Dizem que a atuação profissional é a segunda escolha mais importante na vida de uma pessoa. A manhã de decisão ou tentativa é, geralmente, a mais aguardada pelos jovens. Claro, apenas para quem não se planejou durante 18 anos. Madhya é uma dimensão bastante curiosa. Busca sempre incentivar o interesse por conhecimento. Seja você um arquiteto ou médico, com certeza possui noções básicas de defesa pessoal e às vezes, até magia. Profissões, estudo e habilidades nem sempre atuam juntos. Na verdade, apenas um profissional consegue exercê-las com eficiência e qualidade.
Cada distrito ou reino possui seu departamento responsável pela segurança, seja do próprio território ou invasores de dimensões vizinhas. Usuários de magia e defensores da ordem, os Guardiões são treinados para protegerem sua terra. Cada um utiliza a maestria que preferir para concluir esse feito. Espadas, lanças, magias e pistolas elementais, as possibilidades são infinitas. Ao se inscreverem, escolhem suas armas e passam por um teste. Uma vez aprovados, são selecionados por um dos templos, tornando-se assim, cavaleiros de sua nação.
Estamos no solstício de inverno, época de uma nova Cerimônia de Inscrições. Jovens de todos os distritos se reúnem no Templo da Capital para iniciar sua tão estimada carreira repleta de missões, aventuras e batalhas. E depois de treinar por 10 longos anos, Elliot estava, finalmente, pronto para enfrentar sua primeira tarefa: chegar no horário.
Assim como descrito por seus amigos, Elliot é extremamente determinado, audacioso, teimoso e fala muito alto. Definiu seu destino ainda com 8 anos e seguiu firme com sua decisão. Amante de filmes de heróis, lutas do bem contra o mal e jogos, espelhou-se em seus ídolos fictícios e reais. Sempre com o olhar fixo para sua televisão, imitava frases, golpes e até risadas. “Pode vir, seu demônio otário!” era sua frase de efeito na infância, que logo caiu por terra e ele tentou esquecer à todo custo, mas não teve sucesso.
Um jovem de olhar sério, que está sempre com um sorriso confiante no rosto. Possui cabelos morenos, volumosos e espetados nas laterais. Gosta de manter o mesmo visual sempre, escolhendo um sobretudo preto de couro e mangas curtas, uma bermuda acinzentada, camisa branca com detalhes em vermelho e botas pretas e brancas de cano baixo. Os toques em vermelho possuem destaque por seguirem a cor de seus olhos. Costuma ser uma pessoa direta e bem sincera sobre seus sentimentos. Às vezes, até demais.
Logo, o tão esperado dia chegara. Contudo, acabou acordando atrasado. Pulou da cama e partiu, sem ao menos tomar seu café da manhã. Saiu desesperado, esqueceu o passe livre do trem e enfrentou duas filas para comprar as passagens. Saltou na estação, empurrou e assustou algumas pessoas, esperou uma idosa na escada rolante e, finalmente, estava diante do grande portão do Templo. Arfou por um tempo e ajeitou sua postura, maravilhado com a monumentalidade do lugar. Se não fosse toda a adrenalina e o suor, teria sido bem mais épico.
Seu momento logo foi interrompido pelo soar dos sinos, provavelmente anunciando o início do evento. O portão já estava aberto e Elliot correu para dentro. Provavelmente, os jovens pontuais teriam sido guiados até o salão, pois ele logo percebeu que o lugar era imenso. O hall de entrada era circular, com uma grande escadaria dupla no fundo. No chão de porcelanato marrom, havia um grande tapete vinho, paralelo às paredes brancas, que funcionavam como pé direito duplo. Os corredores possuíam várias portas brancas e compridas. No patamar das escadas, em cima de uma porta dupla e dourada, elevava-se um grande quadro, evidenciando um campo de batalha. Possuía diversas personagens em destaque, que Elliot não fazia ideia de quem seriam. Entrou com pressa e tentou ouvir alguma fala ou discurso. Escutou murmúrios vindos da porta dourada e subiu correndo. Ao chegar, pensou em bater na porta, mas travou.
