta. Jaqueta de couro, calça rasgada e isso… é maquiagem? — Elijah se aproximou mais uma vez dele e segurou suavemente em seu queixo, apenas mais uma desculpa para tocá-lo, disso Luca tinha certeza; não que estivesse reclamando. Elijah podia fazer isso e muito mais.
— Você é o perfeito garoto bonzinho que ficou rebelde.
— Eu ainda sou um bom garoto.
Isso fez Elijah parar por um momento, ainda com as mãos sobre o rosto de Luca, e o encarar longamente apenas para um sorriso de canto aparecer junto a covinhas mais bonitas ainda.
— É mesmo? O quanto você é um bom garoto?
— Acho que você nunca vai descobrir.
Mais um silêncio e mais um olhar que no passado o faria correr em busca de abrigo mais rápido que um foguete. Entretanto, esse Luca tinha ficado para trás junto com sua inocência.
— Hm. — Foi tudo o que Elijah disse durante alguns momentos, e Luca jurava que ele estava se aproximando em direção a seu rosto quando o sinal tocou, os interrompendo.
— Certo. — Luca pigarreou, endireitando a coluna e olhando ao redor. — Acho que eu tenho que ir.
— Qual seu primeiro horário?
— Língua portuguesa. Preciso passar na secretaria primeiro.
— Eu vou com você.
Luca nem tentou negar, ele tinha sentido tanta falta de Elijah que estender um pouco mais as coisas não faria mal. Ele se desencostou do armário e, de novo, aconteceu algo que Luca não esperava. Elijah pegou a mochila de seu ombro, a carregando para ele e com a outra mão, entrelaçou os dedos com os seus, o puxando suavemente pelo corredor quase vazio em direção à administração do colégio.
***
Luca passou os olhos pelo longo corredor e imediatamente a nostalgia o acertou em cheio no meio do peito.
Era estranho estar ali depois de tanto tempo. As paredes cor creme ainda eram as mesmas, ali estavam os mesmos bancos azuis e as mesmas mesas pretas, os mesmos corredores largos e a mesma cantina, pintada da mesma cor pastel suave. Luca até conseguia reconhecer alguns rostos familiares no meio de outros mais jovens. Era um dejavú, só que agora ele via as coisas do alto, numa perspectiva distante, quase deslocada, onde antes seus dias eram permeados por ansiedade e incerteza, agora tudo parecia mais fácil e incolor, ainda que um pouco doloroso, mas sem importância e talvez até confortável. Talvez fosse pelo fato de Elijah ainda estar segurando em sua mão, conversando com a mesma secretária de dois anos atrás, uma senhora de cinquenta anos, sempre sorridente e solícita.
No fim, não demorou muito para ele conseguir seus papéis de admissão que precisaria mostrar a seus professores.
— E então, língua portuguesa? Aula dupla? Eu também tenho. Me deixa ver seu horário.
Luca deu de ombros e tirou de dentro da bolsa sua grade horária de aulas. Ele observou Elijah pegar o papel de suas mãos, franzir a testa em concentração e entregar a folha de papel de volta para ele: — Temos a maioria das aulas juntos. Você está no clube de música? Eu costumava estar no de música também, prática de violão. Agora, só no basquete.
— Parece ser o mais fácil.
— Eu aposto.
— Cala a boca. — Luca empurrou Elijah pelos ombros e andou para fora da secretaria. Poucas pessoas sabiam que ele tinha facilidade para coisas criativas e talvez ele tenha tocado algo para Elijah durante os anos. Bem, isso não era da conta de ninguém além dele e de Elijah.
— Luca, as salas mudaram! Estamos usando os auditórios.
— Tá bom. — Luca revirou os olhos e dessa vez nem se surpreendeu quando Elijah o alcançou e tocou em seu ombro, suas mãos grandes deslizaram por suas costas até chegar em sua cintura, o guiando suavemente na direção correta. Na verdade, Luca não lembrava dessa escola ter um auditório, então, se deixou ser guiado por Elijah, uma presença confortável e calorosa a seu lado.
***
Infelizmente, em poucos minutos de caminhada, Elijah e Luca chegaram ao auditório, interrompendo o momento de quietude e fazendo Luca reconhecer a mudança imediatamente. Aquele era um grande espaço perto da quadra principal de esportes que costumava ser parte da floresta e dos cultivos de plantas e vegetais, mas que agora abrigava um prédio alto com alguns andares e que se estendia por longos metros, quase se fundindo a vegetação da floresta. Entretanto, esse não era o momento de apreciar a beleza do prédio ou da natureza ao redor. Elijah empurrou a porta principal e eles entraram pelo saguão da recepção, logo passando por uma atendente e andando por duas salas a frente para entrar na terceira, abrindo a porta e encontrando a sala de aula que eles procuravam.
