Os soldados a indicaram até a melhor hospedaria da cidade, onde encontraria boa comida e um serviço decente. Honestamente tudo que buscava era uma cama quente e confortável depois de passar tanto tempo vagando por estradas já não podia criar grandes expectativas com a comida. Não foi difícil encontrar o lugar, ficava na saída leste da cidade, uma pequena lanchonete, lugar simples e receptivo onde nos fundos havia quartos para hospedes. Ao se aproximar reparou que a moto do motorista que havia conhecido na estrada se encontrava encostada em frente ao estabelecimento.
Ao entrar foi recebida com um caloroso boa noite do rapaz que servia atrás do balcão, andou em direção a ele para pedir um quarto, mas sua atenção foi roubada pela estranha máscara que repousava sobre o balcão, o motoqueiro que havia conhecido na estrada estava sentado no bar sendo atendido pelo rapaz. O motoqueiro virou-se para ver quem se aproximava.
-Olha só quem chegou, é a moça que espanca salteadores de beira de estrada. –Ele abriu um sorriso e levantou a caneca de cerveja como forma de cumprimento. –Vai se juntar a mim? Eu odeio beber sozinho.
Aproximou-se do balcão para pedir a chave de um quarto e poder se acomodar, todavia antes que pudesse falar o atendente a interrompeu e serviu uma caneca de cerveja.
-Espero que relaxe do cansaço causado pela estrada. Você provavelmente deseja um quarto, vou providenciar tudo e pedir para que uma das camareiras pegue sua bagagem. - O atendente era muito jovial, esbelto e de traços delicados.
-Eu só carrego essa mochila de bagagem, obrigado por providenciar o quarto. Mas eu não pedi por uma cerveja.
-Ele pediu para a moça. –Disse enquanto apontou para o motoqueiro.
O homem da máscara estranha era jovem, cabelos curtos bem aparados nas laterais, mas desgrenhados no topo, barba cheia cobria o rosto, não devia tê-la feito nos últimos dias, todo cabelo e barba eram loiros ao ponto de serem quase brancos. Ele estava olhando para ela com um sorriso idiota, o rosto de pele branca estava todo corado pelo álcool e seus olhos pareciam pesar, já estava um pouco alterado. Com a mão ele dava rápidos tapinhas consecutivos no banco ao seu lado para que ela se sentasse. Ele tinha um certo charme ao qual não resistiu, sentou-se ao seu lado e iniciou a conversa.
-O senhor é muito insistente para que te faça companhia. O que garante que eu não vá recusar e simplesmente ignorá-lo.
-Eu sou simplesmente gentil. Ignorar gentileza é falta de educação. Além do mais, gentileza gera gentileza. Não a nada de errado em acreditar que eu poderia ganhar companhia por tratá-la bem.
Carla não conseguiu segurar uma risada boba ao ouvir aquilo. Ele era muito diferente da impressão que passou na estrada. Havia passado de uma figura misteriosa e corajosa, que usava uma máscara sinistra e andava de moto sozinho pelas perigosas estradas, para a de um homem simpático e levemente irritante, tentando não beber sozinho. Ele havia despertado sua curiosidade. Quando o copo dele ficou vazio despejou parte do conteúdo de sua caneca no dele antes de beber, ela era esperançosa, mas não inocente o suficiente para ficar aceitando bebida de estranhos.
-Beba também, não podemos deixar seu copo ficar vazio, ou quem bebera sozinha serei eu.
-Hã? – ficou confuso por um instante, podia ver isso em sua expressão. Ele olhou para o próprio copo antes de dar uma profunda golada e secá-lo mais uma vez, quando o esvaziou começou a rir. – Você é esperta, mas também não seja tola. Se eu tivesse algo capaz de derrubar alguém guardaria para mim em vez de ficar gastando dinheiro em cerveja para entorpecer a consciência.
Ela deu uma risada e fez sinal para que o atendente completasse seus canecos, pediu para que deixasse uma jarra com mais cerveja, assim não teriam que chamá-lo o tempo todo para servi-los.
-Eu gostei da sua moto, mas não acha perigoso ficar viajando pelas estradas em algo tão barulhento. Vai acabar atraindo atenção desnecessária. – Ela estava realmente preocupada, em seus anos servindo a ordem soube de muitas pessoas que cometeram esse erro e perderam suas vidas nas estradas. Era peciso ser cuidadosas para sobreviver em Constela. – Viajar sozinho também não é uma boa ideia.
