Entretanto o tempo passou e ela ficou a viver comigo.
Não arrependi, cada dia era diferente, éramos a companhia uma da outra, nesse mundo solitário. Com tempo aprendi ser como ela, falar sem nexo, falar em absurdos.
Falávamos dos nossos sonhos utópicos, criávamos histórias, era quase impossível termos dias aborrecidos. A não ser aos Domingos. Odeio Domingos. Com ou sem Lua isso não mudou.
Aos domingos cada uma saia e só víamos à noite, eu ia para o jardim da cidade ler e ela… não sei… dizia que ia fazer uma visita a casa que ficava muito longe.
As vezes tinha sensação que ela veio de outra época ou outro planeta. Quase tudo parecia novo para ela, fascinava coisas supostamente eram desinteressantes como falar porque o céu era tão azul e não rosa, por ela, o céu seria rosa e não azul. Era assim as nossas discussões, o porquê dessa cor e não outra, o porquê não ficar feliz quando eu acho uma moeda de um cêntimo no chão. Era um sinal que vou ter sorte segundo ela.
Dizia ela que vinha de muito longe onde nenhum Homem podia alcançar.
Fingia que acreditava.
Perdíamos noites dentro do nosso próprio mundo, a beber café, a escrever e a desenhar.
Ela não é deste mundo, conclui passado meses, mas duvido que haja algum humano puro nesse planeta! Vivemos cada dia a pensar o que será ser normal, e nada é normal. Uma mistura de tudo e nada. Somos todos extraterrestres destruindo uns aos outros.
Houve uma noite em particular em que ambas não conseguíamos dormir, mas também não conseguimos trabalhar.
Ela por razões que eu desconhecia, só sei que neste dia o seu olhar estava diferente, como se o medo e a incerteza tivessem instalado naqueles oceanos infinitos brilhantes, mas mesmo assim mantinha-se serena como sempre.
Quem me dera ser assim.
Enquanto a mim, sabia o que se estava a passar, e muito bem, mas tinha que dar um travão antes que fosse tarde de mais.
Há portas que eu pensava que estavam bem trancadas e afinal não estavam pelos vistos.
Pensava que já tinha controlado completamente o amor e que não precisava desse sentimento que leva os humanos à loucura e à desgraça.
Lá vem outra vez esse sentimento que só traz me medo, inseguranças e ansiedade.
E o amor já começou a falar e finjo não ouvir. Quando mais falava, mais eu fingia não ouvir até um dia este gritou e não tive outro remédio senão dar atenção.
Hoje é o dia.
A sua voz não era como o do Rio. Este é mais simpático e menos assustador, mas mesmo assim não gosto do que ele diz. Nunca percebo nada. Só faço asneiras quando o oiço.
Mais uma vez, devia de haver um manual de instruções para o amor, tal como a vida em geral.
E pensando bem, este mundo é tão complexo que acho que devia de haver manuais de instruções para tudo.
O ser humano e a sua mania de ser perfeito em tudo senão é julgado pelos seus erros.
Ai….
Olho para a lua do céu, hoje está enorme, como no primeiro dia em que conheci a Lua “humana”.
Olho para a Lua que está deitada a pensar. Olha para algo no teto, mas ela não está ali. Onde estará, pergunto aos meus botões.
E a voz começa a impor dúvidas e dou por mim já questionar a mim própria. Raios!
Será que ela sente o mesmo? E se um dia ela descobrir? E se descobrir? Será que ela vai embora? É normal se ela quiser ir embora, não podemos forçar ninguém a gostar de nós. Desde que não desapareça.
PÁRA! Grito em silêncio dentro da minha mente. É disto que odeio, as 500 perguntas que minha ansiedade começa a fazer e eu sinto obrigada a responder vezes sem conta.
Eu estou em paz, e feliz nesse momento. Aplico o meu mantra. Mas torna-se inútil, a confusão já se alastrou em todo o meu ser. Só resta uma coisa…. A lua tem que sair.
Não! Grito outra vez a mim própria. Odeio a minha mente analítica!!Porque fui eu dar ouvidos!
