O início da manhã sempre me agarra e me arrasta para fora da cama. Calcei os chinelos amarelos ao lado do colchão e arrastando os pés me levei ao banheiro esfregando os olhos. Era mais uma manhã esquisita e o que me incomodava era como essas manhãs esquisitas estavam se tornando um tipo de rotina.
Encarando meus olhos grandes e castanhos no espelho, os esfreguei mais uma vez tentando focar melhor, girei a torneira e assisti a água caindo por alguns instantes antes de jogá-la no meu rosto. Coisas bobas assim me deixavam hipnotizada nesse mundo novo, inspirando me lembrava de como a água que guardávamos em gordos barris era muito mais gelada. Gargarejei um pouco e fechei a torneira.
Usar a privada todavia era um tanto incômodo, “Ela sempre está tão gelada a essa hora da manhã…”. Me sentei sentindo o corpo arrepiar.
Deixei o banheiro, ouvindo o som espalhafatoso da descarga, ajeitei o cabelo em um rabo de cavalo ao voltar ao quarto. Coloquei um a um meus anéis que estavam no criado-mudo, exceto pelo polegar, e me direcionei a janela puxando completamente as cortinas permitindo o sol invadir o quarto, o brilho amarelado destacou as cores dos diversos objetos ao meu redor que nem mesmo sabia os nomes ainda.
— Vou estar no quintal — falei com o garoto que resmungava debaixo das cobertas.
Uma cigarra inconveniente ainda cantava em alguma árvore da vizinhança e o orvalho ainda persistia em algumas folhas, apesar de estar um pouco escuro, a iluminação era suficiente para o que eu planejava fazer.
Desferindo socos e mais socos podia sentir meu rabo de cavalo se jogando em meus ombros, os dedos firmemente fechados permitiam os anéis se posicionarem bem como se fossem um par de socos-ingleses. O ar saia dos meus lábios com um tiro intenso e retornavam na mesma velocidade, não podia me dar a liberdade de ficar muito tempo sem ar nos pulmões. Me abaixei e voltei a levantar guiando um soco potente, deslizei a perna direita para trás seguido de outro soco, dessa vez avancei duas vezes e os punhos seguiam o ritmo, virei o corpo sempre mantendo os olhos no meu adversário imaginário, estava veemente cumprindo com a minha rotina de treinos.
Se passou meia hora até que arfando um pouco me sentei na grama do quintal contra a parede da casa, agora que meu cérebro estava se acalmando pude sentir o vento gelar o suor do meu corpo me fazendo ter pequenos calafrios.
— Pelo menos meus braços não me abandonaram ainda, minha ma...
Erguendo a mão direita agarrei um pano grosso que foi atirado na minha direção.
— Uau. Isso sim são ótimos reflexos.
Ele jogou também uma garrafinha para mim e a agarrei com a mesma precisão.
— Você é uma estrela do boxe em ascensão ou o quê? — Desastrosamente ele tentou imitar meus movimentos.
Bebi um punhado de água e enxuguei a boca com o braço. Coloquei a garrafinha no chão segurando-a com as coxas e usei a toalha para enxugar o suor antes que outra brisa viesse.
— Por que eu viraria uma estrela no boxe do banheiro?
— Sempre esqueço que você não é daqui — Ele mostrou um sorriso sem graça — é um… Estilo de luta.
— Eu estou praticando para me tornar uma guerreira, tal como minhas amigas. Estamos aprendendo a usar nossa força e magia como arma para proteger nosso reino.
— Isso parece bem legal — Ele olhou levemente para cima — é fácil te imaginar com uma capa e máscara — riu.
— Humanos têm o costume de usar máscaras, é bastante ridículo.
— Sabe que isso também me ofende né?
Me levantei entregando a ele a garrafinha e a toalha, e o respondi com um sorriso brincalhão:
— E quem disse que eu me importo?
Movendo-me para dentro fui ao quarto e alcancei meu uniforme que estava dobrado e pendurado nas costas da cadeira do quarto, voltei ao banheiro para um banho. Dentro do boxe ainda me sentia levemente confusa sobre o funcionamento daquela coisa, girei o registro e senti a água despejar em mim como uma chuva morna, sentir cada centímetro do meu corpo estremecer de prazer com o calor da água era extasiante. Junto das sensações minha mente revisitava as memórias dos dias anteriores, dias caóticos. Uma leve tristeza tocou meu coração seguida de uma profunda preocupação.
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