-Fico feliz que gostou dela, em mesmo a construí, dediquei muito tempo e carinho em cada detalhe e peça. – O rosto bêbado se acendeu orgulhoso, com um enorme sorriso pretencioso. – Você também viaja sozinha e atraiu atenção desnecessária hoje. Não se preocupe comigo eu também sei me cuidar. Provavelmente não tão bem quanto você, mas eu posso me proteger.
- Eu espero que sim, nem sempre vou estar na frente para limpar o caminho de bandidos antes de você passar com sua máquina. Eu sou Carla, e você qual seu nome?
-Meu nome é Dorian. Eu sou de Nevasca caso ainda não tenha percebido. Vocês até que tem uns monstrinhos interessantes aqui no norte, com seus podres e corrompidos, mas as bestas do sul estão muito além desses pequenos obstáculos.
- Eu notei algumas características, mas a falta de sotaque me deixou em dúvida. -Ele não estava errado, para alguém de Nevasca as ameaças do norte poderiam ser menos intimidadoras, Nevasca é o único lugar do continente onde a Ordem não atuava. Carla nunca conheceu o lugar, nunca explorou as terras frias do sul e seu povo gelado e rustico como as montanhas. –Então, viajou muitos antes de aprender a falar como se suas cordas vocais não estivessem congeladas?
- Haha! – Uma risada irônica junto da feição irritada veio de Dorian. –Eu comecei a viajar muito cedo, com meus 14 anos, ou seja, sim eu viajei bastante para perder o sotaque. Mas o que me surpreendeu de verdade foi ver que você sabe lutar, pelo que eu sei vocês nortenhos vivem escondidos em suas cidades com medo do que vive nas matas. Sem falar que sempre que arranjam problemas estão pedindo desculpas em vez de se enfiar em um bom e velho duelo pra decidir quem está certo.
-Realmente nós crescemos em cidades e sabemos o que são modos e tecnologia, parando pra pensar, quanto tempo você demorou a descobrir que sua moto não era pra ser empurrada, mas que tinha um motor nela?
-Provavelmente o mesmo tanto que demorou pra você descobrir que podia usar suas mãos para bater em alguém, não só pentear seus cabelos e comer com talheres prateados.
Depois um momento de silencio começaram a rir um do outro, Carla começou a sentir um pouco o efeito do álcool. Ela estava se divertindo, os dias que passou na estrada longe de Ingrid foram bons para refletir e se reencontrar, mas já havia tempo da última vez que podia falar que realmente se divertiu, ela finalmente sentia que recuperou uma parte de si, mesmo assim ainda havia um vazio em seu peito, faltavam assuntos a serem resolvidos. Mas por agora, só queria desfrutar daquele momento.
-Desculpe, eu geralmente não bebo, muito menos faço piada com os outros. Espero não ter te ofendido. – Disse enquanto encarava a caneca, sentia o rosto quente, provavelmente estava ficando rosado.
-Não se preocupe, eu já ouvi coisas bem piores a meu respeito. Não me entenda errado você é boa nisso, e até é engraçada. Mas eu sou muito tranquilo pra você me tirar do sério. Então, para onde está viajando?
-Não tenho destino, eu só estou indo de cidade em cidade, precisava de um tempo para pensar em algumas coisas e ficar sozinha.
-Uma boa e velha crise de identidade? Está tentando achar seu propósito?
-Mais ou menos, eu abdiquei bastante de quem eu era de um tempo pra cá. Resolvi que precisava de um tempo para me conhecer de novo, descobrir quem eu sou, quem eu quero ser. Já lidou com algo assim?
-Acho que todo mundo já lidou com algo assim, ou deveria pelo menos, se conhecer é importante. Eu passei um bom tempo achando que não tinha valor nenhum, mas a alguns meses eu tive um momento de repensar minha vida, e ganhei a oportunidade de dar um proposito para ela. Acho que se eu conseguir o que quero, minha vida vai ter tido algum valor.
