Naquela mesma noite em que saíra com Jô, os pensamentos de John arduamente o deixaram adormecer. Sua mente remoía o momento e as sensações de quando provara a carne humana. Ficou ansioso e cada vez que as lembranças vinham à tona do primeiro contato do sangue de Josi e suas papilas gustativas, psicologicamente sentia o sabor envolver seus sentidos. Dormira apenas por uma hora, mas acordou bem disposto e até preparara o café, enquanto seu irmão dormia. Quando já estava de saída, chamou por seu irmão.
— Allec, acorda!
— Hm...? — resmungou Allec para o irmão, que o alertou sobre o horário. Levantou preguiçosamente e só pôde ver seu irmão saindo às pressas, fechando a porta ao dizer que fizera o café e faria hora extra no serviço. Foi até a pequena mesa no centro da cozinha, no qual haviam bacons bem fritos, que emanavam uma gordura que lhe fez salivar instantaneamente, acompanhados de um bife malpassado e leite. Surpreendeu-se pelo ato de seu irmão, pois não tinham este costume.
— Tomara que ele acorde assim todos os dias... — Allec disse ao sentar-se à mesa e lambera os beiços ao pegar o bife.
Por volta das dez horas da manhã, um grupo de turistas entrou no bosque ao redor da cidade de Tusneer, através da trilha que levava a uma pequena queda d’água, muito visitada naquela época do ano, antes que a neve extinguisse tudo. O grupo era constituído de um guia, dois casais, uma menina de uns nove anos, filha de um dos casais, que levava seu husky siberiano numa coleira e mais quatro jovens de aproximadamente vinte anos de idade. Conforme avançavam na mata, o guia lhes contavam as histórias passadas da cidade e sobre os tipos de animais que viviam ali. O cão ficara agitado de repente e começou a latir em uma direção.
— Pai segura o Tuf. — disse a garotinha sendo puxada pelo cão, que latia e tentava se soltar.
— Me dá querida. — acariciou o pescoço do cão, que choramingava baixinho. — O que foi garoto? Venha, não tem nada lá. — se levantou e quando foi se juntar ao grupo, sentiu um puxão e Tuf se soltara e sumiu entre as árvores. — Hey, calma aí garoto! — gritou o pai, mas o perdera de vista.
— Onde ele foi papai?
— Eu não sei querida, deve ter farejado algo... TUUUUF! — chamou pelo cão e voltou a atenção para a filha, que demonstrava sinais de lágrimas. — Não se preocupe querida, ele vai voltar.
— Senhor não se preocupe, eu chamarei o resgate de animais pelo rádio. — disse o guia pegando seu walk talk e entrou em contato com os superiores, lhe informando a situação.
— Obrigado. — pegou sua filha no colo. — Viu querida, quando menos esperar ele estará de volta.
— Por que ele fugiu pai? — perguntou num tom choroso.
— Ele não fugiu, só deve ter farejado algum animal.
Depois de uns 20 minutos o resgate de animais chegara ao local onde o grupo descansava, exceto a menina que ficou inquieta, ansiosa por notícias de seu amigo. Um dos homens pegou um apito e soprou. O som era quase imperceptível aos humanos, mas estrondoso para animais com audição apurada como os cães.
Não demorou 5 minutos e Tuf voltara.
— Tuf amigão, não faça mais isso! — disse a menina pegando a coleira e notara algo que ele mastigava, como se fosse um brinquedo. — Pai, o Tuf está comendo algo.
— Me deixa ver... Solta Tuf! — ordenou, levando a mão à boca do cão, que deixara cair no chão. Antes de olhar para o “brinquedo”, afastou o cão para que não pegasse outra vez. Quando notou o que realmente era, caiu pra trás e gritou: — Ai meu Deus! É um dedo!
Todos ali se assustaram devido ao presente inesperado que o cão trouxera.
— Meu Deus, não olhe querida. — disse a mãe escondendo o rosto da filha.
Os jovens do grupo tomados pela curiosidade, se aproximaram do membro humano, coberto por baba canina e terra.
— Por favor, se afastem. Precisaremos acionar a polícia e efetuar uma busca para encontrar o dono deste dedo. — disse o homem do resgate.