Quando eles enfim entraram no auditório a aula já tinha começado. A professora Johnson não era do tipo que se importava com atrasos se a aula não fosse atrapalhada, por isso Elijah ficou parado na entrada principal da sala, longe do olhar da professora, preferindo ver Luca descer até o palanque onde a professora estava, o vendo entregar o papel para ela assinar.
O que Elijah podia dizer? Luca era uma visão bem mais interessante naquele momento, longas pernas encobertas por um jeans justo, bunda empinada, cintura fina, ombros largos, profundos olhos negros e uma boquinha que parecia estar sempre mordida e avermelhada, pele negra e bronzeada, parecendo ser tão macia que ele não resistiu a vontade de tocar nele assim que pôde, só para testar a teoria, principalmente depois de tanto tempo longe um do outro.
Elijah admitia, estava indo rápido demais, mas tinham sido dois anos inteiros! Era tempo suficiente para saber se você gosta de alguém, não era? Sem contar os sete anos antes disso. Talvez ele devesse ter ido para a Itália com Luca quando William ofereceu, sempre generoso mesmo que ausente na maioria das vezes.
Elijah foi tirado de seus devaneios quando Luca terminou de falar com a professora e veio em sua direção, despreocupado e lento, como se tivesse todo o tempo do mundo, desfilando com suas roupas punk e atitude despretensiosa. Por que evitar algo que ele sabia que aconteceria cedo ou tarde? Se Elijah pudesse, beijaria Luca ali e agora, para acabar com aquela tortura que se estendia por tantos anos. Não foi o que ele fez, é claro. Os anos de descontrole tinham ficado no passado.
Se Elijah tinha esperado por mais de dois anos, podia esperar mais alguns dias.
— Tudo certo?
Luca apenas acenou e pegou em sua mão, o levando em direção ao meio do auditório, onde eles podiam ter uma boa visão da professora e do que ela estava falando. Elijah nem teve tempo de apreciar Luca tomando a iniciativa e tocando nele por vontade própria, embora sentisse que deveria se preocupar mais com a reação das pessoas ao redor deles, os olhares nada discretos e murmúrios feito zumbidos a seu ouvido. O fato era, ele não costumava exatamente namorar garotos em público e tão pouco garotas, principalmente porque Daylla sempre estava por perto para fazer com que todos pensassem que ele estava namorando com ela. Era o que era, Elijah só esperava não ter que socar alguns rostos. Porque ele faria, e com muito prazer.
— Eli? — Ele escutou alguém o chamar e só tinha uma pessoa que ainda o chamava assim. — Em que capítulo a gente está?
— Sete.
— Obrigado. — Luca murmurou mais baixo do que antes e se pôs a ler, completamente concentrado no livro e no que a professora dizia.
Restou a Elijah se perguntar como alguém podia ser tão bonitinho? Tão adorável? Observando um pequeno vinco aparecer entre as sobrancelhas de Luca, vendo seus lábios formarem um biquinho frustrado até que Luca pareceu encontrar o que procurava no livro, relaxando contra o acento e se colocando a fazer anotações rápidas conforme a professora discutia o assunto.
Então, um barulho veio da fileira de cadeiras acima da sua, alguém o tocando no ombro. Ele se virou e lá estava Oliver, seu mais antigo amigo de infância.
— É quem eu penso que é?
— Luca. — Elijah confirmou, tentando ser discreto.
— Aquele garoto quieto e triste que Alina tinha praticamente adotado? O seu garoto italiano? Eu nem reconheci ele. Agora eu entendo a obsessão nos últimos anos. Não que não seja igual a antes, mas…
— Cara! — Elijah sussurrou furiosamente.
Ele não era tão obcecado assim… era? Elijah olhou para o lado, só para ter certeza que Luca não tinha escutado, vendo que o garoto continuava concentrado na aula e voltou a encarar Oliver: — Depois a gente conversa.
— Como você quiser, Don Juan.
— Tanto faz.
Elijah se virou para a frente, vendo onde eles estavam no livro e ignorou todo o resto, vendo Luca empurrar o livro em direção. Elijah não hesitou, colocou o braço ao redor do ombro de Luca, juntou suas cabeças e começou a ler. Quem sabe se ele pudesse se concentrar, a vozinha no fundo de sua mente pararia de lembrá-lo de que isso daria em mais confusão do que ele estava disposto a lidar.
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