Cassian estava parado na frente do altar, segurando em suas mãos um velho livro com a capa de couro e em seus olhos lágrimas que ardiam no calor e cinzas. Seu rosto chamuscado expressava todo terror contido enquanto assistia a cena: uma catedral caindo em desgraça, com chamas tão altas que nem mesmo o fogo sagrado poderia se comparar. Sua cabeça girava em volta de perguntas, todas tão simples de responder, mas definitivamente dolorosas demais para reconhecer tais respostas.
Como pude deixar isso acontecer? Cassian se perguntou desesperado, procurando com seu olhar alguma forma de sair daquele lugar. Seus olhos dourados refletiam as cores dos vitrais quebrados, iluminados como uma pintura desastrosa, tão assustados que se tornavam parte da caótica arte que se pintava a cada segundo que o fogo consumia o templo.
Com um alto som metálico, Cassian virou seu rosto em prantos, reconhecendo o tilintar agudo da prata. Sentindo seu peito aliviar por alguns segundos, o rapaz sorriu ao ver a figura de azul saindo debaixo dos escombros, tendo soltado sua espada momentaneamente para retirar um pedaço da estátua que havia caído sobre si. Ao seu lado, lutando para não cair inconsciente, estava uma figura de vermelho, segurando fortemente com seus dentes o que parecia ser uma plaqueta da mesma cor. O sorriso, no entanto, caiu. Como ele tiraria os três dali? Se fosse apenas ele, talvez pudesse correr pelas chamas e sair com apenas algumas queimaduras, mas agora ele precisava se preocupar com os três de uma vez só! Os dois não estavam nem perto de terem condições para fazer movimentos arriscados, e Cassian não chegava nem perto de ser habilidoso em circunstâncias normais, quem dirá em meio a tanto caos?
“Cassian”
O corpo de Cassian congelou, sentindo um gélido arrepio subindo pela sua coluna, causando uma leve pontada de dor em sua cabeça – quase imperceptível quando comparado as outras dores que passavam pelo frágil e mundano corpo humano do rapaz – tornando a voz parecida com um trovão em sua cabeça, porém, ainda bem-vinda. Sua imediata reação foi lágrimas de felicidade, como um abraço quente numa noite gelada. O tom que ouvia não era usual, preocupado e sério, sem suas brincadeiras e provocações, mas continuava sendo a voz metálica e rouca de sempre.
“Você sabe o que fazer. Não temos muito tempo. Seja rápido”
Como se uma alavanca tivesse sido puxada, Cassian olhou para seu pulso, onde seu bracelete estava piscando em um tom avermelhado. Ele piscava fazia alguns minutos, mas o humano se recusava a abrir a interface por medo do que poderia ser. Agora, com a direção certa, ele entendia que aquele era um chamado. Com um toque, a interface inicial se abriu em um tom carmesim, inúmeros pop-ups infestavam a tela, com falhas de energia e erros de sistema, enquanto a tela de carregamento tinha dificuldade de progredir. Ao se completar, a barra se tornou uma linha sutilmente curvada, que se revelou ser um olho em seguida. Ele parecia alegre em ver Cassian vivo, fazendo movimentos com sua pupila que se assemelhavam com pulinhos de felicidade – infelizmente a felicidade foi logo cortada pelo movimento brusco que o rapaz fez, jogando o pequeno assistente para o lado, enquanto utilizava da tela principal para desenhar um círculo com hieróglifos distintos. O olho os reconheceu de imediato, circulando a sua tela secundária em volta de Cassian como se o alertasse do perigo que sua ideia continha. Mas não havia motivo para olhar para trás. Não, não agora. Tentando não respirar as cinzas dos véus acima de sua cabeça, Cassian suspirou e colocou a ponta de seus dedos em cima de cada símbolo desenhado dentro do pequeno círculo, os girando como uma pequena trava, recitando com a voz trêmula.
Céu é algo que muitos desejam. Não importa a crença, o conceito de paz eterna para a alma é sempre tentador. Infelizmente, Cassian aprendeu da pior maneira que esse conceito era exclusivo do imaginário.
Ele não podia dizer o que era pior, trabalhar incansavelmente no pretexto de que, se não o fizesse, sua alma seria condenada, ou o completo penhasco de intrigas e história antiga que ele acabou caindo ao meter seu nariz onde não era chamado.
De qualquer forma, seu papel era claro, mesmo que significasse se jogar aos animais famintos que habitavam nesse hospício celestial na esperança de trazer a humanidade neles. Não havia volta, tendo cavado sua própria cova enquanto imaginava finalmente encontrar a paz que procurava.
“Não há maior dor do que a de nos recordarmos dos dias felizes quando estamos na miséria.„
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