Já amanhecia em Lakehaven — Alaska, quando Barbara entrou sorrateiramente no quarto dos filhos e escancarou as cortinas. Estava determinada a não deixá-los faltar hoje.
— Hey queridos, acordem!
— Que horas é mãe? — perguntou John tampando o rosto, devido ao aparecimento da luz da manhã.
— 06h, querido. — respondeu enquanto pegava algumas roupas espalhadas pelo chão. — E nem pensem em querer faltar! Já não foram na semana passada por causa da reunião dos professores. — foi até a cama do outro filho e sacudiu levemente o pé dele para que acordasse. — Allec, acorda! Vocês vão se atrasar.
— Hum? — Allec resmungou.
— Vamos, levanta. Você também John. — enquanto caminhava em direção à porta para se retirar disse: — O café já está pronto, não me façam voltar aqui hein.
— Tá bem... — resmungou os irmãos.
Barbara se retirou após vê-los se levantando com desânimo, mas presumiu que em questão de minutos estariam bem despertos.
Barbara Aniery Mool, como de costume sempre disposta toda manhã a preparar o pequeno almoço do marido, que saía às 05h30min para o trabalho e também preparava o café de seus filhos. John era o mais velho com 16 anos e Allec com 7. Ambos possuíam olhos que lembravam um lago calmo, espelhando um denso céu azul de verão, semelhantes aos da mãe, porém seus cabelos eram bem lisos e negros como a cor da escuridão, no qual herdaram do pai. Mas o que seus pais tinham transmitido em comum a seus filhos, era um tipo de sangue especial. A linhagem da licantropia, que significava ser descendente dos lobos, que num passado distante adquiriram a capacidade de falar a língua dos humanos e também a se transformar em um deles. Com o passar do tempo, os que herdavam os genes passaram a nascer como humanos, mas mesmo assim se sentiam mais “confortáveis” em suas formas de lobisomens. Este tipo sanguíneo também proporcionava uma capacidade de cura mais acelerada do que o normal.
Os Mool’s quando transformados, possuíam metade das características dos humanos e lobos, como um focinho e cauda, com o corpo coberto de pelos e de alta estatura. Os dois irmãos eram cientes disso, mas nunca haviam se transformado. Seus pais diziam que cada um teria um tempo certo, não havendo uma idade exata para a transformação.
Às 06h20min todos estavam sentados à mesa tomando café. Após o término, os garotos subiram para o quarto novamente para pegarem o material. Barbara embrulhava os lanches deles para o intervalo quando retornaram, prontos para ir.
— Aqui. São seus lanches preferidos com patê de carne e maionese. — deu um beijo na testa de cada um e os acompanhou até a porta.
— Obrigado mãe. — John respondeu com um sorriso e se retirou.
— Obrigado mamãe, até mais tarde. — Allec disse indo em direção ao irmão.
— Até meus amores. — ela os observou se distanciarem e sumirem entre as árvores da floresta que os cercavam.
Escola de Lakehaven — Ensino Médio e Fundamental, 07h50min.
— Hoje a gente andou rápido, né maninho? — disse Allec com um sorriso.
— Concordo. — retribuiu o sorriso. — Vamos tentar bater esse recorde na volta, porque amanhã é sábado, uhuuu! — fizera um gesto triunfante com os braços.
— É! — disse imitando o gesto do irmão com entusiasmo.
Os dois percorriam uma longa caminhada até a escola de segunda a sexta, mas eles não se importavam, pois possuíam um metabolismo mais acelerado do que o normal e consumiam muita energia através de uma boa alimentação para se manterem saudáveis.
12h29min. John encontrava-se sentado na última carteira, com seu olhar fixo no relógio, localizado no centro da sala e acima da lousa. O dia escolar estava monótono e tedioso, como era de se esperar de toda sexta-feira, no qual os alunos não viam a hora do término da última aula.
O sinal tocou e todos se levantaram ansiosos para irem embora.
“Até que enfim!”, pensou John se levantando e soltando um suspiro de alívio. Ele foi até seu armário para guardar seus livros, mas no ato foi pego desprevenido por alguns “valentões”, que esbarraram propositalmente, fazendo-o derrubar os livros no chão. John abaixou para pegar os livros, mas ao fazê-lo sentiu uma queimação por todo seu corpo, como um formigamento, causado pela raiva que sentia naquele momento. Achou estranho, mas se segurou, fingindo que nada acontecia e apenas lançou um olhar ameaçador para o garoto que o importunava. Por um momento sentiu Jack acuado pelo seu olhar, mas que logo retomou a compostura de babaca e com um sorriso estampado no rosto, continuou seu caminho chutando os livros dizendo:
— Saía da minha frente seu perdedor!
— Seu esquisito. — disse outro garoto do grupo com um sorriso zombeteiro ao passar por ele.
John abaixou a cabeça se sentindo envergonhado e começou a juntar seus livros. Seu pai havia aconselhado para ele e Allec a não se meterem em confusão, pois naturalmente possuíam muito mais força física do que aparentavam e caso perdessem o controle, alguém poderia sair gravemente ferido. Lembrando-se disso, John se conteve e voltou a pensar no formigamento que teve há pouco.
