Os irmãos só foram acordar, quando sentiram o tranco da parada do navio. Se vestiram e fizeram o mesmo percurso pelos dutos, até saírem na escada de metal verde musgo. Esperaram até que todos saíssem e ao longe escutavam alguns dos tripulantes chamando pelo cão desaparecido. Espreitaram-se até a porta e quando foram correr para o convés, sentiram um puxão nas golas das camisas e notaram que um homem enorme os havia descoberto.
— O que fazem aqui? — perguntou o homem. — Quero ver a passagem dos dois!
— Não estamos com elas senhor. — respondeu John.
— Não? E onde estão seus pais?
— Mas nós nã...
— Hey meninos, vamos! — afirmou uma senhora interrompendo a fala de Allec, aparentando ter seus 50 anos de idade e com os cabelos castanhos encaracolados até os ombros. A mulher usava um vestido branco na altura dos joelhos e um casaco social listrado em cores quentes, que ía um pouco abaixo da cintura. Também utilizava grandes óculos escuros e uma sandália de salto preta. Estava acompanhada de um senhor de mesma idade, com cabelos bem alinhados para trás e levemente grisalhos. O homem vestia uma camisa social esportiva branca, calça jeans e sapatos pretos.
Os dois irmãos se entreolharam, questionando-se em silêncio, se realmente aquela mulher falava com eles.
— A senhora conhece esses dois? — perguntou o tripulante, que soltou os dois meninos.
— Sim! Eles estão conosco. — respondeu calmamente e continuou: — Vamos meninos, não podemos nos atrasar!
Allec e John se entreolharam novamente desconfiados e foram em direção ao casal.
— Me desculpem o engano.
— Tudo bem, tenha uma ótima tarde. — disse a mulher se retirando quando os irmãos se aproximaram e sugeriu baixinho: — Não olhem para trás. — colocou as mãos sobre os ombros dos dois, que obedeceram.
Eles percorreram todo o percurso até o final das docas em silêncio, enquanto observavam a cidade de Merrowmash. Havia alguns prédios no centro e vários bairros residenciais. Não era uma cidade muito grande, mas John focalizou o que mais era de seu interesse, a floresta, que ficava do outro lado da cidade. Já bem distante do navio, John parou e agradeceu:
— Muito obrigado por nos ajudar lá trás!
— Não foi nada, Freddy e eu percebemos que estavam em apuros e decidimos ajudar. Aliás, quais seus nomes?
— Sou Pedro e este é meu irmão Lucas. — afirmou John.
— Olá. — disse Allec timidamente.
— Que gracinha... Como eu já disse meu marido se chama Freddy e meu nome é Esmeralda. — disse sorrindo.
— Prazer em conhecê-los! — responderam os irmãos.
— Agradeço novamente pelo que fizeram por nós, mas precisamos ir... — continuou John.
— Onde estão seus pais? — perguntou Freddy.
John disse a primeira coisa que veio em sua mente.
— Nossos pais estão na Europa, nós viemos visitar um primo.
— Oh meu Deus! Vocês estão sozinhos então? — Esmeralda pegou nas mãos dos dois. — Vocês estão bem?
— Estamos, não se preocupem. — respondeu Allec perdendo a timidez.
— Desculpem perguntar, mas onde mora o primo de vocês? — perguntou Freddy.
— É umas duas horas de caminhada ao sair da cidade. — respondeu John.
— Hum, entendo... — disse Freddy.
— Mas já está escurecendo, vocês tem algum lugar pra ficar esta noite? — perguntou Esmeralda. — Vocês podem encontrá-lo amanhã durante o dia.
— Não. — respondeu Allec.
— Mas não se preocupem, a gente dá um jeito. — completou John, não querendo tomar mais tempo deles.
O casal se entreolhou e ela acenou com a cabeça.
— Por que vocês não vem conosco esta noite? Moramos há alguns minutos daqui e não me levem a mal, mas é que vocês aparentam estar exaustos. — comentou Esmeralda.
— Agradecemos pela generosa oferta, mas não queremos incomodá-los. — respondeu John. — Precisamos ir, me desculpem e muito obrigado novamente! — afirmou e se retirara, puxando Allec pela mão, que não teve reação e olhava para o casal, que os observava indo embora em silêncio.
Allec acenou para o casal, que retribuiu o aceno e em seguida encarou John, como se quisesse dizer alguma coisa.
— Não Allec... Não são dignos de nossa confiança, mesmo eles tendo nos ajudado.
— Mas... Mas nós nem demos uma oportunidade para isso... — resmungou baixinho, sendo puxado pelo irmão.
— Não importa. — e seguiram rumo à floresta.
O vento dançava com as folhas das árvores e a sensação térmica cairia em breve. John e Allec se infiltraram alguns quilômetros na floresta, antes de pararem para descansar.
— John, está frio aqui... — Allec disse enquanto sentava em uma raiz e apertava seus braços.
— Pelo menos é mais seguro que a selva urbana. — respondeu ajeitando-se em um canto próximo da árvore e gesticulou com as mãos, para que seu irmão se aproximasse.
