[Continuação da Parte 1]
A Romaine estava claramente desconfiada, mas acabou aceitando a proposta e segurou a mão estendida. Teresa poderia contar com seus companheiros Romaines para resgatá-la, no pior dos casos. Não tinha nada a perder seguindo o Beau até o seu criado.
A passos largos, Gaspard saiu em busca do cocheiro. Lembrava-se onde ele estava, no entanto o seu fluxo de seus pensamentos estava numa velocidade tão alta que sentiu receio de se distrair e acabar perdendo alguma entrada ou curva. Felizmente, não demorou muito para encontrar a carruagem.
De longe, Anton avistou a silhueta de Gaspard e foi apressadamente em direção ao mestre. Como já estava acostumado com os disfarces que ele usava, não estranhou que as feições estivessem escondidas pelo que ele acreditava ser uma máscara muito refinada.
— Senhor, eu estava ficando preocupado. A ponto de… — o rapaz parou de falar ao reparar na beldade com os dedos entrelaçados com os de Gaspard. — Ah, desculpe, não sabia…
— Anton, não é nada disso que está pensando! — Gaspard exclamou, agradecendo pela rua ser mal iluminada. Seu rosto estava queimando de embaraço, mas não soltou Teresa. — Viajarei neste exato momento e preciso que você dê três recados por mim.
— Sim, senhor… — Anton estava levemente alarmado com a reação inicial de seu mestre.
Limpando a garganta, Gaspard disse:
— A primeira mensagem é para o exército.
— Exército?! Você é do exército?! — Teresa perguntou assustada.
— Sim. Este é um dos motivos para eu usar este disfarce. — Gaspard poderia ter inventado uma desculpa qualquer, mas preferiu aproveitar para tentar ganhar um pouco mais da confiança da dançarina.
— Faz sentido… — ela comentou quase que para si mesma, pensando se realmente tinha sido uma boa ideia dar um voto de confiança no homem ao seu lado. Se havia algo no mundo que ela temia era o exército Beau. Para a sorte de Gaspard, Teresa realmente havia sido convencida pelo discurso de querer ver a irmã nem que fosse uma última vez. Se fosse com ela e a irmã, gostaria que alguém tivesse a mesma gentileza.
— O que digo para o exército, senhor?
— Avise ao general que talvez a pista sobre Sálaga não esteja tão equivocada assim. Diga que encontrei uma evidência nova e era imprescindível que eu fosse atrás da fonte ou perderia o rastro… — Anton repetiu tudo que Gaspard havia acabado de dizer, até decorar cada parte do recado.
— E os outros dois recados, senhor? — perguntou Anton.
— São para minha tia e Mylène. Diga que fui atrás de Marianne, ambas entenderão.
Ao ouvir o nome de Marianne saindo da boca de Gaspard, Teresa considerou todos os acontecimentos que a levaram até ali. De uma forma que não sabia explicar, estava tudo interligado, ela pensou consigo mesma. E não era só por conta daqueles fatos, a sua intuição também dizia o mesmo. Teresa não conseguia conter a animação agora que os ventos do destino sopravam em sua direção.
— Há algo mais que posso fazer pelo senhor? — a voz de Anton trouxe Teresa de volta à realidade.
— Não, Anton. Você está dispensado por hoje. Pode voltar para casa.
Anton desejou uma boa viagem acenando com o chapéu antes de voltar para a carruagem.
Ao ver que o veículo se afastara o suficiente, Teresa tocou delicadamente no braço de Gaspard para chamar sua atenção. Agora era sua vez guiá-lo pelas ruas. Os dois andaram em silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
Mal eles sabiam que estavam, de certa forma, em sincronia. Ambos se perguntavam se estavam agindo corretamente ao mergulhar naquela loucura. Também tinham medo do que o exército poderia fazer. Porém, enquanto Gaspard temia pela própria cabeça, Teresa se arrepiava ao se lembrar do que já acontecera com seu camp e seu povo.
