Ao chegar em casa, após a madrugada cheia de emoções, Mylène se deitou na cama sem conseguir dormir. O festival, a explosão, Gaspard, Marianne e Henri De la Source… Sua mente simplesmente não conseguia se acalmar. Depois de ficar olhando para o teto por um par de horas, desistiu de lutar contra a insônia. Sem pressa, vestiu um robe longo e foi em direção à cozinha para ver se Laila ou Rosane estavam de pé. Faltava pouco tempo para elas baterem em sua porta.
No meio à agitação entre os empregados, encontrou Laila, que largou o que estava fazendo ao notar a presença de Mylène.
— Em que posso ajudá-la, senhorita? — a criada perguntou prontamente.
— Poderia preparar um banho para mim? — Mylène pediu.
— Claro, senhorita. Qual essência gostaria que eu colocasse? Lavanda ou rosas?
— Rosas, por favor.
Laila assentiu, saindo em direção ao banho.
Enquanto esperava, Mylène viu no balcão pratos demais montados para o café da manhã, muito mais do que o de costume. Pegou dois gomos de uma tangerina descascada que parecia suculenta, sua boca salivando com o aroma doce da fruta. Com tudo o que acontecera desde o festival, não tivera a oportunidade de comer direito.
— Leve o prato, senhorita — disse uma voz masculina atrás dela. — Posso descascar mais para o senhor Dupain. — Mylène se virou e encontrou Loic, o criado mais fiel do senhor Dupain.
— Sinto muito, não pensei que fossem somente para meu pai — comentou em um tom monotônico, respondendo apenas por educação.
— Não precisa se desculpar, senhorita. Apenas aconselho que tome cuidado na hora de voltar para o andar de cima. — Loic olhou para Mylène de uma forma que fez todos os pelos de seu corpo se arrepiarem desagradavelmente. — Seus trajes não estão adequados e alguns compradores já chegaram — acrescentou.
Mylène ficou surpresa. Seu pai não costumava fazer rodadas de negociações em sua residência durante os fins de semana. Fora isso, ela ainda o vira saindo na noite anterior, então imaginava que ele tiraria o domingo para descansar. Pelo menos, era o que sempre acontecia quando o senhor Dupain visitava algum clube de cavalheiros.
“Algo não cheira bem”, Mylène pensou ao se lembrar que na tarde de sábado seu pai também tinha se encontrado brevemente com o senhor Verry e ambos estavam de bom humor. Mylène até mesmo recebera permissão para visitar a mãe, o que se tornava cada vez mais raro nos últimos tempos.
Antes de sair para o festival da primavera, ele demonstrou satisfação com a compra de linho de Hassan, o país mais ao sul do continente. Será que mais mercadorias haviam chegado? Seria por isso que seu pai estava animado ao ponto de trocar seu descanso de domingo por trabalho? Todas essas ocorrências estranhas a deixaram com uma pulga atrás da orelha.
Mylène não gostava de se meter nos assuntos do senhor Dupain por medo do que poderia acontecer à mãe.
Porém, seu pai não estava na cozinha naquele momento.
— Diga-me, Loic, — começou Mylène com um sorriso no rosto — ontem eu estava tão empolgada com o festival da primavera que talvez tenha me distraído nas conversas com meu pai. Por acaso, a vinda dos compradores estava programada? Se tivesse me atentado, teria me vestido apropriadamente.
Uma terceira voz entrou na conversa e respondeu antes de Loic:
— De jeito nenhum, senhorita — Manon, a velha cozinheira da casa, tomou a palavra enquanto sovava a massa de pão. — Fomos avisados pouco depois do raiar do dia. Estamos nesse corre-corre desde então.
Imediatamente, Loic fuzilou a senhora com o olhar.
— Nem adianta fazer cara feia, porque cara feia pra mim é fome e na minha cozinha tem bastante comida! — Manon bradou para Loic, que se encolheu com a bronca da mulher. A cozinheira então se explicou para Mylène. — Só estou falando a verdade, senhorita.
Manon não tinha medo de expressar o que pensava e ela gostava disso na cozinheira. Talvez até a invejasse. Se fosse como ela, não precisaria criar toda aquela cena só para conseguir informações sobre o seu pai.
— Senhorita, o seu banho está pronto. — Laila apareceu na porta da cozinha.
— Certo — Mylène respondeu. — Obrigada pelo esclarecimento, Manon. Desejo um bom trabalho a todos.
No corredor, Laila avisou que Mylène não precisaria se preocupar em ser vista pelos visitantes; o caminho estava livre. Ela ficou desapontada mesmo sabendo que não seria possível encontrar os compradores repentinos de linhos de Hassan, pois estava curiosa com esse negócio que deixara seu pai quase que… alegre.
Ao subir as escadas, riu consigo mesma só de pensar em Hugo Dupain alegre. Seu pai conhecia apenas dois sentimentos: irritação e satisfação. Em sua vida inteira, Mylène só recordava do senhor Dupain irritado quando as coisas não andavam bem na opinião dele, ou satisfeito quando elas iam de acordo com o que ele queria. Sempre reinava a vontade dele.
Perdida em si mesma, Mylène mal se dera conta que ela e Laila haviam percorrido o caminho até a sala de banho. Já na porta, o aroma de rosas preencheu suas narinas, apagando todos os pensamentos ruins.
As memórias com De la Source tomaram a sua mente.
— Não mesmo, mas queria sentir seu perfume de rosas de novo. Então, menti.
Investidas masculinas definitivamente não costumavam abalar Mylène. Entretanto, aquele rapaz a desarmara diversas vezes, e o comentário final acabou sendo o xeque-mate.
Lembrar de como ela o segurara tão perto ao ajudá-lo a beber água não ajudou a tranquilizá-la.
— Senhorita, seu rosto está muito corado. A água está muito quente? Está se sentindo bem? — Laila questionou preocupada.
A face de Mylène pinicou ainda mais. Ela se recordou de como não conseguiu manter a compostura depois da fala de Henri. Naquele momento, ficara desconcertada a ponto de sentir as bochechas queimarem. Ela nem se lembrava direito da despedida com o rebelde.
Ignorando o embaraço, Mylène respondeu:
— Estive fora durante a madrugada, querida Laila. — Junto com Rosane, ela era uma das únicas pessoas da casa que sabiam das suas fugas noturnas. Nada que um bom banho e um cochilo à tarde não resolvessem.
[Continua na Parte 2]
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