“Se eu bater posso chamar muita atenção… Aquela multidão toda vai olhar pra mim e eu só vou responder com uma cara de taxo. Será que me expulsariam antes mesmo de eu passar? “ ele pensou. Mesmo assim, que alternativa teria? Resolveu bater. Quando encostou na porta, ela se abriu.
“Mas eu… Mal toquei?”
Uma mulher alta, de longos cabelos castanhos e olhos cor de vinho saiu de dentro do salão, abrindo metade da porta e encarando Elliot. De dentro, escutava-se murmúrios, risos e conversas.
- Você é?
- E-Eu vim… Me inscrever?
Ele respondeu, assustado e nervoso. A moça levantou uma sobrancelha e continuou.
- Ah, sim. Está um pouco atrasado, não acha? - ela riu, ironicamente.
Abriu a porta e apontou para uma mesa no final do salão.
- A Sacerdotisa já se pronunciou e deu as instruções. É só você pegar uma folha sortida naquela mesa, ela terá as diretrizes para o seu teste.
- Sortida?
- Sim - ela o olhou feio - Sortida.
Dando-lhe uma última encarada, a moça seguiu seu caminho calmamente. Elliot ficou confuso, sem entender o que tinha acabado de acontecer. “Que mulher antipática.”, pensou. Entrou na sala e olhou ao redor. Era um salão circular, rodeado por janelas de vidro. Um lustre coberto de diamantes caia no meio do teto branco e levemente ornamentado com detalhes e sancas de ouro. O chão parecia um espelho, seguindo o contraste branco e dourado do lugar. No fim da sala havia um palco também decorado e com cortinas em vermelho. No centro dele estava a mencionada mesa, Elliot pensou, pois apoiava algumas folhas espalhadas.
“Olha só, arquitetura clássica! Não gosto, mas combinou.”
Vários jovens conversavam sobre suas missões. Alguns animados, outros assustados, havia todo tipo de reação. O menino de cabelos castanhos só ficou mais ansioso com tudo aquilo. Um pouco arrependido de ter dormido tanto, mas ainda assim, animado com a situação.
Finalmente chegara até ali. Depois de tantos sonhos, ensaios, especulações e estudo, ele finalmente estava pronto para encarar a prova e ser contratado como Guardião. Madhya nunca vira homem mais talentoso e determinado que Elliot Yamada.
Mediante toda a empolgação, ele andou pelo salão, subiu as escadas laterais do palco e chegou até à mesa. Apenas uma folha era diferente das demais, preta e com seu nome escrito em branco.
“Isso é… Um envelope? Espera… Como te o meu nome aqui?”
Ele o abriu. Dentro, havia uma folha com um carimbo em vermelho dizendo “CONFIDENCIAL”. E logo, ansioso, leu o título de sua missão.
“Resgatar uma… Chama de… Dragão?”
Virou-se para a multidão, ainda olhando para a folha, atraindo a atenção de algumas pessoas. Um dos meninos o questionou, fazendo o salão inteiro reparar na sua feição assustada.
- E aí, fala! Vai precisar caçar um troll da floresta ou o que?
Elliot abaixou o braço, ainda com uma expressão assustada, e olhou para o menino.
- Eu vou… Matar um dragão.
***
O lugar morreu em silêncio. Todos os jovens compartilharam da expressão assustada de Elliot. Ninguém conseguiu assimilar aquilo. Nem imaginar o que eles fariam no lugar dele. Aquele era apenas o teste de admissão e Elliot teria que enfrentar uma criatura mítica, extremamente inteligente, rápida, resistente e…
“Extinta. A raça dos dragões de fogo foi extinta. O que raios eu vou... fazer?”
Os dragões de Madhya são seres ancestrais e alguns até mitológicos. Existem há milênios antes dos seres humanos. Algumas escrituras descrevem que eles influenciaram na criação das outras vidas inteligentes no mundo. Atualmente, existem apenas dragões divinos, de gemas e metais. As espécies elementais foram extintas há séculos como resultado de uma guerra entre as três grandes dimensões. Eles deixaram livros, cultura e até sua linhagem com tribos humanas, para que fossem preservadas e passadas entre os séculos. Segundo a lenda, essas tribos se isolaram das civilizações em expansão e nunca mais foram vistas. Há quem diga que nunca existiram; que são apenas lendas perdidas no tempo. Os dragões de fogo deixaram chamas para alimentarem os povos de sua linhagem. Grupos de mercenários e saqueadores as buscam por todo o continente, sem sucesso. Mas o felizardo que achar uma delas, terá uma vida banhada em ouro.