Não posso abandonar, a única pessoa, fora eu, que acredita em mim, que acredita no meu potencial, por causa de um estúpido sentimento.
Só ela olha para mim sem filtros, já os outros… os outros só veem o que só querem ver.
Além disso… foi ela que me salvou daquele Rio.
Vou ter que arranjar uma outra solução.
Abandonar um anjo é crime nos mundos celestiais. Já basta as pessoas que já magoei nessa vida fora. karma chega a todos, e ainda estou a pagar o meu.
Como um trovão numa noite densa e assustadora a Lua falou.
- Não vale a pena lutares contra algo que luta por ti. Suspirou e sorriu como estivesse a ver algo engraçado no teto.
Congelei-me, parecia que ela estava a ler os meus pensamentos.
Uma enorme tempestade abate sobre mim. A minha ansiedade ouviu as suas palavras e jorrou mil e uma questões.
E cá vou eu.
Tive de levantar da minha secretária, nenhum desenho estava a sair como eu queria. Sinto irritada e com vontade de chorar.
Não podia sair de casa, ela ia fazer me 500 perguntas e são 4 da manhã.
Olho para a lua cheia rodeada de nuvens, mas nenhuma atrevia-se a aproximar. A lua acalma os meus nervos. Nem sei o que dizer ao seu comentário.
Finjo serenidade.
Como eu não dizia nada, Lua fez questão de continuar com o que começou.
- Todos têm estrelas que levam nos às pessoas que vão acompanhar até ao fim das vossas jornadas cá no teu planeta. Outras estrelas não guiam, mas iluminam certos corações para ouvir a sua voz interior para suportar as aventuras sozinhos com esperança e paz.
Quem ignora a sua estrela, cai nas garras do sono que a vossa sociedade impôs. Vivendo em futilidades, em aparências, no criticismo e nos julgamentos. Quando vocês vêm alguém “acordado” é como quem diz alguém diferente. Vocês abatem. Muitos começam a ouvir o Rio. A maioria entre nele.
Fiquei em silêncio e arrepiada. O que ela disse é verdade.
Porque estava ela a dizer aquilo?
Alguma coisa começou a bater dentro de mim, eu contia a todo custo.
Tinha que reagir, se não reagisse, a minha ansiedade iria falar por mim.
- É verdade Lua, talvez tenha ignorado a minha estrela. Não posso criticar quem ignorou, pois, um dia, fiz isso tudo o que disseste. Ignorei a minha estrela que dava força para viver mais um dia.
Lua senta-se na cama, observa-me muito séria. Cruza os braços. A luz da lua que vinha da janela, batia nos seus cabelos cor de prata e dourado tornando-se ainda mais brilhante.
- Pois é Quennie… mas querida a tua estrela brilhou e ativou mas não foste a única a ignorar. A tua estrela perdeu-se e tu também.
- Não fui única? Perguntei confusa.
Eu supostamente pensava que minha “estrela” era o meu anjo da guarda.
O meu anjo da guarda perdeu-se!? Não faz sentido nenhum, quer dizer, não admirava. É preciso ter uma tonelada de paciência para suportar-me.
- Ambas se perderam, ambas não tiveram culpa. Acontece, todos perdem-se nesse planeta, olha o mundo à tua volta.
- Quem? Pensava que eu tivesse ignorado a minha força interior ou meu anjo da guarda! - A sua conversa não faz sentido nenhum a não ser que ela fosse…
- Pessoas não reconheceste, passou pelo teu caminho, mas ambas infelizmente não se reconheceram, perderam-se nos labirintos das dúvidas. Tiveste mais do que uma, mais uma vez o mundo as fez perder. Fiz tudo o que podia… mas não posso forçar a força da humanidade.
- Não pode ser…. – Isso não pode ser verdade.
- Quantas vezes ignoraste a tua voz quando sabias o que sentias era verdade? Mas ignoraste para não te magoares. Tens o dom da intuição. Mesmo agora mandaste calar a tua intuição outra vez, porque os humanos não ouvem a intuição?! – disse a Lua com ar irritada.
