Como projeto de escritora, eu sempre tentei me referenciar em trabalhos diversos e experimentar ao máximo meus sentimentos. Nunca considerei empatia como uma qualidade humana, mas sim uma importante arma para desenvolver melhor meus personagens. Por isso, quando mangás e animes entraram na moda, eu caí de cabeça.
Histórias completamente diferentes do que eu estava acostumada, se desenrolaram diante dos meus olhos. Aprendi algumas das diferenças absurdas entre as culturas ocidentais e orientais e, em algum ponto, estava fascinada por aquela outra metade do mundo - por dois países de lá, para ser mais específica.
Depois de aprender uma curiosidade - que para mim não fazia muito sentido, mas fazia parte da cultura de lá - acabei me tornando uma fã de um dos grupos pop mais famosos da Coréia do Sul. Não importava se eu estava no ônibus, escrevendo meus contos ou mesmo buscando referências, eu sempre estava ouvindo esta banda - especialmente depois de descobrir sobre o passado triste de um dos membros.
...parando pra pensar, talvez isso seja a causa…
Bem, fazendo um resumo da situação, fui contratada para escrever a lore¹ de um jogo. Meu último pedido havia sido criar um ritual para que o mago do time pudesse invocar uma magia suprema, então comecei a escrever. Depois de ter 7 ideias reprovadas, eu já estava sem referência, então fui pesquisar nas páginas esquecidas do Google - aquelas depois da página 4 -, embora estivesse tentada a buscar na darkweb...
Deus, o Diabo ou mesmo a produtora, mandou uma notificação para todos os fãs premium avisando da estréia antecipada do novo vídeo clipe da banda em dez minutos. Toda vez que minha fatura chegava eu me perguntava se este era realmente um gasto que eu precisava ter, mas os conteúdos exclusivos; mensagens de aniversário genéricas dos membros da banda; descontos em shows - não que eu tivesse ido em algum - e acesso antecipado dos clipes me impediam de cancelar a assinatura…
Voltando ao assunto, eu simplesmente não podia ignorar o aviso, então abri uma aba com o link enviado, para depois continuar minha pesquisa. Uma voz interna, me diz que eu deveria me arrepender ou, ao menos, ter aprendido uma lição, mas tudo é uma experiência válida para uma escritora!
De qualquer forma, como de costume, eu estava trabalhando e ouvindo música quando tudo aconteceu. Mais precisamente, eu estava ouvindo o novo single pela terceira vez, cantando a única coisa que fui capaz de aprender, enquanto tirava print dos símbolos mágicos e possíveis rituais, quando senti uma terrível dor de cabeça. Antes que eu conseguisse sair do quarto, minha boca ficou tão seca que me causou uma crise de tosse forte o suficiente para me fazer acreditar que vomitaria. Eu me escorei na parede mais próxima, curvando meu corpo, de olhos fechados, desejando um copo d’água. Quando de repente, tudo parou.
Sem dor de cabeça. Minha boca ainda estava seca, mas não mais do que se eu ficasse algumas horas sem beber água. A tosse nem sequer deixou minha garganta irritada. Foi engraçado pensar que eu poderia, pela primeira vez, ter uma reação positiva do meu corpo. Porém algo estava errado. Não mais estava escorada em uma parede. Pela altura e forma em minhas mãos, o que me dava apoio parecia uma cadeira, também havia um par de mãos em minhas laterais.
Vozes familiares diziam coisas incompreensíveis.
Ao abrir os olhos vi três pares de pernas próximos a mim. Os all stars vermelhos provavelmente pertenciam a quem me escorava. À minha direita um homem falava coisas estranhas com um tom preocupado, enquanto outro trazia, desesperado, um copo d’água.
“Quem?” ecoava em minha cabeça. “Onde?” surgiu em seguida ao perceber que não estava em casa, especialmente ao sentir estranha familiaridade.
Bebi a água observando os rostos de feições asiáticas e quando devolvi o copo vazio para a pessoa a minha frente, finalmente reparei que o moletom que vestia era diferente do que usava instantes antes. Mesmo minha mão me era estranha. Ela era mais máscula e branca… não importa quanto tempo eu ficasse sem tomar sol, era impossível apagar a minha descendência, provavelmente, indigena. Mas foi só ao reparar no reflexo do tampo da mesa que gritei em desespero.
Queria dizer que acho que merecia prêmio por só ter gritado. Sério. Desmaiar não seria estranho nesta situação.
Olhando para as pessoas ao meu redor, finalmente reconheci os rostos sem maquiagem dos meus idols. As palavras estranhas e incompreensíveis não eram nada além de um idioma que não dominava. Os rostos deles espelhavam o meu - choque e confusão.