Allec, Jonathan e Jennifer conversavam sobre o trabalho em grupo, que fariam para o semestre. Também se divertiam com as brincadeiras, que os jovens vieram a chamar de nerds, sendo um grupo viciados em vídeo games, livros e filmes, além de demonstrarem uma inteligência acima da média. Uma semana havia se passado e se tornaram grandes amigos de Jennifer. Allec sentia como se já a conhecesse desde há muito tempo.
Os três pegavam os materiais em seus armários da escola, prontos para irem embora, até que Jennifer sugeriu.
— Vocês querem fazer o trabalho em casa hoje? Porque daríamos uma boa adiantada, do que ter que esperar pra fazer na sala de aula.
— Eu acho uma ótima ideia! — afirmou Jonathan.
— Se não for um incômodo... — Allec disse fechando o armário.
— Não é, relaxa! Vamos! — Jennifer disse ao pegar na mão de Allec e o puxou por alguns metros. Allec corou ao sentir o calor da mão dela, mas ela logo o soltou. — Vamos J! — gritou para o amigo, que acabara de fechar o armário, enquanto ela e Allec já viravam o corredor.
— Esperem por mim!
Allec observava cada movimento de Jennifer, que caminhava à frente deles e pensou: “As mãos dela são tão macias...”, pois mesmo vivendo entre os humanos, não tivera muito contato físico caloroso desde há muito tempo.
— Onde você mora Jenny? — perguntou J.
— É do outro lado da cidade, mas não se preocupem, que meu pai leva a gente!
Ao saírem do colégio, eles avistaram uma caminhonete importada e o homem dentro dela acenou para a filha. Jennifer correu até seu pai, enquanto Allec e J aguardavam um sinal para avançarem, ainda mais por ser o xerife.
— Pai eles estão comigo, vamos fazer um trabalho em casa. — ela se virou para os dois e sorriu.
— Podem vir, eu não mordo!
— Olá Senhor, prazer em conhecê-lo, eu sou Allec e este é Jonathan.
— Prazer em conhecê-lo! — afirmou Jonathan.
— Senhor está no céu, podem me chamar de Marcus. — quando eles abriram a porta para entrar no carro, Marcus os encarou sério e perguntou: — Os responsáveis de vocês sabem onde estão indo, certo?
— Sim, já avisamos. — respondeu Allec engolindo em seco, porque havia mentido.
— Tudo bem então... É só pra ter certeza, podem entrar... — Todos se sentaram e colocaram o cinto e Marcus continuou ao dar a partida no carro. — É sempre bom avisá-los, pois vai que aconteça algo com algum de vocês, seria o primeiro local a procurá-los e também adiantaria no procedimento de busca e... — Marcus se calou ao olhar para Jennifer, que estava no banco da frente e fazia um sinal discreto com a mão, pra ele parar de falar. Disfarçou e olhou para os dois lados da rua, pigarreou e perguntou: — Afinal, vocês vão fazer um trabalho sobre o quê?
— É de história, sobre as lendas do folclore. — respondeu Allec.
— Hum... E vocês já escolheram alguma?
— Nós iremos interpretar numa pequena peça pra classe pai, nós só precisamos escolher uma em qual nós três nos encaixamos...
— Compreendo... Parece divertido!
Os três adolescentes assentiram e um silêncio desconfortável invadiu o ambiente. Jennifer revirou o porta-luvas do carro, até que encontrou um CD do Bee Gees e o colocou para descontrair a todos durante o trajeto.
— Bem chegamos. — estacionara a caminhonete, mas não chegou a desligá-la. — Filha, irei voltar pra delegacia, boa sorte no trabalho de vocês!
— Obrigado! — os garotos responderam.
— Tá, tchau pai, valeu a carona. — deu um beijo no rosto dele e saiu do carro.
Já dentro da casa, enquanto Jennifer se dirigia à cozinha para avisar a mãe sobre a chegada deles, Jonathan comentou ao ouvido de Allec, que a família dela devia ter muito dinheiro. Allec concordou, pois já notara isso devido ao carro.
Foram até a cozinha cumprimentar Eleonora, a mãe de Jennifer e voltaram com a garota para a sala, em que a mesma sugeriu que ficassem à vontade, enquanto foi em busca do laptop no quarto.
