Todos nesse mundo tem um lugar favorito. No meu caso, é o sítio dos meus avós (da Família Coelho, aliás). É onde meu pai morava quando criança, mas ainda visita com muita frequência.
Hoje em dia meu avô o utiliza para tratar dos bois para rodeios, mas há apenas um cavalo: a égua Campolina.
Ela é extremamente arisca, impedindo que alguém possa cavalgar com ela. E logicamente, em minha pura estupidez, me dei a missão de domá-la.
Todo sábado nos encontramos no sítio para conversar, e eu, que nunca soube direito como se anda a cavalo, me dei o luxo de tentar cavalgar.
No atual hoje, que para você pode ser meu amanhã ou o meu "Daqui a 50 Anos", fomos ao sítio comemorar seja lá o quê (ou talvez não comemorar nada, quem sabe?). Foi um dia e tanto.
Foram meus pai, minha avó da Família Suricato (a mesma que estragou meu aniversário no meu sonho) e eu para fazer um churrasco.
Assim que cheguei, pedi a meu pai que me levasse à arena para montar na égua, que a princípio se debateu e relinchou quando colocamos o freio em sua boca.
Enquanto tentava controlar as rédeas (tentativa inútil), minhas avós gritavam para meu pai me tirar de lá pois a égua era arisca.
Se foi tanta gritaria enquanto meu pai estava lá, imagine quando ele voltou à casa para preparar a janta. Após cinco minutos me obrigaram a retornar para a casa.
Emburrada, ouvi meu pai sussurrar "Deixa elas, são medrosas. Mais a tarde você tenta de novo."
Eu ri. Meu pai e meu avô sempre me defendem. São o tipo de homem criado na roça, que deixa as crianças mexerem com tudo.
Um dia, pedi para meu avô que me desse alguns pregos para pregar madeira, e, sem questionar, ele me ofereceu todos os tipos de pregos que você pode imaginar.
Pedi para meu pai que me acompanhasse até a Jabuticabeira, onde minha cachorra Nina fora enterrada.
Todo lugar bonito tem sua parte feia, e, nesse caso,essa era uma parte horrorosa. Pelo menos a meu ver.
Meus tios moravam em uma pequena casa perto da árvore, que desmoronou após a construção da outra residência. Portanto, tornou-se uma pilha de entulho e paredes quebradas.
A grama ao redor é morta, incluindo as árvores de frutos podres. Garrafas velhas e ferramentas agrícolas ficaram espalhadas pelo ambiente juntamente com pedaços de tijolos e madeira.
Perto das ruínas há uma jabuticabeira, onde enterramos o corpo de minha cadela. Eu diria que aquele lugar era uma tragédia por si só.
Com os pregos que pedira a meu avô, martelei no tronco da árvore uma pequena cruz na semana anterior, logo acima de um conjunto mal feito de tijolos. Mas quando me aproximei do local, a cruz estava caída e um boi havia defecado em cima do túmulo. Sim! Defecado!
Extremamente ofendida, pedi para meu pai me levar para dar uma volta pelos arredores do sítio. Assim, caminhamos por uma espécie de bosque repleto de árvores mortas e caídas.
Enquanto tentávamos não escorregar, meu pai apontava os objetos ao redor em explicava o que eram: "Uma bacia onde tomávamos banho", "Um sarilho para puxar água do poço" e afins.
Eu não pude conter o choro. Por mais que eu nunca tivesse visto aquelas tranqueiras em toda minha vida, eu sabia que tinham um grande valor, e que agora estão jogadas por um caminho sujo e triste.
Descemos a trilha e subimos em um monte de terra, onde se encontrava uma antiga mina de água, deixando para trás o que eu apelidei de "Cemitério de Lembranças".
Lá de cima, tive a honra de desfrutar da visão gloriosa do pôr-do-sol roxo e laranja. E, meu amigo, ao ver toda aquela imensidão de cana-de-açúcar e árvores, eu nunca me senti tão pequena em toda minha vida.
Eu então tive certeza de que, assim que eu morrer, quero poder visitar aquele lugar por uma última vez. Talvez até ver como as coisas eram antes de mim.
Voltamos para a casa para preparar a janta, e conversamos sobre os mais diversos assuntos.
Disse a meu pai que iria no curral pegar algumas espigas para alimentar Campolina, mas quando cheguei pude apenas ouvir minhas avós gritando para eu voltar.
Eu ignorei e ofereci espigas a todos os bois ao meu redor, inclusive um que seria leiloado. Seu número é 07, e o apelidei de Agente, mas ninguém entendeu o trocadilho.
Retornei para o jantar, e conversei com meu pai sobre os assuntos mais diversos: filmes de animação... Esquece, só falamos sobre filmes de animação.
Ele então propôs uma pegadinha: me esconderia dentro da casa e ele diria que eu fui ao curral.
Assim fizemos, deixando minhas avós loucas, até que saí pela outra porta e quase apanhei pelo susto que lhes dei.
Tentei andar mais uma vez com Campolina, e acabei descobrindo que ela tem sérios problemas em virar à esquerda, e que se você acariciá-la após uma pausa ela obedece mais facilmente.
Retornamos à residência e observei meu pai ensinar a meu avô como se coloca música no aparelho de som antigo. Meu avô, que havia retirado os aparelho auditivos, nem percebera que a música estava tocando.
Minha avó, que passara por uma semana difícil, riu como nunca. Me disse: "Nunca envelheça.", e eu respondi que nunca envelheceria.
No meio da cantoria, minha outra avó me entregou uma nota de vinte reais. Eu duvido você encontrar alguém mais apaixonado em dar dinheiro aos netos do que minha vó. Aceitei, afinal, meu pai me disse uma vez que "recusar dinheiro de vó é pecado".
Extremamente cansados, retornamos para nossos lares. Tomei um banho e me pus a escrever esta história, para que ela, um dia, descanse em paz em meu Cemitério de Lembranças.
Mas preciso lembrar-me de enterrá-la em um túmulo bem feito, com uma cerca em volta, para que nenhum boi defeque sobre ele.
Comments (0)
See all