Eles continuavam falando comigo e eu não sabia se dava uma de fã louca ou se tentava me conter. Mas a preocupação em seus rostos delicados fez-me sentir culpada.
-...MC? - perguntei pelo líder da banda, com uma voz que não era a minha.
Os meninos falaram coisas que eu não entendia.
-K? - até onde sabia, estes eram os únicos membros da banda que falavam inglês fluente. Por isso, quando ninguém saiu para buscá-lo ou pegou o telefone, eu simplesmente corri para a porta mais próxima e me tranquei dentro do cômodo.
Por sorte ou azar acabei me trancando no estúdio de dança. Ou seja, num local com câmeras, onde ocorriam várias transmissões para os fãs. Com sorte Min, Han ou Park iriam contatar alguém da agência e eles trariam o empresário - quero dizer, MoonLight é um grupo que faz turnês internacionais regularmente, então o empresário tinha que saber inglês, né? - também tinha a possibilidade de alguém da empresa acessar as câmeras do estúdio para ver se conseguiriam uma cena boa com quem o estivesse usando… a esperança é a última que morre! - é esse o dito, né?
Sem nada para fazer eu me sentei perto dos espelhos - não sou tão burra, se ficasse perto da porta e alguém tentasse arrombá-la, mais do que me machucar, eu poderia conseguir problemas com a agência e sabe-se lá quantos fãs (Astronauts podem ser mais assustadores do que a polícia…). Talvez seja falta de educação, mas absorvi cada detalhe que pude do corpo. Não toquei as partes íntimas, porque isso me parecia muito errado, mas uma voz na minha cabeça me disse que se August estivesse no meu corpo, tinha grande chances dele não estar sendo tão educado… Neste momento eu torci para astros coreanos serem mais comportados e educados do que a maioria dos garotos que conhecia e personagens em filmes de Hollywood.
Enquanto tentava replicar o único passo que conhecia do penúltimo single do Moonlight, a porta foi aberta do lado de fora e MC e K entraram preocupados. Meus olhos se encheram de lágrimas, embora eu não soubesse exatamente se era de alívio ou medo.
-I am so sorry! - chorei em inglês, deixando todos ainda mais confusos. K e MC tentaram falar comigo, mas eu continuava sem entender. - Speak in English, please. I don’t understand Korean.
Surpresa e preocupação tomou conta não apenas do rosto dos meninos, que me entendiam, o corpo deles ficaram tensos, enquanto olhares foram trocados.
-What do you mean? - perguntou K, quase não consegui me deliciar com sua voz grave.
-Eu não sei! - eu comecei a me explicar com a voz um pouco trêmula - Eu estava em casa trabalhando, ouvindo Fly High pela terceira vez, quando comecei a ter dor de cabeça e a tossir… quando eu percebi eu estava no corpo do August! - esqueça controle, eu já estava derramando litros de lágrimas, e mesmo que o rosto de August não ficasse muito bonito em prantos, ele ainda ficava melhor do que eu. Maldita genética! - E acho que ele pode estar no meu!
-Do que você tá falando? - agora foi a vez do MC falar.
-Sei que parece loucura, eu mesma não acredito muito. Mas se August estiver no meu corpo, ele vai ter muitos problemas. - como fã, sabia que minha vida estava cheia de gatilhos para o rapper. - Não sei como provar que eu sou eu, mas consigo provar que não sou o August.
Um tipo diferente de tensão se espalhou entre os membros que falavam inglês. Han falou alguma coisa e K respondeu. MC deu um sorriso e pediu para que eu provasse.
-Bem, August não sabe falar inglês. Ou ele começou a estudar inglês recentemente? - MC e K arregalaram os olhos em resposta - Não importa! Os únicos raps que sei, são alguns que eu ouço, mas não consigo acompanhar os rappers na maioria deles. Sei dançar ballet e já fui Prima no Lago dos Cisnes e fiz aulas de circo por vários anos. - acho que usei o conectivo errado, mas quem liga? - Posso dissertar sobre os menes brasileiros; sou boa em matemática, física e posso falar sobre energia nuclear; sei atirar e… - eu quase falei que sabia um pouco de ocultismo, mas isso poderia me colocar numa situação perigosa mais pra frente - sei falar, português brasileiro, espanhol chileno, um pouco de francês e italiano, além de pedir pizza, cerveja e água em alemão. De coreano eu só sei o módulo básico do MoonApp…
-É sério isso? - perguntou K.
-Sim. - consegui dizer em coreano. - Mais importante que isso, August... ele não pode ficar no meu corpo! É muito perigoso para ele! - deste ponto em diante foi uma confusão.
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