- Como assim?
- O que você não entendeu?
- O que você faz na faculdade de Artes?
- Ah, um monte de coisa, não consigo explicar.
- Não queria policial? Por que não quer mais? Você cansou? – bateu a mão na testa e fez seu característico gesto de pergunta.
- Não, olha... algumas coisas mudam. A gente muda de ideia, sabia? É assim que funciona. - respondi, meio sem jeito com esse tipo de indagação, ainda mais com alguém de idade pequena.
- Não muda não! Eu não mudei nada! – cruzou os braços, torcendo o olhar pro lado.
- Muda sim, cara. Olha, você... – pausei, mas retomei a sentença – ainda vai crescer e quando for adulto vai entender tudo, ok?
- Não vou ser adulto. É chato.
- Todo mundo é adulto um dia, cara. Todo mundo cresce, fica adulto e depois fica velhinho. A mamãe é adulta, a vovó é velhinha, a bivó também.
- Eu não vou ser! – voltou a se emburrar, me olhando bravo com característica.
- Tá bom então.
- Eu quero ser policial. – sentou-se no sofá, balançando as perninhas que ainda tinham um longo caminho para percorrer até tocar o chão.
- Eu sei disso. – sentei-me do lado, cruzando uma perna perpendicular à outra.
- E aí eu vou ganhar dinheiro e ficar rico e vou prender os bandidos. – socava o ar conforme narrava, fazendo gesticulações de explosão e onomatopeias até demais.
- Tudo bem. Você tem que fazer o que tem vontade, mas só quando ficar adulto.
- E agora? – me perguntou com o lábio superior cobrindo o inferior, obviamente envergonhado pela questão óbvia até pra ele.
- Agora nada. Você tem que obedecer a mamãe, a vovó, o vovô e todo mundo que é mais velho.
- Até você?
- Eu? Claro que eu também, Ga-...
O menino me olhou com um olhar criterioso, nunca havia visto uma criança tão séria na minha vida. Ele balançou a cabeça em negação logo após ouvir o nome por qual eu iria chama-lo.
- Eu também... João. – pausei, ainda extasiado pela confusão que havia feito.
Não era meu irmão. Após ouvir o nome, sorriu e acenou como forma de adeus. A minha imagem de 13 anos atrás no sofá se desmanchava aos poucos, como se o vento o soprasse em grãos de areia pra o infinito. Percebi que estava sozinho. Estive sozinho o tempo todo, acompanhado de mim mesmo de uma década antes. Rezo para que não tenha desperdiçado todos os meus bons anos.
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