- Não tenho problema nenhum com a solidão. Solidão não assusta. Tenho medo sim é com a maldade do mundo lá fora.
Tenho paz assim, sozinha comigo mesma.
Virei as costas, tive de conter a vontade tremenda de chorar. Sou forte e não vou chorar, repeti vezes sem conta para que não desatasse a chorar.
Olhei de relance para ela.
A Lua sorria, o ar de irritação dissipara.
- As pessoas confundem amor com paixão, misturam os dois e acontece que o resultado é como um cigarro. Uma pessoa acende, fuma e no fim, atira para o cinzeiro, o lugar dos esquecidos.
Entram num ciclo sem fim e tornam-se viciadas nesse ciclo. Um dia esse ciclo pára, seja a bem ou a mal. Devido aos vossos ciclos viciados, vocês não puderam ver uma a outra vezes sem conta.
Respiro fundo e controlando a minha voz lá falei.
-Ciclos causam dor Lua. Mesmo que a reconhecesse, entraria num outro ciclo de insegurança e desconfiança. Isso magoa-me, porque tenho de sentir isso tudo em silêncio. Foi melhor assim, não nos reconhecemos. Quebrei vários ciclos complexos, muitos deixaram marcas e decidi caminhar sozinha. Não arrependo. Mas sei que magoei pessoas pelo caminho. Foi das poucas situações que preferi meter-me em primeiro lugar para proteger-me da dor que o amor traz. Respondi-lhe, e lá se foi minha tentativa de falar com calma, andava de um lado para outro inspirar e expirar de nervos.
- hahah Quennie…. Quennie, quebraste? Então diz me uma coisa, ciclos não significam que tenhas de entrar ou sair de uma relação, fugir ou esconder na solidão. Ignorar. Fingir. Quantas vezes fugiste de ajudar-te a ti própria para ajudar os outros? Quantas vezes ignoraste a tua intuição, e lidaste com pessoas que magoaram te? Aprendeste as tuas lições com elas, mas a tua intuição não te falou para as evitar? Tanta vez… ignoraste e sem tu saberes entraste num ciclo sem fim. Pior… começaste a ouvir a voz da tua razão fazendo querer gostar quando afinal não gostavas. Fazendo querer que tu não vales nada, mas sim os outros. Passaste a ouvir a razão que te enganava, pois esta é controlada pela tua ansiedade, é ela que te controla, é ela que te levou ao Rio.
Aí está os teus conjuntos de ciclos da tua vida. Sempre os outros, os outros, o que pensará os outros… mas esqueces de ti.
No fim ouviste o Rio, graças a quem? Á tua ansiedade!
- Como sabes que é isso que me controla? Hm?- perguntara sentido a raiva a subir nas minhas veias, minha ansiedade começou a reagir com o ataque da Lua.
- Sei coisas… e… olha para ti… olha ansiedade a reagir…- Lua ria-se como estivesse a desafiar alguma coisa.
- Não gozes Lua. – respondi, mas não era eu a responder… era ela… a maldita a ansiedade, aquele mostro vermelho que suga tudo.
- Conheço bem o Rio, fala quando ele sabe que uma alma deixou a sua intuição no vácuo.
Vocês humanos tem um azar de terem tão poucas luas nesse sistema solar.
Ridículo que alguns até a lua ignoram. Isso sim já é estupidez, algum de vocês precisam de que uma lua caia em cima de vocês para prestarem atenção.
- Falas como não fosses, humana, mas és tal como eu. Tal como eu já erraste. – Dissera a ansiedade em desafio.
- É verdade já errei, mas todos os meus erros trazem-me benefícios, mas estás como sorte não teres uma lua a cair em cima de ti, há luas muito pacientes. Piscou-me o olho e riu-se.
Fiquei simplesmente a olhar para ela e similar as suas palavras.
A minha ansiedade por alguma razão estava a dissipar.
Como ela sabia daquilo tudo da minha vida?... Não escrevo diários, não a conheço de lado nenhum.
- Quem és tu? Perguntei meio ridícula.
O que eu ia ouvir e ver iria ser surreal.
Comments (0)
See all