Ainda de pé escolhendo o lugar ideal no sofá, Allec observou um jornal sobre uma mesa próxima, que chamara sua atenção ao ler a palavra “lobos” em destaque. Foi até a pequena mesa, pegou o jornal em mãos e leu o título branco sobreposto à foto censurada de um corpo ensanguentado.
“Turista é assassinada. Corpo é abandonado aos lobos.”
“Estranho... Não é época dos lobos selvagens voltarem... Ou será que são... Vampiros?”, pensou, pois John e Allec eram os únicos lycans da região e já ouvira falar dessa espécie de ser da noite, que se alimentava de humanos, mas nunca encontrara um pessoalmente para reconhecer o cheiro de tal criatura. Começou a vasculhar o texto em busca de mais informações, até que fora surpreendido por Jennifer.
— Você viu a notícia? Coitada, parece que ela tinha acabado de chegar de viagem.
— Sim, é uma pena... — disse colocando o jornal novamente na mesa.
— Uhum... Meu pai está investigando o caso dela... — em seguida ela disse, mudando completamente de assunto: — Gente, vamos sentar no carpete mesmo, fica melhor para gente mexer nos cadernos... E eu estive pensando, por que não fazemos sobre os gnomos? — sugeriu Jennifer se sentando e abrindo o laptop. — Ou do barba azul?
— Acho que nesses vai ser complicado e o professor disse, que o grupo todo precisa ser um personagem. Eu tenho a história perfeita pra nós... — disse Jonathan revirando sua mochila. — Aqui! — abriu um livro e mostrou uma página ilustrada. — Eu peguei na biblioteca antes do intervalo.
— Chapeuzinho Vermelho? — Allec e Jennifer perguntaram juntos.
— É, é perfeito! Eu tava meio preocupado pra achar uma história bacana, pois o professor havia comentado no semestre passado sobre o possível trabalho... Acho que você nem se lembra, Allec...
— Pior que não... — Allec respondeu encabulado.
— Então, não imaginava que Jennifer entraria em nosso grupo, mas quando ela entrou, foi a primeira história que me veio em mente. Jenny seria a Chapeuzinho, claro, você o caçador e eu o lobo, o que vocês acham?
Allec e Jennifer trocaram olhares por um segundo e ela disse:
— Bom, por mim eu topo.
“Seria mais fácil se eu fosse o lobo, mas J parece muito animado com o papel, então...”, pensou e sorriu ao dizer: — Perfeito J, só precisamos agora escrever diálogos entre os três, pois não poderemos seguir a história original.
John e seu colega estavam em seu horário de café da tarde, sentou-se no sofá e perguntou:
— Luiz, você sabe se a Carol da padaria ao lado está a fim de mim ainda?
— Tá brincando? Eu já tentei sair com ela, mas desde sempre ela só tem olhos pra você! Até mesmo depois de você ter dado o fora nela... — Luiz lançara um sorriso malicioso. — Tá querendo dar uns pegas nela é?
— Mas ela não está compromissada com ninguém? — perguntou envergonhado ao demonstrar interesse.
— Nas redes sociais o status dela está como solteira... Mas vai lá cara, a chame pra sair, aposto que ela não vai pensar duas vezes pra dizer sim.
Após a conversa com Luiz, John procurou escrever em um papel rapidamente, porque faltavam cinco minutos para voltar do café e foi até a padaria. Carol ficava no caixa, era uma jovem de 19 anos, com 1,65m de altura, cabelos castanhos enrolados até o pescoço, sendo de etnia negra.
John fingiu estar procurando por algo e se aproximou do caixa. Entregou-lhe um papelzinho dobrado.
Ela o olhou desconfiada, abriu o papel, totalmente em silêncio e estava escrito:
“Quer sair comigo hoje à noite?”
— Está brincando comigo John? — perguntou séria. — O que te fez mudar de ideia?
— Não é brincadeira... Você aceita ou não? — John perguntou encabulado.
Ela hesitou e ficou com os pensamentos distantes.
— Se não quiser eu vou entender, preciso ir.
— Espere... — ela pegou na mão dele. — Que horário?
— Quer ir depois do expediente? — ele retribuiu o toque e sorriu.
O Capítulo continua em "Lobo Mau - parte 2"
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