O mais estranho naquela noite não era somente o céu - esse por si só era um manto negro sobre sua cabeça, toda a superfície sem nuvens e sem estrelas - , mas também os ventos não sopravam e o ar era seco, dando-lhe a impressão de estar perdendo o fôlego aos poucos. Absolutamente tudo o que via era incomum; as cores, a grama em seu pé, e principalmente a imensidão que se perdia de vista diante de si.
Link não se lembrava como havia chegado ali, tampouco sabia onde estava, mas tinha a plena certeza de que aquele lugar não era sua amada floresta. Um Kokirí de 12 anos longe da floresta só podia significar problemas, sobretudo em uma noite escura e sombria, era o que era perpassado entre seu povo. Estremeceu-se com a ideia de transformar-se em algo diferente.
Sua cabeça balançava e sua visão embaçava quando tentava cerrar os olhos com dificuldade para a vastidão verde ao seu redor. Não podia distinguir muito, a neblina ao seu redor rareava muito lentamente e com dificuldade pôde notar que o campo se expandia em grandes ondulações de terreno em todas as direções. Podia até avistar uma grande montanha ao longe ao se esforçar, era gigantesco e seu cume sombrio estava repleto de nuvens. Mesmo com o vento agourento sibilando por entre suas juntas, tentou dar alguns passos sem rumo a fim de explorar o lugar, girou os calcanhares e assombrou-se com o que pôde ver a poucos metros de si; um grande amontoado de pedras erguia-se para o alto e para os lados, uma imensa parede cuja extensão era ocultada pela neblina. Já ouvira falar nelas em seus estudos da vila, mas vê-la de perto era de encher os olhos. Havia ainda uma estreita construção de madeira entre as pedras, iluminada aos poucos por chamas que bruxuleavam preguiçosamente suspensas em seus pedestais de ferro. Link queria ver mais de perto, mas ao dar mais alguns passos deteve-se diante de um grande riacho que cortava o caminho e o mantinha distante da grande construção.
Bufou silenciosamente. Olhou ao redor à procura de algo ou alguém que lhe pudesse ajudar, mas não via nada além do campo já sem neblina. Podia ver mais além, percebeu. O grande vazio em sua frente. Começou a temer por estar ali, o ar frio e rarefeito lhe dava calafrios e a névoa como que para amedrontá-lo ainda mais se dissipava completamente ao longo do horizonte vazio e escuro. Voltou-se ao riacho e pôs sua mão até o pulso. Estava gelada, mas não era escura, talvez pudesse nadar até a estrutura de madeira e gritar por ajuda, pensou. Podia ver as luzes pelas frestas, afinal. Mas antes de pôr o plano em prática, um rangido o chamara atenção.
Com um solavanco, a estrutura de madeira entre as pedras se pôs a mover enquanto emitia um feixe de luz de sua parte superior ao descer lentamente em sua direção. O interior se abria diante dele e sua curiosidade o levava para mais perto. A porta, já conseguia perceber, se tornaria a ponte que o permitiria atravessar o riacho e aos poucos podia sentir o calor emanar do clima quente do interior que a parede guardava, seu rosto se abriu em um sorriso. Subitamente, porém, antes mesmo da ponte encostar na margem na qual esperava, um cavalo branco pulou para fora por sobre a sua cabeça a uma velocidade admirável. Em choque, seus olhos seguiram o animal lentamente, e rapidamente notou que duas pessoas o montavam, uma mulher com trajes pesados e cabelos brancos, e uma garota que parecia ter a sua idade.
A garota o encarou com olhos em desespero.
Link sentiu o calafrio novamente. Um misto de confusão e socorro estampado em um rosto amedrontado. Paralisou-se sem saber o que fazer, sentiu a onda de terror subir seu corpo na mesma intensidade. Queria correr para ajudar. Queria correr para fugir. Mas tudo ocorrera tão rapidamente que em segundos o cavalo já desaparecia na escuridão ao longe e nada mais importava, até um sopro em sua nuca o tirar do transe.
Foi o tremor percorrendo seu corpo que o fez virar-se novamente. Um cavalo bufava ferozmente diante da ponte já caída. Link quis gritar, nunca vira um animal tão grande. Seu corpo negro e seus olhos em vermelho fazia tudo parecer ainda pior, e em seu lombo, grande e espaçoso o suficiente para ocultar toda a luz que provinha do interior, havia a silhueta de um homem. Um homem adulto o fitava do alto e a escuridão de nada impedia Link de distinguir os olhos repletos de desprezo, grandes globos esbranquiçados que emanavam perversidade. Sentiu seu corpo estremecer ainda mais enquanto raios e relâmpagos preenchiam o silêncio e orquestravam o ambiente a sua volta.
Ao notar seu medo, o homem gargalhou.
A risada era grave e puramente maléfica, se fazendo ecoar no vazio ao redor deles, nítida e vagarosamente. Link não sabia como reagir, suas pernas já não tinham forças, seus braços já não se mantinham parados e o suor gotejava a testa. Seu coração parecia saltar-lhe o peito quando arriscou um passo para trás, mas seus pés não respondiam. Tentou seus braços, com dificuldade, mas antes de levá-los para frente, sentiu uma onda de choque percorrer seu rosto.
O homem o golpeara.
Seu corpo voara para longe e a dor lancinante subiu-lhe a boca enquanto o ar escapava do peito diante do impacto ao cair de costas no solo arenoso. A risada maligna ainda ecoou por alguns segundos antes de tudo escurecer e ele abrir os olhos.
Seguiu-se um segundo de confusão. Podia jurar que ainda via o brilho branco da neblina. Piscou mais algumas vezes e não ouvia mais risada alguma. Uma voz aguda o chamava a gritos ansiosos, ele percebeu. Ao abrir os olhos de uma só vez, o que vira foram somente minúsculos olhos que o encaravam com raiva.
E imediatamente, naquele instante, um grande sorriso lhe estampou o rosto. Havia esquecido tudo que acabara de sonhar, afinal, uma fada o chamava. Uma pequena fada da floresta estava em sua casa, e o chamava.
***
A seguir: O garoto retraído finalmente é reconhecido e convocado pelo grande espírito guardião da floresta para embarcar em uma aventura que atravessa os tempos, os campos e sua própria identidade. Link está prestes a começar uma jornada de lendas, heróis e princesas.
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