Todos que passavam ao redor riam dele, mas isso não importava, pois seus pensamentos estavam distantes.
Allec caminhava pelo corredor naquele instante, quando avistou seu irmão catando os próprios livros e correu para ajudá-lo.
— Maninho o que aconteceu?
— Nada, eu apenas tropecei, não se preocupe.
Após pegarem todos os livros do chão e guardarem no armário, puseram-se a caminhar para fora da escola, e lá foram alvejados por alguns alunos sentados na mureta, que cochichavam:
— Olha só, se não é a maior dupla de caipiras de toda a terra! — e o grupo começara a rir maliciosamente.
— É não sei o que estão fazendo aqui, era para estarem carpindo junto de seus pais! — afirmou outro garoto do grupo e todos foram contagiados pelo riso novamente.
Os dois costumavam ser zombados pela maioria dos alunos que, digamos “não se interessavam em estudar” e iam para a escola apenas para matarem seus preciosos tempos com os colegas, matando aula, fazendo vandalismos, entre outras coisas, e isso tudo apenas porque moravam longe da cidade, em uma humilde e aconchegante casa. Os dois eram extremamente tímidos. John cursava o 2º ano e mal falava na sala de aula a não ser que seu professor lhe questionasse sobre algo. Allec estava na 2ª série do fundamental e era mais solto entre os dois na interação com os humanos. Até havia feito amizade com alguns colegas de classe.
Allec triste e constrangido foi encarar o grupo que zombavam deles, mas antes que fixasse seu olhar, John o interrompeu colocando sua mão em seu ombro e sussurrou:
— Ignore-os Allec. Eles são os perdedores aqui. — disse mantendo seu olhar firme no seu caminho para casa. Allec apenas acenou com a cabeça e ignorou o grupo de adolescentes.
Residência dos Mool’s.
19h40min. Residência dos Mool’s.
Charles Mool encontrava-se do lado de fora cortando lenha e já havia perdido a noção do tempo. Seus compridos cabelos negros grudavam em sua testa de pele levemente morena. Enquanto coçava sua rala barbicha, que lhe dava certo charme, analisou se a quantidade de lenha cortada era suficiente para aquela madrugada, mas teve seu pensamento interrompido ao escutar o grito de sua mulher vindo da janela da cozinha.
— Amor, o jantar já está pronto!
— Já estou indo querida!
Após a resposta de seu marido, Barbara levou a panela com os grandes pedaços de carnes até a mesa de jantar, localizada no centro da cozinha e pediu a seu filho, que assistia televisão na sala.
— John, por favor, vá chamar o seu irmão.
— Tá bem mãe. — respondeu enquanto levantava do sofá e desligava a televisão. Subiu até seu quarto e entrou lentamente.
— Allec? — perguntou hesitante, devido ao quarto escuro e não houve resposta. — A mãe preparou um jantar especial hoje... — olhou em baixo de uma das camas e perguntou. — Será que está aqui? Ou...
— Ahhhhhhhh! — gritou Allec pulando do armário em cima do irmão.
— Achei! — respondeu John se virando no mesmo momento e o pegando no colo, mas ambos caíram no chão rindo.
— Você está ficando bom maninho! — afirmou Allec.
— Um dia eu te supero! — respondeu John bagunçando o cabelo de seu irmão. — Venha, vamos lavar as mãos e descer.
— Estou sentindo um cheiro muito bom!
— É a culinária da mãe e o pai pegou um filhote de alce hoje.
— Ebaaaa, faz tempo que não comemos carne de alce! — disse passando na frente de John em direção ao banheiro igual uma flecha, pois a notícia o deixara animado.
— Verdade! Tivemos sorte de a manada migrar para cá outra vez! — John respondeu.
Os Mool’s eram os únicos lycans que habitavam Lakehaven na época, mas eram pacíficos e agiam normalmente entre os humanos. Os lycans não atacavam humanos, exceto se fosse em legítima defesa. Em suas leis era extremamente proibido provar o sangue humano, pois a reação que surtia naqueles que desobedecessem, era um vício incomum como se fosse uma droga, tornando-os cada vez mais dependentes da carne humana. Além de tal ato podendo comprometer o segredo de sua espécie e a segurança de muitas famílias, porque viviam escondidos para não atraírem a atenção de caçadores. A punição para aqueles que cometessem tal traição era a morte. Também não tinham o hábito de se alimentarem de animais domésticos, exceto se a caça estivesse escassa e fosse extremamente necessário. Já a carne de alces era algo que um lobo jamais poderia deixar de comer, sendo estas suas favoritas, por isso a tal motivação de Allec.
Ambos desceram e caminharam até a mesa de jantar, seu pai arrumava a lenha ao lado da lareira e sua mãe finalizava de colocar a comida na mesa.
— Meninos lavaram as mãos?
— Sim mãe! — afirmou John sentando-se em seu devido lugar.
— Uhum! — respondeu Allec.
Todos se sentaram à mesa.