Elliot estava atordoado, demorou para lembrar que sua maior tarefa seria achar uma tribo de dragão e não um dragão vivo. Na verdade, acabaria até sendo mais difícil. Ele andou no meio dos companheiros, que ainda o encaravam. Chegou até a porta e a fechou. Selou seus olhos e ficou alguns minutos estático. Logo, olhou para cima. Reparou em cada detalhe da ampla pintura de batalha do teto do hall de entrada. Lendas foram eternizadas naquele lugar. Sua essência ainda podia ser sentida pelos que entravam e testemunhavam a grandeza de seus feitos. Por um momento, ele pensou em largar a folha e ir pra casa. Aquilo não tinha sentido, era uma missão impossível até para alguém experiente. O que a Sacerdotisa queria dele? Como conseguiram separar as missões por nome? Será que apenas a dele era confidencial? Sua cabeça estava a mil, não sabia por onde começar. Gostaria de ter se encontrado com a futura chefe para tirar suas dúvidas.
Desceu as escadas e parou no centro da entrada, ainda pensativo. Virou-se e olhou intensamente para a porta do salão, pensando em desistir da missão, talvez até trocar com alguém.
- Ah, cara… O quê que eu to fazendo.
Ele balançou a cabeça e apertou sua folha. Respirou fundo e decidiu dar o primeiro passo. Quando virou novamente para sair do hall, deparou-se com uma menina na frente dele. Na verdade, estavam bem próximos. Elliot arregalou os olhos, assustado. A garota perguntou, calmamente.
- Você precisa de alguma coisa?
- Hã?
Ela riu. Era uma garota de longos cabelos azuis, olhos prateados e notavelmente mais baixa que ele. Tinha uma voz doce e um rosto gentil. Usava um kimono rosa claro e dourado que se tocava o chão espelhado do templo.
- Ah… - ela apoiou o dedo indicador no queixo e continuou, sorrindo - Uma futura colega de trabalho, talvez?
- Ah, sim. Você também pegou uma dessas então.
- Posso?
A menina pegou a folha e começou a ler. Elliot imaginou que ela iria dar um pulo ou até rir depois que entendesse sua tarefa. Ele até pensou em pedir-lhe ajuda ou uma parceria, talvez até conseguiria uma companheira no primeiro dia do teste.
- E então?
Ela devolveu-lhe e perguntou.
- Vai precisar de um tutor. Já escolheu sua arma?
- Não… Mas, espera, um tutor?
Dessa ele definitivamente não sabia. Ela riu novamente e apontou para uma porta do 2º piso esquerdo. Era uma porta dourada e alta, bem destacada das demais. Elliot acompanhou e a observou.
- Isso. Vá até a última sala daquele corredor e dê o seu nome. Ele já deve estar te aguardando.
- Nossa, não sabia que teria um professor me acompanhando. Isso facilita.
- É… E olha que você quase desistiu.
- Como?
A jovem sorriu e o apressou dizendo “Vai, vai logo! Vai perder o horário de expediente!”. Ele ficou bastante confuso, mas entendeu a mensagem. Fez um gesto de agradecimento com a mão e subiu as escadas correndo. Chegando no fim, pensou em perguntar o nome da jovem. Virou-se e não a encontrou.
“Ué? Bom… Eu pergunto quando voltar.”
Chegou até a porta e a abriu. Era um corredor nos mesmos moldes das outras salas. Seguiu até a porta de vidro no fim do corredor, esse que tinha vários quadros de guerreiros importantes da história. Estava animado, imaginando como seria o seu tutor.
“Ele provavelmente já deve ser de alguma tribo de dragões… Ou até um caçador! Será que admitem gente assim aqui? Ah, tanto faz. Deve ter uma experiência absurda no assunto! Nossa, que alívio.”
