Pelos dias que seguiram, Lari não conseguiu parar de pensar no episódio com a irmã. Manu sempre pareceu tão despreocupada com seus relacionamentos que não havia imaginado que tal conflito se passava em sua cabeça. Queria poder dizer pra irmã que ela poderia ser feliz com uma humana mesmo sendo uma súcubo mas não sabia se ela mesma acreditava nessas palavras. Elas não conheciam o pai e a mãe delas se recusava a falar a respeito, então Lari sabia que as coisas entre eles provavelmente não tinham ido bem.
Não foi fácil, mas fez o possível para evitar Lô pelo campus, e inventou uma desculpa sobre provas pra não se estender muito nas conversas por mensagem. Mas a sexta-feira enfim chegou e depois de muita insistência e de vários gifs de cachorrinhos com cara de choro, Lari foi convencida a sair para a tal calourada. Vestiu uma regata com a logo do Hard Rock Cafe, uma calça jeans e os tênis de sempre e foi saindo. Manu a interrompeu no caminho para a porta:
- Oh, será que eu estou enlouquecendo ou minha irmãzinha está mesmo saindo numa sexta à noite? - Perguntou num tom brincalhão.
- Virou a polícia agora foi? Eu também tenho o direito de sair num encontro.
- Então é um encontro! - exclamou Manu, fazendo Lari perceber que tinha falado demais - deixa eu adivinhar, é a garota do sonho né?
- Talvez seja... - disse Lari, um pouco sem jeito - mas Manu, sobre aquilo do fim de semana passado…
- Deixa aquilo prá lá. - interrompeu, colocando o cabelo da irmã atrás da orelha - Eu tô me resolvendo já, não vai estragar sua noite se preocupando comigo.
- Tá tudo bem mesmo?
- Mesmo, só vai lá e aproveita. E depois me conta os detalhes!
- Vou tentar, e não prometo nada! - disse Lari saindo de casa.
Manu podia ser muito boa em manipular humanos com glamour, mas suas habilidades não funcionavam em outras súcubus e Lari sabia bem que irmã estava mentindo. Bem mal por sinal.
Não foi difícil encontrar a tal festinha no campus, o som saía bem estourado de umas caixas de som velhas e haviam várias pessoas com isopores cheios de bebidas. Tinha bem mais gente do que ela esperaria com aquela qualidade de produção do evento então usou uma árvore como ponto de referência e mandou mensagem para que Lô viesse encontrá-la. Uma música e meia depois, Lô apareceu. Ela vestia uma calça florida bem folgada e um cropped preto e vinha acompanhada de dois rapazes, um deles com o cabelo curto cor-de-rosa e o outro com um volumoso black.
- Ainda bem que tu chegou, eu não aguentava mais segurar vela pra esses dois! - Disse Lô em meio à música alta, num tom brincalhão. - Rui, Jota Pê, essa aqui é a Lari.
- Ah, ela que é a menina das fotos? - Disse o rapaz do black, que ela entendeu ser o Jota Pê - Bicha, a senhorita se garante viu, depois eu quero uma dessas também.
- Não vai ficar incomodando a menina não, viu? - interviu Rui em meio a uma risada e se direcionou à Lari - Prazer Lari, não dá muita bola pra ele não, ele já bebeu um bocadinho.
- Não, não, tá tudo bem. - repondeu, tentando disfarçar a timidez.
- Tu quer ir lá pro meio ou prefere ficar mais longe da multidão? - Perguntou Lô.
- Acho que prefiro aqui onde tem mais espaço…
- Vocês ouviram a garota - Anunciou Lô para seus amigos - A gente vai ficar aqui com esse espaço só pra gente!
- Pois a gente vai dar uma voltinha, vejo vocês depois - disse Jota Pê arrastando Rui pela mão.
- Aproveitando que temos espaço - Lô pegou a mão de Lari e a puxou pra perto - você dança?
- Pior que não, nunca aprendi.
- Não tem problema, eu conduzo e tu só me segue.
Lô colou seu quadril no de Lari e começou a dar passinhos no ritmo do forró que tocava. "Um e dois e um e dois e um e dois…" sussurrava Lô até que Lari pegou o ritmo daqueles passos. Depois de alguns instantes, Lari parou de se concentrar apenas nos passos e foi se deixando levar. Era uma dança bem simples, mas se mover junto de Lô, suas mãos nos ombros dela e com os rostos tão próximos, era como mágica. Ela estava mais uma vez encantada pela estranha humana.
Depois de várias músicas, as duas sentaram na escadaria na frente do bloco e terminaram uma garrafa de vinho barato juntas. Pelo menos parecia vinho, mas Lari percebeu que o rótulo da garrafa dizia “bebida alcoólica mista”, em vez de “vinho”. Riu sozinha com o pensamento e deu os últimos goles, nem era tão ruim assim.
Lô pegou a mão de Lari entrelaçando os dedos e deitou a cabeça suavemente em seu ombro pegando a súcubo de surpresa, mas Lari não protestou.
- Eu tava precisando de uma noite dessas ó - falou Lô
- É...acho que eu também.
- E você nem é uma dançarina dançarina tão ruim assim, que fique registrado.
- E você é a primeira pessoa que me diz isso.
- Ha! Eu devo ser uma ótima professora então.
As duas pararam por alguns minutos sem falar nada. O ar da noite começava a esfriar de um jeito agradável e a festa tinha chegado no momento de músicas mais lentas e melosas. De repente, Lô deu uma risada sozinha.
- Eu lembrei de onde eu achei que te conhecia.
Oh não.
- Vai parecer maluquice, mas eu sonhei contigo antes de te conhecer - continuou Lô - eu não lembro muito sobre o que era o sonho, mas eu lembro que tinha uma diabinha igualzinha a você...
Lari sentiu o sangue subir à cabeça e o rosto corar. Abriu a boca pra falar algo, mas não sabia o quê. Lô aproximou seu rosto devagarinho colocando uma mão na bochecha de Lari.
- ...e essa diabinha beijava muito bem. - disse Lô logo antes de tocar seus lábios nos da súcubo.
Lari não conseguia protestar. Estava muito ocupada tentando processar tudo o que se passava em sua cabeça naquele momento. Tinha esperança que o sonho tivesse desaparecido na memória de Lô, o que aparentemente não era o caso. Pensava que talvez devesse aproveitar a oportunidade para conseguir uma tão necessária recarga, mas a ideia de usar Lô dessa forma a incomodava. Mas acima de tudo, não conseguia parar de pensar no quão doce era o beijo dessa mulher.
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