— Como foi no trabalho hoje amor? — perguntou Barbara servindo a todos.
— Foi ótimo e tive uma bela notícia! — afirmou Charles muito contente. — Novidade garotos, na semana que vem a empresa não irá funcionar, por causa de uma revisão que farão em todos os equipamentos, então... — Charles deu uma pausa antes de terminar a frase e sorriu para os olhares ansiosos dos filhos. — Poderei ensiná-los a caçar! — Charles olhou pra Barbara, que o encarava com um olhar de preocupação e lançou um olhar de “não se preocupe querida” e continuou: — Nós quatro! Poderemos derrubar um dos grandões!
— Que legal papai! — afirmou Allec animado.
— É, vai ser bom mudar a rotina um pouco... — John deu um breve sorriso e abaixou o olhar. — Eu não aguento mais fingir que somos iguais a eles.
— Não fale assim querido, eles aceitaram fazer um acordo conosco e em troca nos deixam em paz. — disse Barbara se referindo aos humanos que sabiam de suas verdadeiras naturezas e viviam naquela região. Havia uma família de caçadores em Lakehaven, que eram pacíficos assim como eles.
Veio à tona as lembranças dos valentões e dos outros garotos que adoravam incomodá-lo, mesmo ele ficando sempre na dele. Sentiu um momento de raiva e disse em um tom alto: — Vocês confiam demais neles! Se eu conseguisse me transformar eu acabaria com todos!
— Abaixe este tom mocinho! Você sabe que não é bem assim que funciona...
— Sua mãe tem razão John, não podemos sair por aí nos transformando próximos deles, pois você não estaria colocando apenas tu em perigo, mas sim toda a nossa espécie! — afirmou Charles com um tom autoritário e sério fazendo John abaixar a cabeça novamente. — A maior parte deles é ignorante, me prometa que nunca se transformará ou contará o que podemos fazer a eles. Prometa-me!
— Está bem pai... — respondeu emburrado desviando dos olhares dos pais, percebera que seu irmão o olhava assustado. Pensando no quanto seria perigoso para Allec, jamais se perdoaria se algo lhe acontecesse, cessando assim sua raiva. — Me desculpe, eu prometo!
— Tudo bem filho... — Charles disse num tom de alívio, seguido de um suspiro e lançou um olhar para a esposa, que pensou praticamente a mesma coisa que ele: “Esta idade é complicada. Hormônios”.
— Eu quero o maior pedaço! — disse Allec quebrando o silêncio entre os três.
— Nada disso! Eu trabalhei demais hoje e preciso repor as energias, além de que estou em fase de crescimento, então preciso do maior! — Charles afirmou ironicamente sorrindo e indo em direção à carne com o garfo.
— Vai sonhando pai, eu sou mais rápido! — afirmou John também direcionando o garfo ao maior pedaço.
— Aiii! — disse os três quase ao mesmo tempo de susto, devido ao barulho que Barbara fizera ao cravar o facão com tudo na carne, que também balançara todos os objetos na mesa.
— Sem injustiças aqui! Eu divido! — disse olhando para os três com cara séria, mas por dentro estava dando risada.
— Ok. — disseram os três em derrota se entreolhando com vontade de rir.
— Aprendam uma coisa garotos... Elas mandam! Nunca as deixem irritadas, senão se torna uma luta para fazerem sex... Aiii! — levou um chute por debaixo da mesa de Barbara, que falou baixinho:
— Na mesa não Charles...
John soltou um riso de canto, pois sabia do que estavam falando.
— Fazerem o que pai? — perguntou Allec.
— Er... Fazerem... Semelhante prato delicioso como este! — afirmou rindo e coçando a cabeça.
— Verdade mamãe?
— É querido... Precisamos estar inspiradas para tal ato... — disse enquanto cortava a carne e colocava nos pratos, na vez de seu marido o encarou e lançou um olhar provocante. Charles lambeu os beiços e cravou os dentes de leve, retribuindo o mesmo olhar para Barbara, sem que seus filhos percebessem.
— Bem, vamos comer! — Charles afirmou animado.
— Mas antes, eu também tenho uma novidade pra vocês... — Barbara fitou os olhares curiosos de sua família e continuou: — Em breve vocês dois terão mais alguém pra brincar... — disse encarando os dois filhos e em seguida o marido: — E você amor, vai ser papai de novo.
Houve um momento de silêncio e os três pareciam estar em estado de choque, até que Allec quebrou o silêncio.
— Vamos ter um novo irmãozinho?
— Ou irmãzinha! — completou ela. De repente foi surpreendida por Charles, que correu até ela em um abraço, chegando a levantá-la do chão, enquanto dizia sorrindo:
— Que notícia maravilhosa!
Os irmãos se entreolharam animados e se juntaram ao abraço familiar.
— Podemos ajudar com o nome? — perguntou John gargalhando, enquanto seu pai também o levantava do chão ao abraçá-los. Os pais concordaram e todos sorriram.
Barbara Aniery Mool & Charles Mool.
continuação do capítulo em "Os Mool's - parte 2"
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