Foi chegando perto e reparando na transparência da sala, que mostrava uma mesa de secretaria na frente de uma parede de cortinas na cor vinho. Sentado atrás dela, mexendo em um computador de tela bem fina, tinha um rapaz de cabelos castanhos, semblante excêntrico e olhos alaranjados. Vestia um sobretudo marrom e uma camisa preta. Pareciam ter a mesma idade.
Elliot abriu a porta e foi até ele, que logo deixou duas tarefas e virou-se para Elliot. Fez surgir óculos de grau em suas mãos, os vestiu e verificou Elliot de ponta a baixo.
- Posso ajudar?
Estranhando a atitude e os óculos fantasmas, Elliot afastou-se um pouco da mesa.
- Eu… To procurando meu tutor. Peguei uma missão.
- Nossa, ninguém mais vai precisar fazer prova? Foi muita perseguição.
- Prova? - Elliot riu de lado, sem entender.
- Isso. Eu tive que passar em um teste escrito pra entrar aqui porque queriam medir minha sanidade e sinceridade, não é bizarro?
- O que?
- Exatamente. - ele estendeu a mão - Valian, o guardião faz tudo desse lugar, mesmo que desconfiem de mim o tempo todo, é um prazer. No momento sou secretário dos tutores e guardiões mais experientes. Meu café é incrível também.
Eles se cumprimentaram com um aperto de mão.
- Elliot, prazer. E eu nunca tomei café, fica pra próxima… Como assim uma prova?
- Uma prova. Papel e caneta.
- Entendi.
“E eu tendo que achar um dragão, que palhaçada.”
- Bom, Elliot, né. Deixa eu pesquisar aqui… - Valian voltou-se para o computador - Ainda não escolheu suas armas? Diga lá.
- Um par de garras. - disse Elliot, sem hesitar, como se estivesse apenas esperando a pergunta.
Valian o encarou de imediato e riu.
- Então tá bom. Vou providenciar pra você lá dentro. Agora, o seu tutor… Vejamos.
Após procurar em todo o sistema, o menino excêntrico questionou.
- Ué, não te achei não… Será que está nessas folhas aqui?
Ele revirou todos os documentos em sua mesa, bagunçando o local todo. Até que levantou uma folha e gritou.
- ELLIOT! Achei. Vamos ver… Alice! Vou chama-la, aguenta aí.
O menino se retirou e entrou pelas cortinas, que sercavam tudo - a não ser a mesa - e iam até os extremos laterais da sala. Elliot continuou idealizando sua tutora.
“Nossa, é uma moça. Imagino que seja habilidosa com arco e flecha igual a minha mãe… Ou com adagas! Uma espada também…”
Logo, Valian apareceu novamente com dois braceletes pretos na mão e, seguida dele, a suposta Alice entrou pelas cortinas. Elliot arregalou seus olhos e apontou para ela.
- Você!
- Ah, não… Logo o menino atrasado, claro.
Alice era a "moça antipática" que o recepcionou na porta do salão. Elliot virou para Valian e perguntou, sem hesitar.
- Eu quero trocar de tutora.
- Você o que? - indagou Alice.
Valian ameaçou uma risada.
- Acho que… - colocou uma mão fechada na frente da boca - Isso não será possível.
Os dois companheiros ficaram se encarando feio por um tempo, até que Elliot virou a cara e andou em direção à saída.
- Então vamo logo porque eu não tenho tanto tempo.
Alice apoiou os braços na cintura e suspirou. Valian o entregou os braceletes e explicou que quando precisasse, suas armas iam aparecer.
- Elas irão se materializar de acordo com o usuário.
- Se você quer espaço no carro, é bom se comportar adequadamente. Sua avaliação começa agora. - falou Alice.
- Ah… ótimo. - disse o rapaz, com um tom de desdenho.
"Mas que bruxa."
"Moleque petulante."
Os dois saíram juntos pela porta. A partir de agora eles deveriam trabalhar juntos. E Elliot estava cada vez mais perto de se tornar um Guardião.
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