— A gente podia estar numa cama bem quentinha agora… — retrucou descontente, se aproximando do irmão.
— Eu sei Allec, mas nós não podemos simplesmente confiar em qualquer um, pois eles podiam muito bem ser Evis.
— Eles pareciam ser legais, mas pra você qualquer um deles é perigoso. — resmungou deitando-se ao lado do irmão.
— Não confio neles e ponto! — afirmou virando-se e ficando de costas para Allec, preparando-se para dormir e comentou: — Além do mais, quando for mais velho irá entender, porque ninguém oferece a própria casa como abrigo para dois estranhos. Agora durma, porque levantaremos cedo amanhã!
01h da madrugada.
John despertou assustado, mas não se moveu. Olhou ao redor e notou a floresta silenciosa. Começou a farejar e se levantou devagar, para que Allec não acordasse. Um cheiro familiar chamou sua atenção. Deu alguns passos em direção do fedor e avistou luzes de lanternas. Abaixou-se imediatamente e se escondeu atrás de uma raiz. Observou por alguns segundos e foi ao encontro de seu irmão.
— Allec, acorda, agora! — sussurrou.
— O q...
John o interrompeu gesticulando em sinal de silêncio e sussurrou: — Venha, mas ande abaixado...
Os irmãos desceram uma ribanceira e correram algumas centenas de metros, até encontrarem uma toca de algum animal, cercada de arbustos. Os dois se espremeram entre as raízes da toca e ficaram em silêncio.
Alguns minutos depois, os irmãos foram surpreendidos pelas luzes intensas nas árvores próximas e escutaram conversas aleatórias. John farejou duas fêmeas, quatro machos e também muita prata junto deles.
Eram Evis, agora John tinha certeza. Começou a rosnar baixinho quando avistou um pé próximo dos arbustos, que cercavam a toca. Ambos os irmãos tremiam, mas respiraram aliviados quando um dos homens chamou o ser próximo à toca e as luzes foram para outra direção.
Esperaram até que o fedor deles se distanciasse. John saiu primeiro e observou o ambiente. Em seguida fez sinal com as mãos, para que seu irmão se juntasse a ele.
John suspirou e começou a se despir.
— O que está fazendo? — perguntou Allec.
— Segure-as pra mim. — disse e entregara suas roupas, não prestando atenção na pergunta de seu irmão e se afastou um pouco.
John esticou seu braço direito, observando seus músculos se modificarem, transformou-se mais rapidamente e se agachou por alguns segundos, enquanto rosnava. Ficou em sua forma quadrúpede, encarou Allec e disse:
— Suba, precisamos sair do território deles e rápido, porque aqueles humanos eram caçadores! Há muito chão para andarmos, mas nada melhor do que ir correndo! — afirmou se agachando.
— Verdade... Obrigado John.
— Não acostuma não. — John disse após Allec subir em suas costas e começou a andar depois de rir. — Tá ficando difícil te carregar.
— Eu vou emagrecer, prometo! Melhor ainda, vou me transformar em breve, você verá! — respondeu com um breve sorriso e esfregou os pelos do pescoço de John, como se revidasse todos os cafunés que seu irmão lhe dera.
— Pare com isso! Me dá cócegas e não consigo correr assim... — John rosnou e se contorceu ao receber os cafunés. — Vê se segura bem aí! — após o alerta, John respirou fundo e sentiu sua pelagem acima das orelhas serem agarradas de leve. Deu alguns passos e correu para o mais longe possível dos Evis de Merrowmash.
Eles percorreram um longo trajeto da floresta em algumas horas, graças a velocidade sobre-humana. Já amanhecia, quando John sentira outro cheiro familiar, que os levou até uma estrada pavimentada, localizada bem no alto de uma montanha. Da altura em que estavam, enxergavam ao longe, alguns morros menores, várias pequenas luzes e também um grande rio, que passava próximo das luzes, mas com um vasto verde ao redor.
— Allec, olhe!
— Que cidade é essa John?
— Vamos descobrir... — disse caminhando para o meio da estrada e se agachou, para que Allec descesse.
— Vamos correndo?
— Não, me desculpe, estou faminto e exausto. Se continuar nesta forma atacarei o primeiro animal que vier pela frente, também não posso garantir que me controlaria perto de um humano. — respondeu e voltou para sua forma humana.
John pegara suas roupas com o irmão e ainda se vestindo, começou a caminhar rumo à cidade.
Allec o seguiu e comentou olhando para trás por um momento: — Tomara que passe algum carro logo, pra gente pegar carona.
— Eu acho pouco provável, tá na cara que passa um carro aqui a cada um ano.
— Aff John, deixa de ser pessimista, a mamãe brigaria com tu se visse essa sua negatividade.
— Não sou negativo, é a realidade! Apresse o passo, que quando menos perceber nós estaremos lá.
Mesmo cansados, os irmãos caminharam depressa para a nova cidade, ansiando para que desta vez, tenham encontrado um lugar, em que os Evis os deixassem em paz, para que pudessem reerguer suas vidas.
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