Os dois seguiram caminhando e só voltaram a conversar a poucos metros da caravana, quando Teresa disse:
— Mylène… É a jovem ruiva que estava com você no festival, não é?
— Sim, ela mesma — Gaspard respondeu sem pestanejar.
— Você a ama? — Teresa perguntou simplesmente.
— Amor? O que isso importa? E se responde a sua pergunta, somos noivos e vamos nos casar daqui a um mês — ele disse sem entender bem o rumo da conversa.
— De certa forma, acho que você respondeu tudo o que eu precisava saber — afirmou Teresa com um sorriso de canto e com os olhos brilhando marotamente, aproximou-se mais do Beau.
Gaspard estava prestes a questionar Teresa, mas foi surpreendido pela dançarina, que laçou os braços em torno do pescoço dele e sem mais nem menos, o puxa para um beijo. Os mesmos lábios que ele admirara há alguns minutos agora estavam sobre os seus. E mesmo que ainda os achasse sensuais e agora soubesse que eles realmente eram macios, sua primeira reação foi dar um passo para trás. Contudo, Teresa demonstrou uma força inesperada ao prendê-lo mais para si, afastando-se apenas o suficiente para sussurrar ainda tocando os lábios nos deles:
— Gaspard, a caravana precisa acreditar que você está apaixonado por mim, só assim vão deixar que você venha conosco.
Fazia sentido.
Todo o sentido do mundo.
Ele entendia que só permitiriam a sua presença se demonstrasse que estava apaixonado pela Romaine. Mas, ainda assim, Gaspard hesitava um pouco em continuar com a encenação. Será que Marianne também havia passado por aquela situação?
— Oi! Teresa, é você aí? — uma voz perguntou ao fundo. — O Beau ainda não te largou?
— Não podemos ficar apenas de mãos dadas? — Ele sussurrou de volta para Teresa, colocando uma distância maior entre eles. Quem visse de longe pensaria que era apenas uma conversa íntima entre amantes.
— Mãos dadas? Isso é apenas amizade para a gente.
Gaspard cogitou perguntar sobre ficarem somente abraçados, mas seu instinto dizia que aquilo também não seria o suficiente. A última vez que seus lábios tocaram os de uma mulher fora quando ainda estava na faculdade, num beijo roubado. Depois disso, nunca mais. Ele não tinha tempo nem interesse em dar atenção às necessidades da carne, estava focado em procurar uma candidata perfeita para perpetuar a linhagem dos Orléans. Quando Mylène apareceu, seus objetivos se casaram perfeitamente e, na cabeça de Gaspard, eles se tocariam de maneira mais íntima apenas para fins reprodutivos.
Objetivos.
Era nisso que precisava focar. E, no momento, o seu era ver a irmã mais uma vez.
Após um suspiro longo, ele tomou a iniciativa, beijando Teresa. Gaspard não sabia bem o que fazer e, ao se dar conta da inexperiência do Beau, Teresa assumiu as rédeas. Com a mão que as pessoas da caravana não conseguiam ver, ela se aproximou ainda mais de Gaspard, posicionando o braço dele em volta da sua cintura. Com a mão livre, Teresa acariciou o rosto de Gaspard, puxando-o para si.
Era um gesto escandaloso.
E pelos comentários que estavam sendo feitos, a caravana parecia aprovar.
— Não acredito que o branquelo fisgou a Teresa!
— Isso é coisa de família?
— Vai ter Beau novo no camp?
— Tá pegando fogo, hein!
O que eles não sabiam era que nada de fato estava acontecendo e os lábios deles estavam apenas encostados e a mão no rosto de Gaspard servia apenas para disfarçar a falta de movimento. Quando a dançarina resolveu que o espetáculo já tinha sido o suficiente, Gaspard admitiu internamente que, se pudesse, gostaria de ter ficado mais um tempo daquele jeito com ela.
— Agora me abrace e deixe o resto comigo — Teresa sussurrou uma última vez com uma piscadela antes de se juntarem à caravana.
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