-Eu acho que eu tinha valor, mas deixei alguém me tratar como se não tivesse e acabei esquecendo isso. – Carla fez uma pequena pausa e secou o caneco, o encheu novamente e sentiu seus olhos querem se encher de lagrimas. Era difícil lidar com aquilo, era a primeira vez que tinha uma conversa real sobre o que passou com alguém. Foi Ingrid que fez tudo aquilo com ela, mesmo a amando, mas foi Carla que deixou aquilo acontecer. De certa forma guardava raiva de sí, podia não ser logico, podia estar errada, todavia não conseguir fugir desse sentimento. Engoliu o choro junto de mais um gole e continuou. – Meus pais sempre me olharam com orgulho e me colocavam em um pedestal, e depois eu abandonei tudo isso, depois de tudo que eu deixei acontecer comigo não tenho coragem de encará-los. O que é bem errado, sendo que eu disse que um amigo meu deveria confrontar o pai dele.
-Pais são complicados, mas você deveria vê-los, eles devem sentir sua falta. É importante aproveitar pais que realmente amam e se importam com seus filhos, são mais raros do que você imagina. Meu pai é um cretino e eu não tenho muitas memorias da minha mãe. A única coisa que ele fez por mim foi passar a Herança dele e eu não acho que foi intencional, pelo menos é um poder útil, me ajudou a sobreviver nesse mundo.
-Heranças de linhagem são raras, a família de uma amiga minha também tem uma. Eles são uma família complicada. Ela carrega muita raiva deles, mas isso só corroeu ela, eles simplesmente não se importam. Você odeia seu pai?
-Eu já odiei mais. Você está certa, essa raiva me consumiu por dentro, me fazia mal, só que ele nem devia se lembrar mais que eu existia. – A expressão de Dorian estava diferente do ele conheceu a noite inteira. A forma como ele falava, o jeito que encarava o vazio com os olhos cheios de rancor. Por um momento ele se mostrou alguém obstinado de maneira obscura e assustadora. -Mesmo assim, esse sentimento foi o que me fez seguir em frente, foi o que me manteve vivo.
-Você não precisa falar sobre isso se não quiser. Posso ver que não te faz bem, esse não é o seu melhor lado. – Ela estendeu a mão colocou sobre o ombro de Dorian. Queria estabelecer contato, queria poder ajudá-lo, podia ver nele coisas que via em Ingrid e sabia as consequências. –Vamos mudar de assunto, me fale sobre a sua herança estou curiosa pra saber o que ela faz.
Quando ela encostou com a mão nele, sua feição mudou e aqueles sentimentos negativos se esvaíram, ele voltou a ser o homem simpático e implicante de antes.
-Desculpe, eu passei dos limites, não são boas memorias. –Ele foi com uma das mãos no bolso e puxou um pequeno canivete, com a lamina passou contra a palma da mão, mas nenhum corte se abriu, contudo a pele por onde passou a lamina se tornou breu completo, sugando até parte da luz em volta, como um céu noturno apagasse as estrelas. –É uma herança de aprimoramento corporal, me torna mais resistente. Mas não parece com uma herança heroica, das bestas, ou elemental.
- Acho que deve ser uma das mais raras. – Carla ficou surpresa e empolgada, heranças eram coisas incomuns, e ainda se tratava de uma herança rara e de linhagem, uma possibilidade ínfima como ganhar na loteria. -Eu também tenho uma herança incomum.
-Ahh isso explica como você derrotou todos aqueles caras, nunca que alguém do norte ia saber lutar direito.
-Engraçadinho. Eu tenho uma herança da determinação, mas não é tão legal quanto a sua.
-Essas são aquelas que as pessoas conseguem fazer coisas malucas só com poder da mente né?
-Isso ai! Eu consigo criar campos e vetores de atração e repulsão, ou seja, eu faço coisas irem rápido ou devagar e ficarem leves ou pesadas. Viu eu disse que não era tão legal quanto parece.
-Eu achei legal, você consegue fazer mais coisas do que eu. Vamos combinar que é muito mais útil mexer com forças do que simplesmente ser mais difícil de machucar do que o normal.
-Eu gostei da sua herança também, talvez você ainda não saiba todo potencial dela. Se treinar mais sua aptidão em usar tenho certeza de que vai descobrir uns truques novos. Toda forma tá ficando tarde e eu quero dormir, acho que vou encerrar nossa noite.
-Também preciso de uma boa noite de sono pra viajar amanhã. Vai dar muito trabalho, mas eu te acompanho até a porta do seu quarto. Um grupo de bandidos pode sair do nada e eu não quero você tendo que limpar o caminho para mim sozinho mais uma vez.
-Realmente vai te dar muito trabalho ir até o meu quarto e depois até o seu que com toda certeza não deve ficar no mesmo corredor.
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